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Os tempos mais recentes

4. Políticas Públicas e o Ensino da Arte

Francisco Potiguara Cavalcante Junior*

Inicialmente, gostaria de agradecer o convite para participar do XV Confaeb – Trajetória Políticas de Ensino da Arte no Brasil – com a responsabilidade de refletir com os arte-educadores sobre algumas questões relacionadas a Políticas Públicas e o Ensino da Arte. Falando do lugar de quem, pela condição imposta pelo exercício da função de dirigente público, procura, democraticamente, desenvolver políticas e ações para a consolidação da Escola Pública Republicana capaz de produzir corações e mentes repletos de alegria, paixão e espírito crítico em milhões de meninos e meninas – alunos das Escolas Públicas de Educação Básica espalhadas por todos os cantos do Brasil: “... Um céu de estrelas escrito com caneta Bic num papel de pão...” (Zeca Baleiro, em Boi de Haxixe, CD “Vô Imbolá”).

Sempre que ouço esta música do Zeca e, em particular, os versos aqui citados, penso na escola brasileira, nos nossos padrões de qualidade, no que se ensina, nas condições materiais de trabalho, pois não tenho dúvida: muitos alunos das escolas de Educação Básica ainda usam o papel de pão e outros recursos que a criatividade lhes permite como insumo pedagógico.

Triste realidade de um país com um dos maiores índices de desigualdade social do planeta, que se reflete de maneira contundente nas instituições sociais, em especial na escola pública brasileira.

Os versos, graças à sensibilidade do artista, tocam o céu de estrelas, desenhados no papel de pão com toda a simbologia e significado. Penso na escola que possa desenvolver a capacidade de sonhar, que leve nossos alunos a observar o céu, o futuro. A escola em que os alunos risquem e rabisquem o céu. Com certeza, uma boa escola. No caminho de ser um espaço de constituição de valores universais como a liberdade, o direito à participação, o direito de ser gente, de desenvolver todas as potencialidades do ser humano. Uma escola que ensine para a vida plena e consciente, competente na transposição do conhecimento e na preparação básica para o trabalho. Mas, acima de tudo, uma Escola do Prazer de Aprender, da esperança; uma escola para se viver e conviver em sociedade. A escola dos homens e mulheres do amanhã.

* Coordenador-Geral de Política do Ensino Médio – Ministério da Educação / Secretaria de Educação Básica/Departamento de Política do Ensino Médio.

A constituição da escola republicana passa, necessariamente, por um processo histórico de afirmação de modelos gerenciais, de financiamento e de currículo. Desde há muito, educadores e governantes de muitos matizes políticos e ideológicos vêm contribuindo no desenvolvimento de concepção (ou concepções) de organização política e pedagógica da escola brasileira. Alguns consensos possíveis já existem e estão explicitados nas leis que regem a Educação Nacional e em publicações que, oficiais ou não, definem os eixos norteadores de uma prática docente competente e emancipadora, como bem demonstram os princípios norteadores da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional: I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber; III – pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas; IV – respeito à liberdade e apreço à tolerância; V – coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; VI – gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; VII – valorização do profissional da educação escolar; VIII – gestão democrática do ensino público, na forma desta Lei e da legislação dos sistemas de ensino; IX – garantia de padrão de qualidade; X – valorização da experiência extra-escolar; XI – vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais.

A normatização desses princípios tem concretizado avanços na oferta e implementação da Educação Básica que expressam o resultado das lutas históricas pela democratização do ensino.

E o ensino da arte? De que forma a dimensão da cultura incorporada ao currículo escolar pode gerar movimentos capazes de induzir mudanças significativas na formação de professores e alunos? Faz sentido ensinar arte? Como e em que condições devemos trabalhar o ensino da arte nas escolas?

Quando comecei a refletir sobre o tema Políticas Públicas e o Ensino da Arte, logo vieram do passado sons, imagens e conteúdos do tempo em que lecionei História da Arte para alunos do, então, 2o grau, que buscavam habilitação pela formação do

Curso Técnico de Turismo.

Na ausência de professor de artes, entra o professor de História, com o desafio de desenvolver competências e habilidades numa área, a princípio, distante da sua formação inicial.

Por intuição, comprei um livro e, assim como tantos outros professores, a partir dele fiz o planejamento do ano letivo. O livro História da Arte, de Gombrich.

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Muitas janelas se abriram: conhecer a história das artes plásticas no ocidente e dividir este novo conhecimento com os meus alunos foi uma experiência enriquecedora. Era o que minha história de vida permitia fazer em uma organização escolar sem coordenação, sem planejamento e satisfeita pelo fato de, naquele momento, preencher a grade curricular. No papel, todas as disciplinas tinham professores.

Dessa experiência, retomo um conceito de arte de Gombrich:

Nada existe realmente a que se possa dar o nome de arte. Existem somente artistas. Outrora, eram homens que apanhavam um punhado de terra colorida e com ela modelavam toscamente as formas de um bisão na parede de uma caverna; hoje, alguns compram suas tintas e desenham cartazes para os tapumes; eles faziam e fazem muitas outras coisas. Não prejudica ninguém dar o nome de arte a todas essas atividades, desde que se conserve em mente que tal palavra pode significar coisas muito diversas, em tempos e lugares diferentes, e que arte com A maiúscuo não existe.

A esse conceito, acrescento outros dois. O primeiro, da professora doutora Graziela Feldmann:

Uma das formas de percebermos a existência do homem no mundo é por meio da arte. A arte está presente no mundo desde que o homem se fez homem. (...) A arte como parte essencial da experiência humana nos mostra como o ser humano, mediante a imaginação, visão de homem, de mundo, de experiências, sentimentos, conhecimento, dá forma às suas idéias e produz, cria cultura, cria arte.

Em seguida, uma reflexão de Hegel:

Arte é o meio entre a insuficiente existência objetiva e a representação puramente interior: ela nos fornece os objetos mesmos, mas tirados do interior... Limita nosso interesse à abstrata aparência que apresenta a um olhar puramente contemplativo.

E é com a percepção desses três autores que ouso refletir com vocês sobre o ensino de artes nas escolas brasileiras. Os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio estabelecem como objetivo do ensino da arte o seguinte:

Capacitar os estudantes a humanizarem-se melhor como cidadãos inteligentes, sensíveis, estéticos, reflexivos, criativos e responsáveis, no coletivo, por melhores qualidades culturais na vida dos grupos e das cidades, com ética e respeito pela diversidade.

O Relatório Jacques Delors – Relatório para a Unesco da Comissão Internacional

sobre Educação para o Século XXI – propõe que o processo de escolarização seja

desenvolvido a partir de quatro pilares básicos: aprender a apreender, aprender a fazer, aprender a conviver e aprender a ser. Pilares a partir dos quais educadores de todo o mundo civilizado defendem a reestruturação da Educação Pública, fazendo com que o conhecimento, neste século, transforme-se no instrumento fundamental, a base sobre a qual as nações se inserem ou não no conjunto das relações internacionais. O principal capital – o bem mais precioso.

Essa percepção inclina as forças políticas a investir como nunca na formação das pessoas. Há uma preocupação global com o desenvolvimento de políticas/ações que elevem os níveis de formação em todos os países do planeta.

Uma onda positiva que deve ser surfada tendo como objetivo a consolidação da Educação Básica, garantindo as possibilidades de que todos os nossos jovens desenvolvam seus estudos e avancem na direção da universidade ou do mundo profissional. Educação Básica capaz de viabilizar conhecimentos que permitam ao jovem desenvolver as competências e habilidades necessárias para uma inserção qualificada no mercado de trabalho e, acima de tudo, uma educação básica que prepare para a vida em sociedade, formando cidadãos.

Para Delors, “à educação cabe fornecer, de algum modo, os meios de um mundo complexo e constantemente agitado e, ao mesmo tempo, a bússola que permita navegar através dele.”

É desta Educação Básica que estamos falando. De processos formativos que dêem significado ao conhecimento acumulado pela humanidade, que permitam aos jovens aprender e enriquecer os primeiros conhecimentos e se adaptar a um mundo em mudança. Os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio estabelecem, como competências a serem desenvolvidas pelo ensino de arte:

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• realizar e compreender produções artísticas; • apreciar e compreender produtos de arte;

• analisar, conhecer e compreender manifestações artísticas em sua diversidade histórico-cultural.

Em trecho das Orientações Curriculares do Ensino Médio, produzido pelo Ministério da Educação, os autores do artigo sobre a componente arte destacam que:

Além do objetivo mais imediato de fazer com que os alunos consigam criar, expressar e comunicar idéias artísticas e estéticas pelo estudo, investigação e prática, é fundamental conferir ao ensino da arte a possibilidade de propiciar ao educando um nível de qualificação que o habilite a entender os sistemas sígnicos que constituem a produção, a apreciação e a contextualização dos conceitos da área.

Percebe-se claramente o que se espera do ensino da arte na formação básica de adolescentes e adultos que estão nas escolas de Ensino Médio: educar os estudantes para a cidadania impregnada de sensibilidade. A arte como expressão de humanidade ideal que consolide valores éticos, o respeito à diversidade, ao trabalho coletivo, à criação e ao espírito crítico.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em seu art. 36, destaca a importância da compreensão do sentido da arte pelos alunos.

Sem dúvida alguma precisamos investir na consolidação dos espaços necessários para o bom desenvolvimento das práticas que permitam o acesso a todas as dimensões da cultura pelos estudantes do Ensino Médio.

Uma excelente formação geral é precondição para que homens e mulheres possam ocupar plenamente seus espaços na sociedade. Digo: trabalhar, exercer o papel político com autonomia, desenvolver projeto de vida que inclua as dimensões pessoal e social. Na escola, o ensino da arte, entre outras áreas do conhecimento, tem esse potencial que é vital para uma Educação Emancipadora – desenvolver em todos nós o(s) sentido(s) da vida. Manter acesa a capacidade de sonhar e projetar o futuro.

Como? Que passos podemos dar na direção da Escola Republicana que ainda não temos? Que ações os gestores devem promover para o pleno desenvolvimento das artes nas Escolas de Ensino Médio.

O Relatório da Unesco sobre a educação para o século XXI – o Relatório Jacques Delors – indica três áreas de intervenção prioritárias para as políticas públicas comprometidas com a superação do atual quadro da educação em todo o mundo:

• gestão das escolas;

• concepção e elaboração de programas e seus aspectos conexos (currículo); • melhoria das competências dos professores.

Tarefa difícil, mas não impossível, é desenvolver estratégias capazes de garantir, no dia-a-dia dos sistemas e das escolas, ações que possibilitem a expansão do sentido de arte nos processos de gerenciamento e de ensino-aprendizagem.

Precisamos, com a máxima urgência, estruturar alguns cenários nos quais a direção da escola, por meio de processos de gestão participativa, promova a abertura de espaços alternativos que viabilizem as condições físicas para o trabalho artístico: uma escola com sala de teatro, de música, de artes plásticas – um espaço de múltiplos usos para o desenvolvimento de todo o potencial de habilidades artísticas. Finalmente, uma formação inicial e continuada que permita a todos os educadores o acesso ao patrimônio cultural e artístico produzido pela humanidade.

Vamos à luta!

Referências

ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2000. BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Orientações

Curriculares do Ensino Médio. Brasília: MEC, 2004

DELORS, J. Educação: um tesouro a descobrir – relatório para a Unesco da Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI. 6. ed. São Paulo/ Brasília: Cortez/Unesco/MEC, 2001.

FELDMANN, M.G. “Formação de Professores e o Ensino de Arte na Escola Brasileira”. Palestra proferida no 2º Fórum de Educadores, São Paulo, 06 de outubro de 2004. Disponível em: < http://www.mackenzie.com.br/pos-graduação/cont- stricto/educahc/forumeducadores.htm>. Acesso em: 08/10/2004.

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* Professora de Educação Artística e História da Arte na Universidade do Norte do Texas. chanda@unt.edu

Ensino