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Educação Musical, Educação Artística, Arte-Educação: pedaços da história de uma prática curricular

Parto da rememoração de pedaços da história da prática curricular que temos chamado de Educação Musical, Educação Artística ou Arte-Educação. São fragmentos que existem em nós, teorizações que, em parte, incorporamos. Constituem

3 SANTOS, R.M.S. Música, a Realidade nas Escolas e Políticas de Formação. Revista da ABEM, n. 12, 2005 (no prelo).

______. “Melhoria de vida ou fazendo a vida vibrar”: o projeto social para dentro e fora da escola e o lugar da educação musical. Revista da ABEM, v. 10, p. 59-64. ABEM, abr. 2004.

______. Labirinto, caleidoscópio, rede e espiral aberta: o currículo a partir de um paradigma estético. CONGRESSO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS CURRICULARES. Tema: Currículo e

Contemporaneidade: questões emergentes. UFPB/CE. João Pessoa, Paraíba, 2003 (Poster).

______. A Universidade Brasileira e o Projeto Curricular dos Cursos de Música frente ao Panorama Pós- Moderno. Revista da ABEM, n. 8, p. 63-68, março 2003.

______. Um Paradigma Estético para o Currículo: considerações a partir de Gilles Deleuze e Jorge Larrosa. Anais. XIV CONGRESSO DA ANPPOM, Porto Alegre, ago. 2003. CD-ROM.

______. A produção de conhecimento em Educação Musical no Brasil: balanço e perspectivas. OPUS. Ano 9, n. 9. Campinas: Anppom, p. 45-65, 2003.

______. A Formação Profissional para os Múltiplos Espaços de Atuação em Educação Musical. Anais. X ENCONTRO ANUAL DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO MUSICAL, Uberlândia, p. 41- 66, 2001

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um conjunto de heranças que pode ser atravessado por outros fluxos, ser rasgado, remontado, atualizado. São partes dessa trama:

• Villa-Lobos, instituindo o Canto Orfeônico por Decreto em 1931, no governo de Getúlio Vargas, com um tríplice objetivo: estético, de disciplina e civismo; • Bloom, tratando das taxionomias dos domínios afetivo, psicomotor e cognitivo,

controlando e definindo objetivos em níveis e complexidade crescentes; • Herbert Read, criando o termo “arte-educação” e falando do professor-artista

(no que o aproximo de Paulo Freire, Perrenoud, Schon, Nóvoa e Corazza); • Piaget, antogonizando-se com Robert Witkin, que desenvolveu uma teoria com base na sensibilidade estética, ao invés de baseada no conhecimento através dos objetos (da ação sobre eles)4;

• George Kellner, frisando que em todo item de um programa é possível desenvolver processos de criação; Fayga Ostrower, fundamentando o debate sobre criatividade e processos de criação;

• Jerome Bruner, criando a noção de currículo em espiral (espiral de conceitos) e rompendo com currículos lineares. Do apogeu dos discursos sobre a estrutura da matéria (currículos centrados na estrutura da matéria, segundo os grupos de especialistas) chegamos a experimentar duas posições distintas: a ênfase essencialista e naturalizante desses discursos e a suspeita de que tais estruturas são uma construção do homem, existindo múltiplas lógicas possíveis na organização do conhecimento;

______. Jaques-Dalcroze, avaliador da instituição escolar: em que se pode reconhecer Dalcroze um século depois? Debates n. 4. Revista do Programa de Pós-Graduação em Música da UniRio, 2001, p. 07-48.

______. Cartografias na Educação Infantil: quem joga?, IX ANAIS ABEM 2000, p. 111-132. ______. et al. Contribuições Para Discussão Sobre as Novas Diretrizes Curriculares dos Cursos Superiores. Comunicação de Trabalho em GT. Anais XI ENCONTRO DA ANPPOM. Campinas, 1999, p. 123-127. ______. “Cultura e Globalização: desafios ao ensino de música na cidade contemporânea”. In: Interfaces. Revista da Pós-Graduação das Unidades do Centro de Letras e Artes da UFRJ, ano IV, n. 5 temático Globalização e Cultura. Ano IV, n. 5. out. 1998, p. 21-32.

______. Uma Educação Musical em face da sensibilidade urbana da presente modernidade. In: ANAIS VI ENCONTRO DA ANPPOM, p. 120-127, 1993.

SANTOS, R.M.S. e ALFONZO, N.R. No compasso de um paradigma estético: entre o liso e o estriado, falando de práticas curriculares em Música e Educação. II COLÓQUIO FRANCO-BRASILEIRO DE FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO O DEVIR-MESTRE – ENTRE DELEUZE E A EDUCAÇÃO. UERJ, Rio de Janeiro, 2004 Sessão Especial. CD-ROM.

______. Música e Educação: práticas cotidianas como composições estéticas. Anais VI COLÓQUIO SOBRE QUESTÕES CURRICULARES/II COLÓQUIO LUSO-BRASILEIRO SOBRE QUESTÕES CURRICULARES. Rio de Janeiro. UERJ, 2004.

4 Como as crianças organizam uma coleção de pedras (em círculo, triângulo, linha) como resultado de uma qualidade estética, e não com base na consciência de uma invariância quantitativa? Esta é uma das questões que destaco do seu livro de 1974, intitulado The Intelligence of Feeling.

• Elliot Eisner, indagando mais recentemente em torno da “estrutura e mágica” no ensino de arte (EISNER, 1999) e reiterando que sempre há uma estrutura, sempre a aprendizagem diz de algum relacionamento, alguma seqüência, conexão, não necessariamente única, verdadeira, linear. Seria, hoje, mais próprio falar de estruturas acentradas, com centros moventes, estruturas rizomáticas, espirais com anéis abertos, caleidoscópios, labirintos? Esta seria outra forma de pensar o funcionamento da arte, do conhecimento, da vida?

Em todo esse percurso, fomos abandonando o paradigma do racionalismo acadêmico (enciclopedismo), sendo atravessados pelo paradigma tecnicista (ênfases aplicacionistas em torno de técnicas e métodos) e experimentando a ênfase nos processos cognitivos.

Em Educação Musical, usamos as músicas para disciplinar os corpos, ensinar

cantando o que se pode ensinar falando, dar ordens de modo mais agradável e

cantando todos juntos. São “musiquinhas de comando” (FUKS, 1991) que muitos manuais pedagógicos e cancioneiros para a escola nos ensinaram a usar. E selecionamos músicas folclóricas e canções pedagógicas para as festas e comemorações do calendário escolar. Chegamos a incluir as músicas de diversas culturas, amenizando o peso no repertório eurocêntrico (“música séria”, “cultura musical erudita européia”, “música clássica”, música escrita – cultivated music, notated

music). Fomos afetados pelo paradigma da cultura e passamos a considerar a

possibilidade de trabalhar sobre as culturas: “Da camiseta ao museu” (título de um livro) – que bem poderíamos, num paralelo, chamar de “Do jingle à música de concerto”; ou inverter, indo “do museu à camiseta”, sem o pretexto de partir da cultura do aluno para chegar à mais nobre, numa operação de diferenciação, hierarquização e exercício de poder. Falamos de multiculturalismo, de diferença e identidade, e hoje entendemos que não basta defender a “tolerância” e o “respeito” à alteridade, sendo necessário considerar como se constituem, histórico-socialmente, tais diferenças e identidades.

Em música, vimos se alargarem os horizontes do trabalho com o material e as mediações pedagógicas: os brasileiros Gazzi de Sá, Liddy Mignone e Sá Pereira investiram na mediação pedagógica através de sistema de sílabas e de números; a mediação corporal e a qualidade cinestésica formaram a base do discurso dalcroziano sobre a memória corporal do ritmo e o som apreendido pelo corpo inteiro, numa sensação tátil-motora. Para Dalcroze (1967), interessava que o aluno pudesse dizer,

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ao final de uma experiência de ensino, “eu sinto”, ao invés de dizer “eu sei” (p. 63). As idéias de Orff chegaram ao Brasil pondo em destaque o potencial expressivo das palavras (a qualidade musical, rítmico-sonora das rimas e lenga-lengas) e defendendo uma prática musical de conjunto, intuitiva e imediata, com ênfase nas atividades de criação.

Os vários representantes do movimento de Oficina de Música exploraram o som, produziram o som, propuseram o desenvolvimento de processos de composição empírica: os músicos-educadores europeus e norte-americanos Briam Dennis, John Paynter, Murray Schafer, o alemão naturalizado brasileiro Hans J. Koellreutter, a argentina Violeta Gainza, os brasileiros Luiz Carlos Cseko e Jorge Antunes, o uruguaio Conrado Silva (atuante na vida acadêmica e cultural no Brasil por várias décadas) são alguns de quem nos lembramos. Fala-se de método

pré-figurativo (KOELLREUTTER, 1997, p. 41) e de “ensinar no limite do

risco” (SCHAFER, 1991, p. 277).

Defendeu-se um currículo menos fragmentado e por processo de composição empírica, indo direto aos materiais, visto que “há pouco valor em se saber sobre ritmo, pulso e duração, a não ser que a visão derivada da experiência nos capacite a lidar com outros usos de ritmo, pulso e duração, onde e quando os encontrarmos” (PAYNTER, 1983, p. 34)5. Desafiou-se o professor de música a uma ação

pedagógica norteada pelo princípio do prazer em lidar com sons, ao invés de orientada por uma seqüência de informações e habilidades técnicas; lidar com direções que possam vir dos alunos, sem critério aparente. Para Paynter (1983), um “bom planejamento” deveria “possibilitar mudanças na direção ou caminhos alternativos para lidar com linhas inesperadas da exploração que possam vir dos alunos” (p. 43). Isso, tomando-se um “princípio unificador que liberte o potencial musical em várias direções e ainda assegure a abordagem de conceitos musicais, sem nenhuma fragmentação” (p. 66).

Mais recentemente temos discutido as possibilidades de diálogo com a cultura midiática, as culturas do cotidiano na sala de aula, considerando, na segunda metade do século XX, o impacto da tecnologia, o acesso às músicas através da audição, a prática intensa dos adolescentes ouvindo música no seu ambiente familiar e no cotidiano da vida urbana (shoppings, academias, lugares públicos os mais diversos), com funções e identidades variadas. Temos buscado compreender os diversos contextos onde se dá o aprendizado musical na vida cotidiana.

Por uma política de formação de professores especialistas nas