• Nenhum resultado encontrado

Reconhecido o absurdo de se reduzir a representação à figura do m anda­ to, é sabido que se resolveu dizer, quase como meio de se contornar o problema,

No documento REALE, Miguel. Teoria do direito e do estado (páginas 194-198)

NATUREZA DA REPRESENTAÇÃO POLÍTICA 140 A Nação é uma realidade, não é um a criação artificial, nem

46. Reconhecido o absurdo de se reduzir a representação à figura do m anda­ to, é sabido que se resolveu dizer, quase como meio de se contornar o problema,

que se tratava de um m andato sui generis ou p o lítico . Do mandato conservou-se o

nome por motivos pragmáticos e para atender ao seu emprego usual, mesmo nos textos constitucionais. Não faltam, porém, autores, que não condenam o emprego do termo m a n d a to com o é o caso de Santi Romano. Cf. C o r so d i d ir itto costituzionale, Pádua, 1933, p. 213.

47. Cf. Barthélemy e Duez, op. cit., p. 86 e s.; Orlando, P rin cipii, cit., p. 80 e s., e Du fondement juridique de la représentation, Rev. du D r. Publ:, Ranelletti,

Istituzioni di d iritto p u bblico, 6. ed., Pádua, 1937, p. 29 e s., e P rin cipii d i diritto am m inistrativo, Nápoles, v. 1, p. 216 e s. e 282 e s.; Giuseppe Ferri, Rappresentanza p o litica , Roma, 1936, e o sempre novo trabalho de Miceli, II concetto m oderno

C onfessada a im possibilidade de explicar apenas juridicam ente a r e p r e se n ta ç ã o , o problem a é apreciado de maneira genérica, politi­ camente, com o problema de arte constitucional (Barthélemy) ou com o m eio esp ecífico e técn ico-social para a estruturação de uma ordem estatal (K elsen), ou então em termos sociológicos (M aurice Duverger e G eorges Burdeau).

A representação, em verdade, é um dos m eios técnicos, o m ais importante dos processos de organização do Estado de Direito, dada a im possibilidade do govem o direto do povo pelo povo. C om o ainda lembra K elsen, constitui “uma transação entre a exigência dem ocrá­ tica de liberdade e o princípio, im prescindível para todo o progresso da técnica social, da distribuição do trabalho”48.

p o lítico delia rappresen tan zapolitica, Perúzia, 1892; Zanzucchi, Istituzioni d i diritto p u bblico, Milão, 1936, p. 65 e s.; Mamoco e Sousa, Constituição p o lítica d a repú­ b lic a p o rtu g u e sa , Coimbra, 1931, p. 232 e s.; Genésio Moura, A rep resen ta çã o p ro p o rc io n a l e a C arta d e 1 0 d e n ovem bro d e 1 937, São Paulo, 1939, p. 22 e s.; Queirós Lima, Teoria d o E stado, cit., p. 317 e s. Este último autor, inspirando-se em Duguit, reduz a eleição, vista em sua significação objetiva, a um simples “processo de equilíbrios”, doutrina que lembra a de G. Ferri, para quem a representação é um instituto que abrange uma complexa e vasta série de fenômenos que se desenvolvem no processo de formação da vontade do Estado, para alcançar uma íntima corres­ pondência entre esta e as finalidades histórico-sociais (G. Ferri, op. cit.).

48. Kelsen, op. cit., p. 52-5. A questão está em foco há vários anos, especial­ mente depois que as novas diretrizes políticas da “racionalização democrática” alte­ raram de maneira radical os dados do problema. Assim é que vemos, de um lado, Barthélemy sustentar que não há “representação sem eleição”, e, do outro, Crosa declarar ser preciso abandonar a idéia de eleição para se poder penetrar no âmago ou na essência da representação, a qual pode resultar tanto da estrutura da instituição quanto de dispositivo legal (Crosa, D iritto costituzionale, 1937, p. 358 e s.). O mes­ mo problema continua em debate, hoje em dia, como se pode ver em Pier Luigi Zampetti, D alo stato liberale alio stato d ei p a rtiti, Milão, 1965, e Bagolini, G iustizia e società, cit., esp. p. 38 e s.

Vide a tese sempre atual de Santi Romano segundo a qual pode subsistir a idéia de m andato, mesmo após o reconhecimento de que a representação não se origina do m andato m as tem a sua fo n te na lei. C orso, cit., p. 214. Pedro Calmon justifica o uso do termo “mandato” porque “o direito público não poderá nunca emancipar-se dos símbolos que o fazem compreensível” (Curso d e direito pú blico,

Rio, 1938, p. 241). Guardaremos, porém, esta lição de Hauriou: “/'élection n ’est p a s d e l’essence du régim e représentatif; mais elle est un élément de sa technique, pa rce qu'elle p a ra it une garantie d e la comm unauté d e vue entre les gou vem ants et les membres du corps”. Aux sources du droitle pouvoir, Vordre et la liberté, Paris, 1933, p. 104. Compare-se Rodolphe Laun, La dém ocratie, Paris, 1933, p. 127 e s. Cf., sobre poder e legitimidade, Martin Kriele, Introducción a la teoria d el Estado, cit.

Pode-se dizer que a doutrina se inclina no sentido de se reco­ nhecer a insuficiência de qualquer explicação tendente a conceber a representação com o categoria puramente jurídica, partindo-se do pres­ suposto de um mandato coletivo e im pessoal conferido pela N ação ao conjunto de seus representantes, mas sem desvesti-la da nota de

ju r id ic id a d e .

A o contrário, numa visão de caráter m ais sociológico-p olítico, prevalece o entendim ento da representação em termos de funcionali­ dade prática ou concreta entre o eleitorado e os mem bros do corpo legislativo.

À luz apenas da teoria jurídica teríamos o binôm io m a n d a n te -

m a n d a tá r io , enquanto que, sob o tríplice aspecto inerente aos pro­

blem as estatais, o que m ais se im põe é determinar a c o r r e la ç ã o fu n ­

c io n a l (diríamos m esm o: o p e r a c io n a l) entre o m odelo e a sua im a­

gem , d e m o ld e a ser m e n o s fo rm a l e m a is autêntica a re la ç ã o en tre o s

órgãos de representação e a efetiva vontade popular, o que com bina

com plem entarm ente os elem entos p o lític o e ju r íd ic o .

143. D os processos técnicos de estruturação do Estado a repre­

sentação eletiva constitui o m ais com patível com os três princípios políticos fundam entais que resultam do fato de residir a soberania em a Nação, visto com o a consulta direta ao eleitorado, por m eio do

referen ch m e do plebiscito, ainda constitui, assim com o a iniciativa populaí, prôcessos incipientes de integração. M ediante a representa­ ção resolve-se, em parte, o problem a da correlação que deve existir entre governantes e governados, sendo tanto m elhor a representação quanto m elhor atender às distintas situações dos indivíduos e dos grupos no seio das coletividades nacionais, mas sempre de m odo que o todo não fique à m ercê de interesses desta ou daquela outra parcela dominante.

A N ação é uma unidade de ordem, na qual cada elem ento com ­ ponente tem a sua posição distinta do ponto de vista das atividades normais da vida, sendo tam bém certo que existem diferenciações de caráter ideológico, com form ações de círculos diversos de opiniões. D aí a discussão técnica sobre se se deve ordenar o povo apenas se­ gundo os setores de atividade (ordenam ento sindical-corporativo) ou segundo os núcleos de opinião (ordenam ento partidário) ou, então, se é preferível uma solução mista. O problem a é, por conseguinte, de

ordem técnica, atende a contingências históricas diversas, não sendo de se excluir a hipótese de um ordenamento de natureza técnico- científica com m aior ou menor intervenção do povo na escolha dos governantes, de acordo com as exigências dos diferentes círculos de cultura. D esta ou daquela forma, porém , o certo é que a representa­ ção deixou de ser um princípio vinculado ao conceito de soberania.

144. Com preendida a representação com o um m eio técnico de

estruturação do Estado — o que não a priva de sua natureza também

necessariam ente ju r íd ic a — não há necessidade de substituir a dou­

trina jurídica do m a n d a to pela doutrina ju r íd ic a do órgão.

Em verdade, conceber um mandante (a N ação) que se confunde com o mandatário ou com os seus órgãos (o Estado) no ato m esm o de se conferir o mandato é tão absurdo com o apresentar a N ação com o órgão do Estado depois de se reconhecer que o Estado é a N ação juridicam ente organizada. N ão se com preende, em verdade, com o seja possível a existência de duas N ações — uma N ação com o elem ento constitutivo do Estado e outra N ação transformada em ór­ gão do Estado que ela constituiu49.

A lém desse im passe, é preciso notar que o órgão age em função do organism o a que pertence, e as Câmaras não são órgãos da N ação e sim órgãos do Estado. Apresentar, depois, o Parlamento com o ór­ gão da N ação e a N ação com o órgão do Estado é esquecer que o Estado é a própria N ação organizada. A parece, assim , todo o artifí­

cio da distinção entre ó r g ã o s d ir e to s e in d ir e to s , sustentada por

Jellinek com o correção e com plem ento à tese de Laband que não

49. Nesse sentido, vide Duguit, Traité, cit., v. 1, p. 487 e s. e v. 2, p. 21 e s., 563 e s. e 657 e s.; Santi Romano, C orso d i d iritto costituzionale, cit., p. 211 e s., e Barthélemy e Duez, Traité, cit., p. 87 e 88. Sobre a teoria da Nação-órgão, vide

Jellinek, op. cit., especialmente v. 2; Orlando, Du fo n d em en t ju rid iq u e d e la représentation, loc. cit.; Michoud, Théorie d e la p erson n alité m orale, 1906, p. 129 e 147; Hauriou, P rín cipes de droit pu blic, Paris, 1910, p. 652 e s.; Villeneuve, op. cit., t. 1, p. 216 e s., e t. 2, p. 105; Carré de Malberg, Contribution, cit., v. 1, p. 411 e s.; Ranelletti, Istituzioni, loc. cit., e a obra de Dabin, D octrin e générale d e VEtat,

cit., p. 74 e s.

Consultem-se, outrossim, Burdeau, Traité, cit., v. 6, p. 236 e s.; Maurice Duverger, Esquisse d’une théorie de la représentation politique, in U év o lu tio n du droit p u blic, Paris, 1956, p. 211 e s.; Pasini, R iflessioni in tema d i sovranità, Milão,

admitia — à vista dos princípios da teoria orgânica do Estado — fo sse possível uma concepção estritamente jurídica da representa­ ção, dando-lhe apenas um sentido geral ou Político. A N ação é ele­ m ento constitutivo do Estado, mas não é seu órgão. P ode-se dizer,

isto sim , que o e le ito r a d o é órgão do Estado, mas não se deve con ­

fundir o e le ito r a d o com a N ação, assim com o não é de todo aceitável

o que diz Esm ein quando afirma que a N a ç ã o le g a l é constituída

pelos eleitores políticos, pelos que possuem o direito de sufrágio50. Titular da soberania, na acepção rigorosam ente técnica do ter­ m o, é só o Estado, e não sendo a N ação órgão do Estado, a represen­

tação não se pode fundar sobre o fato da soberania residir so c ia lm e n ­

te em a Nação. A s Câmaras eletivas não são órgãos do povo, mas sim

órgãos do Estado, encontrando o seu fundam ento e o de suas atribui­ ções na própria constituição do Estado, segundo as circunstâncias históricas e as oportunidades políticas.

A S O B E R A N IA E A S C O N S T IT U IÇ Õ E S

145. Enquanto na literatura científica se procura precisar o sig­

nificado dos termos, distinguindo sociedade, povo, N ação e Estado, o m esm o rigor técnico não se encontra nos textos constitucionais, nem seria talvez p ossível encontrar, dada a natureza em inentem ente id eológica desses docum entos, que consubstanciam sem pre princí- p ioágeçais de doutrina segundo contingências históricas e sociais.

Explica-se, por exemplo, o uso do termo p o v o em tão larga acepção

e com tanta freqüência nos textos constitucionais, pelo “com plexo sen­ timental” que se constitui em tom o dessa palavra. E uma palavra má­

gica que possui força de m ito , com o diriam Pareto e D elaisi51.

A palavra p o v o tem inegavelm ente grande sentido dinâm ico,

traz logo à m ente a idéia de m ovim ento ascensional das m assas, de

No documento REALE, Miguel. Teoria do direito e do estado (páginas 194-198)

Documentos relacionados