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CAPÍTULO 2 CONTEXTUALIZAÇÃO DO DISCURSO POLÍTICO E DO

2.1 Contextualização do discurso político

2.1.2 Abordagens contemporâneas do discurso político

2.1.2.2 O lugar do discurso político na produção científica contemporânea na Espanha

Uma atividade científica que demonstra a relevância de estudos em torno do discurso político na Espanha na qual, inclusive, tivemos a oportunidade de apresentar uma análise prévia de parte da problemática que direcionou a presente pesquisa16, foi o XI Congreso Internacional de Lingüística Francesa (CILF). Desse congresso, realizado na Universidad de Zaragoza, nos dias 4, 5 e 6 de novembro de 2015, originou-se o livro Les discours politiques: regards croisés (CORCUERA et. al., 2016). Nele, selecionamos quatro trabalhos de pesquisadores espanhóis, vinculados a diferentes universidades, com o propósito de evidenciar diferentes abordagens desse multifacetado objeto de estudo.

O primeiro deles, de autoria Donaire (2016, p. 55-68), da Universidad de Oviedo, tomou como corpus os discursos do presidente da República e do Primeiro Ministro da França publicados na imprensa escrita durante a campanha para as Eleições Européias de 2014. A autora teve como objetivo explicitar os diferentes pontos de vistas que certas palavras podem revelar, a partir do conceito de polifonia desenvolvido por Ducrot.

Sobre innovaciones discursivas en el relato político español actual (BURGUERA-SERRA, 2016, p. 103-113), por sua vez, é uma análise linguístico-discursiva do tema conhecido midiaticamente, na Espanha, como Questão catalã17. Em termos metodológicos, o autor propôs uma relação entre semântica, análise de discurso e conceitos tradicionalmente vinculados à comunicação política, como framing e storytelling. O corpus dessa pesquisa, que foi realizada na Universitat de Barcelona reuniu textos jornalísticos, entrevistas televisivas, programas eleitorais, intervenções parlamentares18, spots eleitorais e leis. Em síntese, o autor procurou evidenciar como o tema em foco foi desenvolvido a partir de práticas consolidadas na/da narrativa política.

16 Ver Andrade (2016a).

17 Tradução livre de cuestión catalana. De acordo com Burguera-Serra (2016), esse termo foi empregado e

difundido pela mídia espanhola para fazer referência ao projeto de independência proposto pelo “Gobierno de la Generalitat de Cataluña”.

18 Este trabalho sobre as intervenções parlamentares evidencia a estabilidade terminológica no processo de

repertoriar e classificar os gêneros de discurso da esfera política. O uso do termo “intervenções” foi igualmente constatado na obra de Pons-Rafols (2017, p. 635-709) para diferentes atores sociais, como podemos ver em: “Intervención de su Majestad el Rey Don Juan Carlos I de España en el debate general del cuadragésimo primero período de sesiones de la Asamblea General de las Naciones Unidas”; “Intervención del Presidente del Gobierno del Reino Unido de España, Sr. Mariano Rajoy Brey en el debate general del sexagésimo octavo período de sesiones de la Asamblea General de las Naciones Unidas”.

O terceiro trabalho produzido para a obra mencionada foi o de Gaspar-Galán (2016, p. 135-150), da Universidad de Zaragoza. A partir da teoria semiolinguística de Patrick Charaudeau, o autor dedicou-se à análise da mensagem de Natal proferida pelo rei da Espanha no dia 24 de dezembro de 2015. A justificativa para essa escolha deve-se ao fato de se tratar do único discurso anual, desde 1976, que o rei profere para a população espanhola. No entender do pesquisador, esse discurso institucional da monarquia parlamentar possui dois contratos de comunicação: o de discurso político e o de carta de Feliz Natal, havendo uma alternância entre congratulações e reflexões políticas. Isso mostra que o papel político do rei da Espanha é limitado: exige neutralidade e, além disso, não lhe imputa responsabilidade face à situação social e econômica do país, ainda que o referido discurso tenha como eixo temático a unidade nacional.

O último trabalho da referida obra é o de López Muñoz (2016, p. 470-482), da Universidad de Cádiz. Considerando que a atuação política depende também da competência tecnológica dos atores dessa esfera social, o autor analisou um conjunto de twitters produzidos pelo Presidente da França, François Hollande, entre outubro de 2014 e outubro de 2015, a partir da abordagem teórico metodológica do tecnodiscurso, desenvolvida por autores como Julien Longhi, Rachel Panckurst e Marie-Anne Paveau. Nesse sentido, o twitter político foi tomado como um conjunto de discursos: discurso político, discurso midiático e discurso da rede social. López Muñoz (2016) mostrou, em síntese, que as competências em twittescritura de François Hollande são limitadas e que esse campo de estudos é bastante fértil.

A nosso ver, a fertilidade desse campo de estudo também poderia contemplar o discurso diplomático. Por isso, verificamos se havia alguma relação entre o corpus do presente trabalho e a twittescritura. Ainda que não tenhamos encontrado um aspecto que se enquadrasse diretamente no escopo de nosso estudo, ressaltamos a existência da conta twitter da Missão Permanente da França19, a qual poderia ser explorada por outros trabalhos científicos, que certamente dialogariam com muitos dados revelados aqui, como, por exemplo, a maior interação explícita com o discurso político. Notamos que um dos seguidores desse twitter é Manuel Valls, político francês do Partido Socialista que ocupou o cargo de Primeiro Ministro no governo de François Hollande e foi um dos candidatos às eleições presidenciais francesas de 2017.

19 La France à l’ONU. @franceonu. Compte twitter de la Mission permanente de la France auprès de l’ONU /

Para além desse livro, de onde extraímos as quatro produções acadêmico- científicas descritas anteriormente, observamos outro fenômeno relevante. Se privilegiamos até aqui a diversidade de temas e autores em torno do discurso político, a partir de um livro resultante de um único evento científico, não podemos perder de vista outros trabalhos que mantiveram o tema debate/eleições no contexto político espanhol, nos últimos 15 anos. Mencionamos, primeiramente, o trabalho de Fernández García (2000), intitulado Estrategas del diálogo: la interacción comunicativa en el discurso político-electoral. Também é preciso lembrar a abordagem feita por Fuentes Rodrígues (2011) sobre as interações comunicativas no discurso político-eleitoral, em El debate entre Zapatero/Rajoy: estudio argumentativo. Por último, destacamos o trabalho de Cortés Rodríguez (2015) ao qual dedicaremos um maior espaço por termos nele encontrado algumas contribuições para a presente pesquisa.

Cortés Rodríguez (2015) desenvolveu sua pesquisa a partir dos “debates em torno do estado da nação” (DEN20). De acordo com o autor, em 1983, originou-se na Espanha o então denominado “Debate sobre a comunicação do Governo”. Tratava-se de uma experiência nova com o fim de promover um debate sobre a situação geral do país. Nesse mesmo ano, Fraga Iribarne fez uma alusão ao referido debate, consagrando o termo que prevalece até os dias de hoje: “debate sobre o estado da Nação”. O corpus foi formado por discursos iniciais dos presidentes Aznar e Rodríguez Zapatero, em contrapartida aos dos líderes de oposição Rodríguez Zapatero e Rajoy nos “debates sobre o estado da nação” realizados entre 2001 e 2011.

Para a análise do corpus, o autor assumiu o posicionamento de que, em qualquer discurso, confluem dois tipos de peculiaridades, os condicionantes e as realizações. Assim, de um lado, ele utilizou os seguintes condicionantes (CORTÉS RODRÍGUEZ, 2012) associados à variação externa: condicionantes letais; condicionantes do meio ou de modalidade; condicionantes de grau de consciência linguística; condicionantes funcionais; condicionantes situacionais e ideológicos. De outro lado, analisou as realizações associadas à variação interna que são apresentadas através de formas (advérbios, marcadores de discurso, entonações, gestos etc.), mecanismos (ordem das palavras, repetições, ausência/ presença etc.) e unidades (unidades do plano sequencial e unidades do plano enunciativo e de processamento). De acordo com Cortés Rodríguez (2015), tais categorias de análise possibilitariam a descrição de uma série de efeitos: efeitos discursivo-interpretativos (humor,

ironia, cortesia, racismo, machismo etc.) e efeitos discursivo-resultantes (ordenação do discurso, correção, eficácia, disposição dos elementos etc.).

A partir desse trabalho, nos indagamos se haveria similaridades ou diferenças de determinados efeitos discursivos entre os “debates sobre o estado da nação” e as intervenções de representantes permanentes do Brasil, da Espanha e da França no CSNU. Nesse sentido, o estudo contribuiu para o foco que passamos a dar aos usos de advérbios, modalizadores e outros operadores argumentativos nos textos do corpus. Além disso, a noção de cortesia ganhou um lugar de destaque no desenvolvimento da nossa pesquisa bibliográfica, uma vez que começamos a trabalhar com a hipótese de que ela poderia auxiliar as análises dos textos do corpus (ver 4.7.5)