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Reflexões sobre o Ensino da Arte no Âmbito das ONGs 1 Lívia Marques Carvalho*

Características da ação comunitária

3. Reflexões sobre o Ensino da Arte no Âmbito das ONGs 1 Lívia Marques Carvalho*

Resumo

Em decorrência de uma combinação de problemas sociais que se acentuaram no início da década de 1980, verificou-se no Brasil o aumento do número de crianças e

1 Mesa-Redonda Tema: Ensino de Arte em Contextos de Comunidade.

* Doutoranda em Artes pela Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo – USP. Mestre em Ciência da Informação pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Graduada em Educa- ção Artística pela UFPB. Professora do Departamento de Artes Visuais da UFPB. Coordenadora da Oficina ’de Artes da Casa Pequeno Davi, atividade de extensão universitária (1989-2004). Autora de diversos artigos na área de arte e educação no Terceiro Setor, em coletâneas e revistas especializadas.

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adolescentes fora das escolas, vagueando pelas ruas. A inconformidade com essa situação tem levado a sociedade civil organizada, principalmente as ONGs (organizações não-governamentais), a se estruturarem criando mediações de caráter educacional e político visando a promover a inclusão social. Em tais organizações, a arte é quase sempre tomada como uma diretriz pedagógica fundamental. Com base em uma pesquisa realizada em três ONGs brasileiras situadas na Região Nordeste, voltadas para a promoção e a defesa de crianças e jovens em situação de risco social, analisa- se o papel da arte, o perfil dos(as) educadores(as) e as atividades artísticas empregadas nesses espaços educativos. Palavras-chave: Ensino de Arte; Educação Não-Formal; Inclusão Social; Organizações Não-Governamentais.

O panorama da sociedade brasileira tem sido marcado por desigualdades econômicas profundas. Ao mesmo tempo em que alcança uma das mais elevadas taxas de crescimento do Produto Interno Bruto, entre os países capitalistas, os indicares sociais para medir a qualidade de vida de sua população atingem níveis lastimáveis. No que pese algumas conquistas sociais recentes, como o aumento da expectativa de vida, a diminuição do número de analfabetos e de evasão escolar, o Brasil continua como um dos países que apresentam um dos piores índices de desenvolvimento humano do mundo.

Os governos vêm se empenhando em expandir o sistema educacional, partindo do pressuposto de que a escolarização melhora a qualificação e conseqüentemente possibilita a inserção de indivíduos no mercado. Esse discurso sempre presente nos planejamentos do Estado é baseado em teorias educacionais, que consideram a educação um instrumento capaz de produzir a igualdade social, bem como garantir a integração de todos os indivíduos no corpo social. De acordo com esse entendimento, a educação, seria, por si só, um fator de superação da marginalidade.

No entanto, diversos estudos têm revelado que, no que tange à sociedade brasileira, a realidade tem mostrado que apesar dos esforços governamentais para expandir o sistema educacional, a sociedade brasileira continua polarizada por carências profundas e privilégios cristalizados. As conquistas obtidas na área da educação não conseguiram reduzir, de maneira significativa, os níveis de pobreza.

O sistema educacional oficial do Estado toma como base sociedades homogêneas, exclui, por conseguinte, aqueles que se encontram fora da forma prescrita por critérios, sejam estes de idade, herança cultural, padrão econômico, local de nascimento ou de residência. Desconhece os efeitos das condições socioeconômicas e culturais do aluno sobre a sua capacidade e seu estado de espírito, ou até de saúde para aprender. O sistema educacional oficial não abarca, portanto, todos os seus usuários.

Os problemas sociais provenientes das desigualdades que se acentuaram no início da década de 1980, e os motivados pelas mudanças econômicas decorrentes dos tempos de globalização tornaram a exclusão social ainda mais intensa e revigorada. Diante desse quadro, os intelectuais são desfiados, por um lado a entender os mecanismos que tornam possível a manutenção de tais fenômenos, por outro lado a investigar ações inovadoras que possibilitem as mudanças sociais.

A inconformidade com essa situação tem levado os indivíduos e a sociedade civil a se articularem criando um ambiente propício às ações participativas. É nesse contexto que se percebe a acelerada expansão das atividades do chamado Terceiro Setor no Brasil, principalmente das organizações não-governamentais (ONGs).

Essas instituições têm se destacado, principalmente, pelo desenvolvimento de metodologias e estratégias eficazes para intervir junto a grupos com demandas específicas. Em geral, as ONGs atuam junto àqueles grupos nos quais as ações do Estado não têm conseguido atingir, nem são do interesse dos setores privados, como por exemplo, populações da zona rural, minorias raciais, crianças e jovens em situação de riscos pessoal e social.

Nos últimos anos, a mídia, principalmente a televisiva, tem apresentado com muita freqüência matérias sobre ONGs ressaltando, principalmente, o trabalho daquelas que são voltadas para promoção dos direitos das crianças e dos(as) adolescentes. O trabalho dessas instituições adquiriu, nos últimos anos no Brasil, uma visibilidade nunca dantes recebida. Em grande parte das reportagens o que sobressai são as cenas focalizando meninos(as) sorridentes, desenvoltos(as), realizando alguma atividade artística.

A repetição amiúde dessas cenas não apenas propicia à sociedade reconhecer que o número dessas instituições vem se ampliando e ocupando um espaço significativo no cenário nacional, quanto põe em evidência que o ensino artístico é um componente fundamental em seus programas educativos.

A partir de uma pesquisa que venho desenvolvendo, sob a orientação da professora Ana Mae Barbosa, para a realização de doutorado, examinei alguns aspectos relativos ao ensino de arte em três ONGs da Região Nordeste que têm como público- alvo crianças e adolescentes em situação de risco social. São elas: a Casa Pequeno

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Davi na cidade de João Pessoa; a Casa Renascer, em Natal; e a Daruê Malungo, em Recife. Neste trabalho discuto três questões: a) Como a arte contribui para a reconstrução pessoal e inclusão social?; b) Quem ensina arte nas ONGs?; c) Quais as atividades artísticas ensinadas?

A pesquisa de campo foi realizada no segundo semestre do ano de 2003, por meio de exames em documentos oficiais, registros administrativos, publicações, questionários, entrevistas individuais com dirigentes e educadores e com grupos focais de educandos.