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CAPÍTULO 2 CONTEXTUALIZAÇÃO DO DISCURSO POLÍTICO E DO

2.2 Contextualização do discurso diplomático

2.2.5 Abordagens sobre o discurso diplomático na França

No que diz respeito às pesquisas sobre o discurso diplomático desenvolvidas na França, o primeiro estudo ao qual nos referimos é o de Pascual (2004). Apesar de o autor não ter trabalhado com teorias do discurso (como é o nosso caso), destacamos o fato de ele ter-se dedicado à comunicação escrita na diplomacia. Pascual utilizou a teoria da comunicação de Jakobson, a noção de enunciação de Benveniste e noções mais amplas do domínio da Linguística – argumentação, sintaxe, tempo, aspecto, discurso direto, discurso indireto, léxico – com o intuito de assinalar essas particularidades nos diversos textos selecionados para o corpus.

O segundo trabalho que encontramos na França sobre o discurso diplomático é a pesquisa de Nabert (1999): Les réseaux d'alliance en diplomatie aux XIVe et XVe siècles.

Étude de sémantique. Ao justificar a seleção do corpus de seu estudo, a autora cita três razões: a) a escolha de uma língua técnica, que é a diplomacia; b) o vocabulário enquanto categoria de análise de uma disciplina específica no campo dos Estudos Linguísticos; c) o eixo diacrônico, tendo em vista o recorte temporal em foco. Um fato que nos interessa de forma mais direta aqui é o destaque conferido pela pesquisadora ao discurso diplomático. No entanto, a natureza de sua pesquisa é lexicográfica, distanciando-se, pois, a exemplo da

realizado en la parte teórica de esta investigación, se estudiarán las intervenciones de los representantes de los Estados a favor y en contra del uso de la fuerza y qué tipo de justificaciones jurídicas utilizan para apoyar sus posturas. En segundo lugar, se prestará atención a la comprensión de la dimensión normativa del uso legítimo de la fuerza. Así, teniendo en cuenta que la concepción de lo que es una amenaza a la paz y a la seguridad internacionales se ha ampliado de manera considerable durante la posguerra fría, se prestará atención a qué valores cuya defensa hace necesario el uso de la fuerza se destacan en los debates del CS. En tercer lugar, se analizará cómo parte la dimensión institucional del uso legítimo de la fuerza en el discurso, prestando atención a la concepción de la autoridad del CS como responsable del mantenimiento de la paz y seguridad internacionales y la importancia que se da a su consentimiento en forma de autorización para usar la fuerza contra Irak".

pesquisa de Pascual, das exigências postuladas pela Análise do Discurso, domínio em que se inscreve a presente pesquisa.

A última obra que descreveremos brevemente nesta seção é a de Villar (2006). Trata-se da pesquisa com a qual dialogamos de forma mais profunda, pois a autora se debruçou sobre o discurso diplomático, a partir de uma abordagem histórica e dentro de um quadro teórico-metodológico que nos serviu de parâmetro. Por essa razão, de todos os trabalhos apresentados nesta seção, o livro Le discours diplomatique ocupou um lugar de destaque, visto que vários dados nele abordados possuem uma relação mais estreita com o presente estudo.

Antes de abordar as suas contribuições, apontamos alguns dados biográficos da autora que julgamos relevantes para a compreensão do “lugar” de onde ela fala. Constanze Villar participa do Centro de Análise Política Comparada, de Geoestratégia e Relações Internacionais (CAPCGRI) da Université Montesquieu, de Bordeaux. Também é mestre de conferências em Ciências Políticas e se dedica ao ensino da Semiótica do Discurso Político, da diplomacia e do sistema político alemão.

Tomando o discurso diplomático como objeto de estudo, Villar (2006) explica que ele exige um viés analítico interdisciplinar entre Ciências Políticas e Linguística (no caso dessa última disciplina, sua proposta abarca, de forma mais específica, a teoria semiótica de Greimas). Apesar de tais disciplinas pertencerem a campos diferentes, foram tomadas na referida pesquisa como complementares. Além da exigência interdisciplinar, a autora destaca o modesto número de trabalhos sobre diplomacia, referindo-se ao posicionamento de Doris A. Graber sobre a negligência em relação ao comportamento verbal do discurso diplomático por este ser considerado por alguns estudiosos como algo menos importante do que sua realidade empírica.

A título de exemplo, Villar (2006) observa que grande parte dos dicionários franceses de referência não dá lugar de destaque para o verbete “diplomacia”. Mesmo em dicionários especializados há problemas. No de Pascal Chaigneau, por exemplo, falta a definição do objeto; no de Charles Debbasch, o autor explica alguns termos da diplomacia, mas sem mencionar sua dimensão discursiva.

O trabalho em questão teve como foco o gênero de discurso “manual”. A autora verificou que, em grande parte dos manuais analisados, a diplomacia não era vista como um campo discursivo próprio, sendo confundida com Política Estrangeira e, inclusive, em alguns casos, relegada a um papel de aplicabilidade de decisões de autoridades de Estado.

Ao confrontar diplomacia bilateral e diplomacia multilateral, Villar (2006) constatou que os diplomatas passaram a ver seu papel como algo que vem se reforçando, se modernizando e se complexificando, a partir do momento em que começaram a se deparar com situações de negociação multilateral permanente. A autora evoca o estudo de Jean- Jacques Roche para mostrar o resumo proposto pelo autor das cinco etapas da diplomacia enquanto prática moderna, evidenciando as principais mudanças ocorridas ao longo do século XX. São elas: 1) o desenvolvimento da diplomacia parlamentar; 2) a diplomacia diretamente estabelecida entre os chefes de Estados; 3) a diplomacia técnica com a criação de múltiplas organizações internacionais; 4) a diplomacia econômica; 5) a diplomacia não oficial desenvolvida por novos atores, como, por exemplo, ex-presidentes americanos.

A obra de Villar (2006) encontra-se dividida em cinco capítulos. No primeiro, a autora aborda a dimensão discursiva da diplomacia em sentido amplo. No segundo, analisa manuais redigidos por diplomatas, a fim de pôr em evidência os traços históricos dessa instituição discursiva. Com o fim de esclarecer o funcionamento simbólico da diplomacia e evidenciar a estrutura do discurso diplomático, a autora se dedica, no terceiro capítulo, aos aspectos sociológicos do seu objeto de estudo e à análise semiótica. No quarto capítulo, a partir de trabalhos heurísticos de origem anglo-saxã, a autora verifica as possíveis interpretações do discurso diplomático enquanto elemento estrutural do sistema internacional. Por fim, propõe a construção de um modelo semiótico da discursividade diplomática (capítulo 5).

A autora toma a linguagem diplomática como uma linguagem especializada, demarcada tanto por recursos de uma língua natural (português, espanhol, francês etc.) como por particularidades de uma comunidade cujos locutores se posicionam a partir de um campo profissional, funcional, socioeconômico, ideológico etc. Isso segundo a hipótese de que, se a diplomacia possui traços de suas práticas discursivas delimitadas institucionalmente, a enunciação de diplomatas é atravessada por sistemas de valores que orientam os seus atos de fala. Assim, Villar ocupa-se da demonstração das especificidades gerais do discurso diplomático, com o objetivo de apreender a atividade verbal universal dos diplomatas.

A pesquisadora recorre a um trecho do velho testamento do século VII a.C para mostrar a identificação de um comportamento diplomático. Segundo ela, percebe-se, em um trecho de Deuteronômio, um princípio fundamental para a diplomacia: o de fronteira. Isso pelo fato de a passagem estabelecer certas condições para as relações internacionais ao fixar as regras de conduta entre a nação de Israel (espaço interno) e outros Estados (espaço externo). Embora não se possa visualizar uma prática de negociação diplomática, a autora

comenta que o trecho pode ser visto como o primeiro discurso diplomático da Bíblia, pois postula que, antes de atacar uma cidade ou um Estado, deve-se propor a paz.

Depois da análise desse texto bíblico, Villar (2006) afirma que foi na China e na Grécia que se encontraram as primeiras manifestações do discurso diplomático enquanto práticas decodificadas. No entanto, ela se debruça, principalmente, sobre o conceito de fronteira, já que a significação desse termo depende de cada comunidade em determinado momento da História. Durante a Idade Média, o termo não estava relacionado com a diplomacia, mas sim com a guerra. Mais tarde, foi utilizado para delimitar o Estado enquanto símbolo da soberania. No entanto, correlativamente, a divisão política e jurídica do espaço criou o fato internacional, e a fronteira surgiu como parte constitutiva das relações internacionais.

É a partir daí que se percebe a mudança de fronteira instável (guerra) para fronteira estável (paz). Com efeito, a diplomacia passou a ser vista como instrumento da paz. Surgiu, então, o direito internacional com seus tratados bilaterais e multilaterais (Convenção de Viena, Carta das Nações Unidas etc.). Nesse momento, tem-se a fronteira instituída pelo direito internacional, o que foi ritualizado por tradições e protocolos diplomáticos. Esses fatos históricos demarcaram notadamente o discurso diplomático. É o que a autora procura demonstrar, quando diz que a comunicação se transformou em uma “encenação” em que os atores exibem uma imagem deles próprios em face de outro(s) ator(es) internaciona(is).

Após essas considerações que tomam o discurso diplomático de forma geral, Villar (2006) trata, especificamente, do discurso referencial dos manuais diplomáticos. A justificativa para essa análise é de base etnometodológica, uma vez que se assume a perspectiva de que todo grupo social é capaz de compreender a sua própria prática, comentá- la e analisá-la. No entanto, no que diz respeito ao discurso diplomático, em sentido mais específico, constata que, desde o Renascimento até a época contemporânea, os manuais o contemplam quase sempre em uma seção dedicada às qualidades do embaixador. Por essa razão, a autora passa a investigar o aspecto sociológico e linguístico do discurso diplomático. No primeiro caso, a partir de estudos da sociologia clássica de autores como Kingston de Leusse, lança mão da noção de cultura diplomática como sistema simbólico estruturado hierarquicamente a partir de três dimensões que permitiriam compreendê-lo de forma mais exata: a dimensão temporal, a espacial e a modal. Desse ponto de vista, segundo a autora, o discurso diplomático emerge de um dado contexto de produção construído em três níveis: história, instituição e terreno.

No que tange ao aspecto linguístico, Villar (2006) descreve as estruturas semióticas do discurso diplomático, com a finalidade de complementar a descrição sociológica que fez desse objeto. Orientando-se pelas pesquisas desenvolvidas pela Escola Greimasiana de Paris, cita o trabalho do diplomata de carreira Yves Delahaye, no qual foi trabalhada a interação entre os atores, na produção de um discurso marcado pela “internacionalidade”. A autora vê nessa abordagem uma significativa contribuição para a área pelo fato de haver nela uma transposição da “semiótica da significação” para a diplomacia, ou, mais precisamente, uma descrição das estruturas elementares e narrativas da significação das relações internacionais.

Villar (2006) baseia-se, pois, nessa abordagem para elaborar a semiótica do discurso diplomático. Partindo da oposição entre conflito e cooperação, lembra que esse critério havia sido utilizado em um número significativo de obras dedicadas à classificação de diplomacia. Ainda que admita que esse critério de oposição semântica não pertença apenas à diplomacia, a pesquisadora, a partir dessa categoria semiótica, propõe uma relevante distinção entre diplomacia coercitiva e diplomacia preventiva. A primeira emerge de uma situação de conflito em que um actante vale-se da intimidação para que seu destinatário aja em conformidade com seu (do actante/destinador) desejo. A segunda origina-se em um contexto de cooperação entre ambos os actantes.

Em seguida, a autora volta-se para o exame das estruturas elementares em manuais de diplomacia, elaborando um quadrado semiótico que permite visualizar, de forma mais clara, as estruturas básicas de sentido desse discurso. Além disso, procura mostrar a diferença entre os posicionamentos dos diferentes autores dos manuais analisados: eles revelam diferentes concepções de discurso diplomático, o que permite sua classificação em quatro tipos: empiristas, idealistas, normativistas ou realistas. Apesar de tais diferenças, a pesquisa conclui que essas classificações não modificam o conceito mais profundo de discurso diplomático.

Essa tese dialoga estreitamente com a nossa pesquisa. Diferentemente de todos os trabalhos apresentados em relação à produção científica no Brasil, na Espanha e na França, a pesquisa de Villar (2006) foi a que explorou de forma mais explícita a noção de discurso diplomático. Por essa razão, ela se sobressai em relação aos trabalhos anteriores e serve como elemento conclusivo para essa seção. Isso porque se, de um lado, seu estudo revelou que diferentes posicionamentos de autores de manuais de diplomacia não foram suficientes para alterar o conceito mais profundo de discurso diplomático; de outro, essa revelação coloca em evidência uma das principais questões de nossa pesquisa: que dimensões do discurso

diplomático os representantes permanentes do Brasil, da Espanha e da França revelariam a partir de seus posicionamentos? No final do presente estudo acreditamos que poderemos responder a essa pergunta e a outras. Por ora, destacaremos na próxima seção outros dados relevantes para ampliar o repertoriamento de estudos sobre o discurso diplomático.