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CAPÍTULO 4 – ANÁLISE DAS INTERVENÇÕES

4.6 Posicionamento e tom discursivos na construção das identidades diplomáticas do Brasil, da

4.6.2 Identidades diplomáticas do Brasil e da França sobre a Síria em 2011

Em relação à Síria, o posicionamento da representante permanente do Brasil é marcado pela condenação do uso da força. Além disso, a referida representante pondera que a solução da crise deve vir pelo diálogo, destacando o papel da diplomacia multilateral regional. Nesse último caso, atribui relevância ao papel da Liga dos Estados Árabes, ao apontá-la como exemplo de organização que adotou medidas na direção correta. Assim, depreende-se dessa intervenção uma identidade diplomática do Brasil que mostra uma aproximação com esse órgão diplomático regional, evidenciando-se uma dupla ação diplomática em âmbito regional e multilateral.

Exemplo 40

Condenamos o uso da força contra manifestantes desarmados, onde quer que ocorra. Temos esperança de que a crise possa ser considerada através do diálogo.

As aspirações legítimas das populações do Mundo Árabe devem encontrar respostas mediante processos políticos inclusivos, e não pela força militar.

As organizações regionais têm uma contribuição crucial a oferecer para a construção de soluções políticas que tenham possibilidades verdadeiras de sucesso e que levem a transformações pacíficas. Neste sentido, gostaria de sublinhar o papel vital que a Liga dos Estados Árabes exerce ao adotar medidas encorajadoras na direção correta. Por sua centralidade para a estabilidade regional, torna-se ainda mais relevante que as reformas e o diálogo significativo sejam estimulados na Síria numa atmosfera pacífica e estável, tão livre de tensões e pressões externas quanto possível. ANEXO C

Mais uma vez, vemos que a questão da diplomacia regional é uma marca primordial na construção da identidade diplomática do Brasil, agora associada à condenação do uso da força, que, já mencionada na intervenção sobre o Haiti, é reiterada na questão da Síria. Nesse sentido, o Brasil não apenas evidencia a importância da diplomacia regional, mas, sobretudo, projeta uma imagem de colaborador eficiente dessa prática diplomática segundo as necessidades de cada tema (primeiramente, o Haiti, e, agora, a Síria) examinado pelo CSNU. Esse posicionamento, aliás, foi constatado na análise das Resoluções 1970 e 1973:

O respaldo à solução pacífica de controvérsias se observa de maneira emblemática ao longo de 2011, quando as problemáticas relacionadas à primavera árabe ganham espaço no Conselho. Dez resoluções foram aprovadas no CSNU, somente em 2011, tratando da questão da primavera árabe e da ameaça à paz e à segurança na região do Oriente Médio. O Brasil se posicionou de maneira condizente com o princípio da solução pacífica de controvérsias, ao defender que a via política deveria prevalecer sobre a utilização de meios coercitivos, dando espaço especial para os esforços de mediação de organismos regionais, nesse caso a União Africana e a Liga Árabe. (ZIEMATH, 2014, p. 123).

Ainda em relação ao exemplo 40, há também um posicionamento contrário a medidas que possam ser interpretadas como “pressões externas”. Por se tratar de um discurso diplomático, evidentemente esse aspecto não é explicitado. Não se diz quem seriam os atores que tomariam esse tipo de atitude. A ênfase recai, portanto, na reiteração de enunciados contrários ao uso da força, aqueles que evidenciam a necessidade de diálogo e, por fim, no desejo de se encontrar uma solução pacífica, livre de pressões externas.

No caso do representante permanente da França, não se indica uma possibilidade para a resolução dos problemas na Síria; impõe-se a reforma política como solução. Entretanto, por se tratar de um posicionamento diplomático, essa imposição é feita de forma indireta (pressuposta). Em outras palavras: ao afirmar que só as reformas atenderão às aspirações legítimas da população, o enunciador deixa transparecer, em sua argumentação, que há uma imposição, pois a medida não é apresentada como uma alternativa, mas sim como o único meio de solucionar o problema. Vejamos:

Exemplo 41

Seules des réformes répondant aux aspirations légitimes de la population permettront de préserver la stabilité du pays, ce qui est dans l’intérêt de tous. La Syrie joue un rôle déterminant dans la stabilité régionale. Or, à ce stade, nous ne pouvons que constater que la levée de l’état d’urgence et les autres réformes annoncées par le Président ont été suivies d’une recrudescence de la violence qui vient les contredire. L’appel du peuple syrien à la liberté, à la démocratie et au respect de ses droits universels doit être entendu par les autorités syriennes, et à défaut il doit être entendu par ce Conseil. ANEXO D

A esse posicionamento impositivo, agrega-se um tom de advertência com o qual o enunciador deixa emanar de seu discurso não apenas a posição do Estado que representa, mas a de um sujeito coletivo identificado com a comunidade internacional ou com o CSNU. Isso porque a reforma política é defendida como interesse de todos, isto é, de todos os membros do CSNU ou, em sentido mais genérico, de toda a comunidade internacional. Essas nuances demarcadas no discurso do representante permanente da França reforçam a identidade diplomática desse Estado como líder (ou um dos líderes) no/do Conselho.

Tanto no caso da imposição como no da advertência, fica subentendido, por exemplo, que a discordância em relação aos argumentos inscritos no discurso do enunciador poderia ser enquadrada no artigo 34 da Carta da ONU, o qual garante ao Conselho de Segurança o direito de investigar toda controvérsia para verificar se ela coloca em perigo a manutenção da paz e da segurança internacionais. Ora, se a reforma política foi colocada como interesse de todos e as aspirações legítimas da sociedade síria como devendo ser atendidas pelas autoridades desse país e compreendidas pelo Conselho, uma atitude diferente desta só poderia ser compreendida como controversa. Por isso, interpretamos tal posicionamento como impositivo.