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Algumas teorias sobre a arte e seu ensino, visualidades e visibilidades

Pesquisas em Ensino de Arte

Parte 1: Algumas teorias sobre a arte e seu ensino, visualidades e visibilidades

A pintura jamais celebrará outro enigma a não ser o da visibilidade.

Maurice Merleau-Ponty

A partir dos anos 1980, a arte e seu ensino vêm sendo estudados em pesquisas de mestrados e de doutorados relacionadas a várias áreas do conhecimento. Nesse sentido vão se construindo e consolidando abordagens metodológicas diversificadas. Estas pesquisas nos permitem considerar vários caminhos de professoralidades1 em artes

visuais, permitindo conviver e dialogar pensamentos convergentes e divergentes. São presenças constantes os termos: “educação artística”, “educação através da arte”, “arte- educação”, “arte e seu ensino”. O primeiro reporta-se às proposições da Lei 5.692/71 e os caminhos percorridos, anunciados e denunciados como “anti-caminhos” para o ensino da arte. “Educação através da arte” se refere a Herbert Read e, no Brasil, ao MEA (Movimento de Escolinhas de Arte do Brasil).2 “Arte-educação” e “Arte e ensino de

arte” estabelecem a contigüidade entre arte e educação nas escolas, nos espaços culturais, grupos e comunidades.3 Os PCN (Parâmetros Curriculares Nacionais) propõem

categorias: arte como expressão e comunicação; elementos básicos formais; produtores de arte; diversidade das formas de arte e concepções estéticas da cultura regional; arte na sociedade4. Propõe os temas transversais, sendo um deles, a pluralidade cultural

(visto como sinônimo de multiculturalidade). Os PCN, nos impulsionam a “outras” buscas.5 A Proposta Triangular propõe uma relação entre: ler obras de arte (crítica e

estética), contextualizar (relações entre arte e outras áreas do conhecimento) e fazer (a prática artística). Está fundamentada, por Ana Mãe Barbosa, em três abordagens epistemológicas: Escuelas ao Aire Libre, no México; Critical Studies, na Inglaterra (Rod

6 Ver: “Fundamentação do trabalho de arte-educadores realizado na Mostra”. In: RIZZI, M. C. de S.L. Olho Vivo. Arte-Educação na Exposição Labirinto da Moda: uma aventura infantil. São Paulo: ECA/ USP, 1999. (tese de doutoramento).

7 Sobre o olhar e leitura de imagens ver: BUORO, A.B. O olhar em construção, uma experiência de

ensino e aprendizagem da arte na escola. São Paulo: Cortez, 1996.

8 Sobre releituras ver: “Leitura e releitura”. In: PILLAR, A.D. (Org.). A educação do olhar. Porto Alegre: Mediação, 1999, p. 9-21. Ver ainda: “Outras maneiras de ver Mondrian e universos pessoais”. In: FRANGE, L.B.P. Por que se esconde a violeta? Isto não é uma concepção de desenho, nem pós- moderna, nem tautológica. São Paulo: AnnaBlume/Uberlândia: EDUFU, 1995, p. 148.

9 Ver: OLIVEIRA, A.C. de. “As semioses pictóricas”. Face: revista de semiótica e comunicação. São Paulo: PUC/COS, v. 4, n. 2, nov. 1985.

10 Ver: BUORO, A.B. Olhos que pintam: a leitura da imagem e o ensino da arte. São Paulo: EDUC, Fapesp, Cortez, 2002.

11 Mais de 160.000 pessoas visitaram a Exposição Os Guerreiros de X’i an e os Tesouros da Cidade Proibida (em São Paulo). Seriam pessoas seduzidas pela arte e o que ela nos mostra, diz, afirma ou provoca? 12 BARBOSA, A.M. “As mutações do conceito e da prática”. In: BARBOSA, A. M. (Org.). Id., p. 13-25.

Taylor) e DBAE (Discipline Based Art Education), nos Estados Unidos6 (Elliot Eisner,

Brent Wilson, Ralph Smith, Marjorie Wilson, entre outros). Um grande número de abordagens (com diferenças conceituais) enfoca o Olhar7 e a Leitura de imagens. Estudar

as leituras visuais é necessário após um excesso de “releituras” (termo vindo, entre muitos de nós, arte-educadores, de “des-leituras” rápidas e rasteiras).8

Leitura de imagens a partir da sociossemiótica propõe a construção de leitores de imagens num contrato-comunicativo. A arte é considerada como linguagem em seus percursos sintáticos e semânticos, que geram sentidos nas relações concomitantes entre plano de expressão e plano do conteúdo, imbricadas nas dimensões culturais e sociais9.

O olhar seleciona, organiza, discrimina, associa, classifica, analisa, constrói sentidos. A formação de um primeiro olhar, seguido de muitos outros olhares é caminho para promover a cidadania cultural e o direito de acesso aos bens culturais. É o primeiro passo para um olhar expandido para todos os sentidos, como diz Merleau-Ponty, há um olhar-corpóreo. A leitura de imagens, enriquecida pela análise, estimula a criação. Olhar é tornar-se imagem10.

Algumas variáveis acabam impulsionando, ainda mais, a necessidade de aprofundamento, como o “boom de arte-shows” e a mídia convocando cada vez mais um grande número de pessoas11 para as “visitações” às exposições. A Alfabetização

Visual é uma proposta de conhecimento visual, inter-relacionando análises formais, diferentes contextos e a recepção da obra de arte. Trabalha com códigos e decodificação buscando o significado da obra.12 No entanto, muitos educadores

trabalham a alfabetização visual apenas como “codificação e decodificação”, e ainda, como “recepção”, ficando trabalhada apenas a expressão, sem chegar ao conteúdo,

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13 PIMENTEL, L.G. “Tecnologias contemporâneas e o ensino de arte”. In: BARBOSA, A.M. (Org.). Id., ibid., p. 113-121.

14 MARTINS, M.C. et al. Didática do ensino de arte: a língua do mundo, poetizar, fruir e compreender arte. São Paulo: FTD, 1998.

15 DOMINGUES, D. (Org.). A arte no século XXI, a humanização das tecnologias. São Paulo: Unesp, 1997. 16 Ver: FAZENDA, I. Integração e interdisciplinaridade no ensino brasileiro: efetividade ou ideologia.

São Paulo: Loyola, 1992.

priorizando os aspectos formais e estruturais, sem ver a obra em sua inteireza relacionada a percursos, pessoas e grupos culturais e sociais.

Ser alfabetizado é entender o significado e senti-lo dentro do contexto. É ser atravessado por esse significado, ser perpassado pela experiência pessoal e pelas experiências coletivas. A manipulação de imagens e o diálogo entre os meios “tradicionais” e os eletrônicos permitem o acesso à desconstrução para uma construção outra e, portanto, à criação.13

Alguns educadores priorizam o que denominam como Percursos Educativos com obras de arte abrangendo sentidos variados: plásticos, poéticos, críticos, culturais, temporais, locais, universais. As experiências com a arte postulam: parar, olhar, sentir, questionar, investir em atitudes investigativas. Formar pela arte é uma experiência transcultural, crítica e poética.

A Mediação envolve dois pólos que dialogam com um terceiro, o mediador. São projetos para interlocuções entre objeto de conhecimento, professor, aprendiz, arte, culturas. O projeto em ação do professor se configura como uma prática investigativa e mediadora que incorpora a qualidade estética e se traduz na experiência visível e refletida, avaliada e replanejada.14

A mediação é comunicação, interatividade, incluindo a mediação tecnológica – rede de relações e pensamento contextual em constante transformação. A internet permite diálogos coletivos numa importância de atitudes criativas, culturais, políticas e críticas. As criações computacionais e multimidiáticas são artes de interações, do

vir-a-ser. As autorias são co-partilhadas com engenheiros, físicos, matemáticos,

técnicos. As tecnologias digitais propiciam a participação, a comunicação, a interatividade.15

A interdisciplinaridade é uma questão de mudança de atitude frente ao conhecimento, é uma concepção unitária e integral do ser humano.16 A

17 RICHTER, I. Interculturalidade e estética do cotidiano no ensino de artes visuais. Campinas: Mercado Aberto, 2003.

18 AZEVEDO, F.A.G. “Multiculturalidade e um fragmento da história da Arte/Educação Especial”. In: BARBOSA, A.M. (Org.). Op. cit., p. 95-104.

19 Centros de Cultura são espaços de encontros com obras, trajetórias de artistas e de pessoas, cotidianos, comunidades e mundos vividos, imaginados e em-vivência.

interculturalidade implica uma inter-relação e reciprocidade entre culturas, enfatizando a estética do cotidiano, reforçando a idéia de diversidade, da multiplicidade e da heterogeneidade de perspectivas.17

Olhar para as pessoas especiais/diferentes pelo ângulo das potencialidades e não pelo ângulo das deficiências é investir nas inclusões culturais, é ir além das inclusões sociais. A Educação Especial, dentre outras abordagens, vem propondo um olhar antropológico da cultura; a valorização nas singularidades; uma mudança das atitudes de estranhamento diante das desigualdades gritantes em nossa sociedade; o reconhecimento da heterogeneidade de qualquer grupo humano.18

Ao lado dessas atitudes investigativas há uma experiência que vai se sedimentando e nos “obrigando” a maiores aprofundamentos entre arte e ensino & arte em nossas vidas. A ação educativa em arte é território de interações e diálogos que permitem revelar a arte como sistema de relações estéticas e estésicas (sentidos- sentidos), na escola e nos centros de cultura.19 A arte-educação é epistemologia da

arte, são interlocuções entre as teorias da arte e as teorias do ensino-aprendizagem no intuito de compreender a arte e suas afirmações/provocações.

Arte é cognição, interalteridades e interculturalidades. As idéias só têm valor e sentido para o ser humano quando podem ser compreensíveis e possibilitam uma interatividade com o mundo da natureza e o mundo das culturas. O conhecimento em arte é, para mim, fundamentalmente uma questão de visibilidades, além das visualidades. A arte não representa o visível, a arte torna visível, conforme afirma Paul Klee.

E, também, como diz Merleau-Ponty, a pintura jamais celebrará outro

enigma a não ser o da visibilidade. A partir dessas rápidas considerações, nós,

professores de arte, podemos construir espaços e tempos para uma ética da arte na escola junto a uma ética, estética e estesia de presença no mundo – olhares-corpóreos para a arte e com a arte na vida-em-vivência.

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Parte 2: Reflexão sobre a formação de professores,