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CAPÍTULO 4 – ANÁLISE DAS INTERVENÇÕES

4.6 Posicionamento e tom discursivos na construção das identidades diplomáticas do Brasil, da

4.6.1 Identidades diplomáticas do Brasil e da França sobre o Haiti em 2011

As intervenções da representante permanente do Brasil sobre o Haiti possibilitam apreender os seguintes aspectos principais: 1) defesa da soberania política do Haiti, com ênfase no princípio de que a atuação da comunidade internacional no âmbito da diplomacia bilateral e multilateral deve ser guiada pelo respeito a essa soberania; 2) destaque conferido ao lugar ocupado pela OEA nessas ações diplomáticas. É o que se pode constatar principalmente nos excertos que compõem o seguinte exemplo:

Exemplo 38

Cabe a todos os atores políticos haitianos a responsabilidade política coletiva de preservar a estabilidade alcançada nos últimos anos.

Em todas estas áreas, eleições, recuperação, segurança e assistência humanitária, é da maior importância enfatizar que cabe aos haitianos assumir papel de principal condutor de tais processos. A paz e a prosperidade futuras do Haiti dependem do fortalecimento do Estado nacional e de suas instituições. Em todos nossos esforços coletivos e individuais este imperativo deve servir de guia para nossas ações. A OEA tem sido particularmente ativa em seus esforços para apoiar o processo eleitoral e os haitianos no processo de verificação. Temos confiança que o relatório preparado por sua Missão de Verificação, que foi agora oficialmente submetido ao Conselho Eleitoral Provisório, será de utilidade em suas deliberações com relação ao futuro do processo eleitoral. ANEXO A

No que diz respeito ao papel da OEA, é preciso sublinhar que o Brasil é membro permanente dessa Organização. Ao mostrar a eficiência do trabalho da Organização dos Estados Americanos no âmbito da diplomacia multilateral regional, o país demonstra sua própria eficiência, sem que seja necessário fazer-se um elogio de forma direta. Tal recurso parece ter uma função relevante na maneira de se enunciar enquanto diplomata em um órgão de diplomacia multilateral. No caso do Brasil, esse autoelogio indireto está associado a uma mudança de perspectiva que o país começou a adotar em relação ao Haiti, com a aprovação da Resolução 1542, de 30 de abril de 2004.

No conteúdo dela fica explícita a mudança de perspectiva em relação à resolução aprovada anteriormente, sendo que muito dessa modificação deriva da estratégia política brasileira calcada em princípios que continuamente buscava promover. Em primeiro lugar, buscando observar o continuado esforço do Brasil em vincular ao máximo organismos regionais em operações onusianas de paz, o parágrafo operativo 6 indica que a MINUSTAH deverá atuar em parceria com organismos regionais (especialmente a OEA), a fim de promover a estabilização no país. (ZIEMATH, 2014, p. 122-123).

Da intervenção do representante permanente da França, emerge a identidade de um Estado que evidencia o seu papel diplomático no âmbito multilateral e bilateral. Cabe destacar a precisão com que essa identidade é construída. Quando a França revela apoio ao Haiti no quadro das Nações Unidas, é preciso ter em conta o seu status de membro permanente. No âmbito bilateral, destaca-se não somente a relação entre França e Haiti, mas também a relação entre França e Estados Unidos em ações diplomáticas que favorecem o Haiti. Mais uma vez, sublinhamos o fato de esses dois Estados (França e EUA) serem membros permanentes no CSNU. Vemos, portanto, que a identidade diplomática da França é construída a partir da ênfase em seu status de membro permanente. Com base nele, o Estado assume um posicionamento que julgamos impositivo, deixando nas entrelinhas do discurso uma espécie de “moeda de troca”: a França faz x (manterá seu compromisso ao lado do povo e do governo haitianos...) e, em troca, espera que o Haiti faça y (tome as decisões cabíveis, possivelmente, aquelas sugeridas/determinadas pela França):

Exemplo 39

La France quant à elle poursuit son appui, dans le cadre des Nations unies comme à titre bilatéral. Grâce au soutien français, le principal hôpital de Port-au-Prince a pu continuer à accueillir des malades. Sa reconstruction va être assurée par un partenariat franco-américain avec le ministère de la santé haïtien.

La France poursuivra son engagement aux côtés du peuple et du Gouvernement haïtiens, en étroite coordination avec les Nations unies. Nous espérons que les autorités haïtiennes de leur côté prendront les décisions qui s’imposent pour offrir à leur pays et à leur population de meilleures perspectives. ANEXO B

Vemos, pois, que certos aspectos linguístico-discursivos revelam identidades diplomáticas próprias para cada um desses Estados. Não seria viável, contudo, deduzirmos que o Brasil se opôs à França no que dizia respeito à situação do Haiti, debatida no CSNU em 2011. De qualquer forma, o mais importante é que nossa análise condiz inclusive com fatos empíricos, como aqueles que destacamos sobre a relação entre Brasil, OEA, ONU e Haiti. Para encerrar esta análise, citaremos mais uma vez um trecho sobre a Resolução 1542, de 30 de abril de 2004. Isso porque nele encontramos fatos históricos que mostram aspectos distintivos da identidade diplomática do Brasil e da França. O tom coercitivo que revelamos a partir da intervenção da França e sua parceria com os EUA encontram respaldo histórico em posicionamentos explicitamente contrários aos do Brasil durante a produção da referida Resolução:

Em segundo lugar, atentando para o princípio da não intervenção, muito caro ao Brasil (sobretudo no contexto regional) retirou-se a expressão “atuando de acordo com o capítulo VII da carta da ONU” (acting under Chapter VII of the Charter of

the United Nations) da parte inicial da resolução, uma vez que isso poderia ser

entendido como uma ingerência externa ilimitada na região. Após grande controvérsia com os EUA, que buscavam manter a expressão no cabeçalho da resolução, ela foi incluída apenas no caput do artigo operacional que delimitava o mandato da MINUSTAH no referente à estabilidade política. Em terceiro lugar, a expressão “all necessary measures” não foi utilizada ao se definir o mandato da MINUSTAH, indicando o respeito à soberania haitiana. Por fim, em contraposição à estratégia de intervenção breve proposta pelos EUA, o Brasil logra avançar sua perspectiva de que as operações de paz devem ter estratégias de desenvolvimento de longo prazo, como expresso no parágrafo operativo 14 da resolução (ZIEMATH, 2014, p. 123).