O ESTADO E O SEU CONTEÚDO SOCIAL
8. Pontes de Miranda, Com entários, cit., v 1, p 35.
M as a Teoria Social do Estado estuda tam bém o elem ento so cial quando o Estado já está constituído segundo um ordenamento jurídico, porque, então, as circunstâncias sociais se alteram, e sur
gem exigências objetivas de instituições jurídicas novas.
Seria, porém, absurdo pensar que existe um a Teoria Social do
Estado p u r a m e n te s o c ia l. N a realidade, tal cousa não é p ossível. N ão
há análise do Estado que não pressuponha algo de jurídico, assim com o não há fenôm eno social que não im plique notas de juridicidade. É só por um esforço m ental que fazem os abstração do “jurídi co ” para considerarm os “o social” do Estado. Por sua vez, não é p ossível, a rigor, tratar do “jurídico” e do “social” sem im plicita m en te en v o lv er a q u estã o d os fin s da in stitu içã o , o p rob lem a
te le o ló g ic o -p o lític o . D issem os, no Capítulo I, que o Estado é uma realidade cultural tridim ensional, e esta característica tem o Estado em com um com o próprio Direito, de que é inseparável. D e qualquer
forma, o Estado e o D ireito representam uma r e a lid a d e in te g ra d a , ou
seja, ao m esm o tem p o una e m u ltíp lice , m aterialm en te in d e- com ponível, só m entalm ente analisável em três direções distintas.
N ão se queira, p ois, ver nas distinções que vim os fazendo se não um m eio de análise, sem separações radicais entre este e aquele outro aspecto do Estado. Q uem estuda o fenôm eno estatal para lhe
penetrar nos caracteres essenciais, d is tin g u e , m a s n ã o s e p a r a , anali
sa para possibilitar a clareza da síntese.
E S T A D O E N A Ç Ã O
106. Ora, fazendo abstração do ordenamento jurídico que dá
forma ao Estado, não tem os diante de nós um conglom erado de ho m ens sem relações íntim as, am álgama inform e de seres sem nada que os una. A o contrário — e a form ação histórica dos Estados M o dernos é fonte de inform ações seguras — a sociedade que se integra
no ordenamento jurídico estatal já é, por si, uma u n id a d e ju r íd ic a “in
p o te n tia ” . Considerando a m ais evoluída das formas de sociedade é que m elhor com preenderem os este fato.
A N ação é uma realidade, não é uma noção artificial, nem uma sim ples ficção política. E xiste com o uma formação cultural histórica.
A o contrário do que diz Jellinek, ela possui uma realidade exte rior, resultante de fatores m últiplos, de ordem econôm ica, racial, lin güística, religiosa etc., mas sobretudo de ordem histórica, por todos esses laços sutis e fortes que ligam o s hom ens estabelecidos em um m esm o território com uma com unhão de usos e costum es. Represen ta, pois, também, um valor de ordem espiritual, que Renan viu reno var-se perenemente com o um “plebiscito de todos os dias”.
A C iência jurídica contemporânea está m ais ou m enos de acor do em ver em a N ação uma realidade subjetiva e objetiva (cultural), pondo em foco tanto o elem ento subjetivo, que é representado pelo que se convencionou chamar “consciência nacional”, com o o ele m ento objetivo dado pelos fatores étnicos, econôm icos etc.9. D aí a dizer-se que a N ação tem um a personalidade distinta da do Estado, vai uma distância enorm e que a sociologia naturalista em vão pro curou vencer.
“Em sua totalidade, com o organismo político, escreve Hauriou, a nação é larvária; som ente sua m etam orfose em Estado centraliza do a tomará um ser perfeito; sua individualidade é passiva, pois não reage sobre os nacionais de um m odo form al; a personalidade
9. Há escritores que acentuam o elemento subjetivo, apresentando-o como característico na Nação (cf. Renan, Qu’es-ce la nation? in D iscours e t conférences,
1882; Jellinek, D ottrina generale, cit., p. 225 e s.), ao passo que outros pensam po der explicá-la de maneira exclusivaniente objetiva (vide Queirós Lima, Teoria do E stado, 3. ed., 1936, p. 7). A maioriados'éscritores, porém, sem esquecer o papel decisivo e principal representado pela solidariedade espiritual, opta por uma teoria
su bjetivo-objetiva, como se pode ver em Esmein, Elém ents de droit constitutionnel,
cit., p. 164 e s.; Hauriou, P récis, cit., p. 80 e s.; Duguit, Traité, cit., v. 2, p. 5 e s.; Corradini, U u n ità e la p o te n za delia nazione, 2. ed., Florença, 1926, p. 85 e s.; An tônio Navarra, Introduzione a l diritto corporativo, Milão, 1929, p. 49-90; Bortolotto,
L o Stato fa scista e la nazione, Roma, 1931, cap. II; Panunzio, P rin cipio e diritto d i nazionalità, Roma, 1920, p. 20 e s.; Bagehot, L ois scientifiques du developpem ent d es nations, 3. ed., Paris, 1897; Johannet, Le prín cipe des nationalités, Paris, 1923; e Dabin, D o c tr in e g é n é r a le , cit., p. 17. V ide o trabalho de Francis D elaisi,
C o n tra d iccio n es d e l m undo m o d ern o , trad. espanhola, especialmente na parte intitulada “El mito nacional”, no qual o ilustre historiador e economista tece uma série de considerações sutis tentando demonstrar que a Nação é uma criação artifi cial e mítica. A realidade histórico-cultural que é a Nação não pode ser confundida com as doutrinas que, especialmente na Itália e na Alemanha, a transformaram em elemento mítico. O curioso é que o “misticismo nacional” revive hoje na obra de autores que se proclamam antifascistas ou antinazistas...
pensante, ativa, potente, que esta individualidade amorfa pode en gendrar, som ente poderá brotar com sua organização sob a forma do Estado” 10.
A tese de Durkheim sobre a existência de uma consciência co letiva, insustentável nos dom ínios da S ociologia e no que concerne à sociedade, também o é relativamente ao Estado, porquanto este só é uma pessoa nos dom ínios do Direito.
107. D evido ao fato inegável da N ação constituir uma realida
de, o grau m ais alto de integração social até hoje alcançado pela convivência humana, e ao fato não m enos importante de que a N ação já contém em esboço ou em forma latente a personalidade estatal, que só se tom a com pleta m ediante o ordenamento jurídico, é que se
costum a dizer que a N ação é titu la r da soberania. O termo “titular”
neste caso não é em pregado em sua acepção técnica, mas para indi car a sede, a fonte originária do poder estatal.
É por isso ainda que dizem os que a s o b e r a n ia é d a N a ç ã o , não
em sentido contratualista-liberal, mas em sentido histórico-socioló- gico, visto com o reconhecem os que toda N ação é um Estado em potência, tem o poder de se atualizar com o pessoa jurídica na unida de de um ordenamento de Direito objetivo.
A queles teorizadores que dizem que a soberania, substancial m ente da N ação, se com unica ao Estado, achegam -se à doutrina que está de acordo com a análise da soberania em seus dois m om entos, um s o c ia l e o outro ju r íd ic o . C om o pensam os ter demonstrado em um de nossos trabalhos, não há m otivos para se contrapor a doutrina
10. Hauriou, P récis, cit. Dizer que o Estado é a concretização jurídica da