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Questão I – Como a arte contribui para a reconstrução pessoal e inclusão social?

A arte foi considerada, por todos os participantes da pesquisa, como um elemento de absoluta importância. Foram apontados diversos propósitos tais como: fortalecer a auto-estima; desenvolver a capacidade cognitiva; socializar o acesso aos bens culturais produzidos universalmente; desenvolver habilidades e competências em determinadas modalidades artísticas; favorecer a obtenção de atitudes positivas; possibilitar a inserção no mercado de trabalho, para fazer valer os direitos de todas as crianças e adolescentes. As atividades artísticas são organizadas em forma de oficinas. Essas oficinas têm carga horária média de cinco a seis horas semanais. Há, por parte de todas as ONGs estudadas, uma preocupação em prover tanto os conteúdos teóricos específicos das linguagens artísticas quanto em aperfeiçoar as habilidades técnicas. Conhecer e ter domínio de técnicas e materiais permite aos educandos criar articulando percepção, imaginação e conhecimento. Isso é um fator essencial para que os(as) educandos(as) produzam com mais confiança, competência e qualidade estética.

Realizar bem os exercícios pode contribuir para erguer a auto-estima. Pois, ao se perceberem realizando algo bem feito, recebendo aprovação, sendo aplaudidos e valorizados, os educandos descobrem-se com competências em áreas que até então lhes eram desconhecidas. A repetição sistemática de situações, nas quais os educandos sejam bem sucedidos, termina por lhes elevar a auto-estima. A gratificação pelo reconhecimento social modifica a maneira como esses meninos(as) se auto-percebem. A crença em si e o se querer bem, estão relacionados à visão de futuro, à esperança, ao desejo de vir a ser.

Dada a situação de vulnerabilidade do público-alvo quanto à primeira inserção no mercado, a qualidade do ensino necessita ser muito sólida com vistas a possibilitar

uma possível profissionalização. Embora a inserção no mercado não seja o objetivo principal dessas instituições, esse aspecto está, quase sempre, presente na mente dos(as) dirigentes, educadores(as), quanto na dos(as) educandos(as) e seus familiares.

A participação em trabalhos realizados em grupos contribui para o “protagonismo” dos(as) educandos(as). Os(as) meninos(as) são incentivados(as) a discutir os exercícios, e a compartilhar de todas as etapas do trabalho, isso incentiva o diálogo, estabelece relação de cooperação entre os participantes, melhora a capacidade de comunicação, concorre para formar consciências mais críticas, fatores necessários para o desabrochar de personalidades mais seguras. Os trabalhos realizados coletivamente podem possibilitar, ainda, a consideração e o respeito pelo o outro, bem como o cumprimento de normais grupais.

Assegurar meios para que as crianças e os(as) adolescentes se expressem com liberdade e que tenham acesso aos bens culturais está previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente.2 A maioria desse segmento social é privada, por limitações de

ordem econômica e social a que está sujeita, de usufruir a produção artístico-cultural que não seja a divulgada pelos meios de comunicação de massa. A ampliação das referências estéticas favorece a compreensão acerca do mundo ao refletir e se posicionar criticamente diante destas.

Questão II – Quem ensina nas ONGs?

A Casa Pequeno Davi conta com oito educadores(as), a Daruê Malungo com quatro e a Casa Renascer, três. Totalizando 15 educadores(as). Dentre estes, oito, 53, 33% possuem o 3o grau completo. Sendo um pedagogo e sete arte-educadores. Cinco,

33,33% possuem o 2o grau completo e dois, 13,33% o 1o grau incompleto.

Essas instituições, como já foi mencionado, lidam com meninos(as) com necessidades desmedidas e têm como objetivo propiciar, por meio de atividades educacionais, condições para que os(as) mesmos(as) busquem meios de superar as barreiras que os(as) excluem. Isso implica que os(as) educadores(as) tenham posicionamentos políticos, éticos e estéticos alinhados aos das instituições e que possuam, também, qualidades e aptidões pessoais que vão além das habilidades técnicas profissionais, tais como: autonomia, capacidade de liderança, de trabalhar

2 Art. 58, do Capítulo IV do Estatuto de Criança e do Adolescente que dispõe sobre o direito à educação, à cultura, ao esporte e ao lazer. (ECA, 1990, p. 22).

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em equipe, habilidade no relacionamento interpessoal, responsabilidade. Portadores(as) de títulos acadêmicos desacompanhados(as) dessas especificações são de pouca valia.

Questão III – Quais as atividades artísticas ensinadas?

Para simplificar, tomei a liberdade de dividir as atividades artísticas em dois grandes grupos:

• Grupo 1 – Performance: as atividades que podem possibilitar a apresentação de espetáculos como a música, teatro e dança.

• Grupo 2 – Artes Visuais: as atividades cujo ato da percepção envolve mais diretamente o sentido da visão como as artes plásticas, artes gráficas e arte em tecido.

Atividades Artísticas Número de ocorrência/ONG Grupos

Música 2 (CPD; CR)3 G1 – Performance

Percussão 1 (DM) G1 – Performance

Teatro 3 (CPD; DM; CR) G1 – Performance

Dança de Rua 1 (CPD) G1 – Performance

Dança Contemporânea 2 (CPD; CR) G1 – Performance

Dança Afro-Brasileira 1 (DM) G1 – Performance

Artes Plásticas 2 (CPD; DM) G2 – Artes visuais

Arte em Tecido 1 (CPD) G2 – Artes visuais

Marcenaria 1 (CPD) G2 – Artes visuais

Das 15 oficinas, dez, 66,7% estão incluídas no G1 – Performance e cinco, 33,3% no G2, – Artes Visuais. Os dados encontrados na pesquisa de campo indicaram a predominância de atividades que possam resultar em trabalhos coletivos e que possibilitem a montagem de apresentações públicas.

Foi possível observar que as atividades que são realizadas coletivamente como as bandas, a dança, o teatro, têm mais chances de receber apoio financeiro. Pois, são atividades que, ao cabo de poucos meses, podem originar um produto com possibilidade de ser levado a público, apreciado e divulgado. Diante de um espetáculo a comunicação com o público é mais imediata, há uma interação social maior. Diferentemente, as artes visuais são meios de expressão realizadas, na maioria das vezes, individualmente e, a comunicação com o público é mais subjetiva, sutil e menos imediata, nem têm, tampouco, um impacto televisivo marcante.

Para as ONGs, aparecer também é muito importante. As que têm mais visibilidade são as que têm mais chances de receber apoio das agências financeiras, uma vez que muitas destas preferem investir naquelas que já são referência. Mas, esse não é o único motivo. Os trabalhos realizados coletivamente têm, também, elevada importância pedagógica porque propiciam o diálogo, as discussões grupais e favorecem, também, a sociabilidade dos participantes.

Para os(as) educandos(as), as modalidades que possam vir a ser espetáculos também apresentam pontos vantajosos, pois, para eles(as) aparecer lhes confere notoriedade. Eles(as) passam a ser conhecidos(as) na vizinhança, na escola e até os familiares passam a lhes dar mais importância. Realizar algo considerado digno de ser mostrado e aplaudido faz com que eles(as) se sintam mais seguros(as) e aprovados(as). Essas considerações me levam a refletir sobre as formulações de Guy Debord, sobre a sociedade contemporânea que ele denominou de “A sociedade do espetáculo” – em uma obra com esse mesmo nome. O autor destaca o domínio das imagens e a forte influência da mídia nas sociedades contemporâneas. Nosso cotidiano está fartamente embebido de realidades que são representadas nos outdoors, TVs, vídeos, computadores, CDs, DVDs e outros meios. Na atualidade tudo vira espetáculo, desde as manifestações da cultura popular como carnaval, as festas do ciclo junino, até os debates políticos. Em nenhuma outra época a imagem teve tanta importância.