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Até a mudança da capital e do Ministério da Educação para Brasília, em 1960, desenvolveu-se no Brasil um sistema educacional centralizado, que se pretendeu modelar, seguido em todos os estados e municípios do país, onde existia a oferta do ensino primário, de quatro anos, mas o MEC estabelecia os currículos mínimos e conteúdos programáticos a serem seguidos pelas escolas, em todos os níveis de ensino. Note-se bem que, naquela altura, a população do Brasil era, em sua maioria, do meio rural, havendo apenas cerca de 15 milhões de pessoas nas cidades e mais de 70% do restante da população estava nas pequenas localidades do interior ou mesmo no campo. Nas capitais e em outras cidades, a educação era tida como de boa qualidade, mas atendia a apenas cerca de metade da população urbana, e uma pequena parcela do restante.

Com a promulgação da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), em 1961, cujo projeto havia sido apresentado ao Congresso em 1947, esperava-se que depois de 14 anos de discussão a norma pudesse durar algum tempo. Mas não, logo surgiram propostas de alteração e novas leis e emendas: foi criado o Salário Educação e o FNDE, o Fundo Nacional para o Desenvolvimento da Educação, junto com uma série de mudanças a partir de 1964; a mudança do antigo sistema de ensino primário e secundário, (primeiro e segundo graus de ensino) e criado o Ensino Fundamental, de oito anos, mais os três anos do nível médio, como temos hoje a Educação Básica. No início dos anos 1970, portanto, a LDB já não era a mesma.

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Até a promulgação da atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, editada em 1996, o sistema educacional brasileiro foi sendo gradativamente descentralizado, ganhando força os sistemas estaduais e municipais de ensino público, além do vigoroso crescimento do sistema privado de educação, principalmente do ensino médio e superior, em que a oferta de ensino público não conseguia atender com qualidade a demanda da sociedade.

Nesse novo período do Ministério da Educação (no primeiro, os trinta anos no Rio e, no segundo, 14 em Brasília), a evolução da área cultural dentro da instituição experimentou seu melhor momento em dois períodos do governo Figueiredo, sob a inspirada liderança de Aloísio Magalhães na chefia da poderosa Secretaria de Assuntos Culturais do MEC.

São dessa época os melhores exemplos de programação integrada com a cultura e com as comunidades locais, como foi o projeto “Interação da educação básica com os diversos contextos culturais do país”, que procurava, pioneiramente, adequar a educação pública às diferenças culturais e características regionais do país. Antes de ser encarada apenas como um problema de desigualdade econômica e social, essas diferenças são, também, a rica diversidade cultural do Brasil.

O artista plástico Aloísio Magalhães havia usado sua criatividade ambulante para criar um inovador e interessante sistema administrativo, denominado SPHAN

– pró-memória, dentro da rígida Administração Pública da época, conseguindo

fazer com que o poder de polícia da Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Sphan), tivesse um braço executivo ágil para implementar suas ações e ainda se encarregar de outras, a Fundação Nacional Pró-Memória, que funcionou com uma estrutura administrativa matricial para execução de projetos e programas da área cultural, inclusive usando recursos privados das empresas, tão eficiente como nunca se viu sucedâneo, mesmo após a criação do Minc e do surgimento das Leis de Incentivo à Cultura.1

Nessa época, o Sphan/pró-memória, já havia incluído os bens de valor arqueológico (Lei 3.924, de 1961) e passara a se preocupar em proteger e promover todas as manifestações culturais de importância sob o ponto de vista antropológico, sociológico, as manifestações da arte popular e dos fazeres culturais locais. Mais de duzentos projetos foram desenvolvidos pela Secretaria da Cultura do MEC, antes do surgimento do Ministério da Cultura.

1 Sobre trajetória de Aloísio Magalhães na Secretaria de Cultura do MEC, ver o livro E Triunfo?, editado pelo IPHAN.

Esses projetos eram os mais variados: Escola Nova do Ylê Ayê, de Salvador, a primeira experiência de valorização do patrimônio cultural afro-brasileiro; o Projeto

Seringueiro – Cooperativa, Escola, Educação de Adultos e Saúde para os Seringueiros de Xapuri, no Acre, de onde saíram várias lideranças, dentre elas a ministra Marina

Silva; as pioneiras experiências de educação diferenciada nos remanescentes de quilombos; A Escola Indígena Experimental dos Ticuna, onde se experimentou ensinar, em primeiro lugar, na língua da aldeia, para depois introduzir o português. Hoje é a política para todas as populações indígenas.

Desse mesmo tipo de programa cultural nas escolas que o MEC chegou a desenvolver, entre 1979 e 1984, vários projetos e ações eram financiadas pelo FNDE, pela FAE, ou por alguma das 11 instituições culturais vinculadas ao MEC, que iriam se transferir mais tarde para o Minc.

Em 1982, foi realizado o I Encontro Nacional de Seringueiros, na Universidade de Brasília, propondo teses e valorizando propostas que mais tarde seriam abraçadas por Chico Mendes. Uma dessas teses, a da Territorialidade dos Seringais, era a base de todo o movimento que fez surgir as Reservas Extrativistas, hoje institucionalizadas pelo Sistema Nacional de Unidades de Conservação.

Poderia citar dezenas de outras interessantes iniciativas, mas fico com algumas, como o Projeto de Fortalecimento e Difusão da Cultura Amapaense; o Projeto Arte Cênicas

– Uma proposta de Interação, também em Macapá, com o Inacen; Projeto Música e Culturas Regionais, em Manaus e outras cidades, com o Instituto Nacional de Música

da Funarte; Projeto Escola Aberta do Calabar, em Salvador; Projeto Espaço Cultural

Cinematográfico, em diversas capitais do país, com a Embrafilme; Projeto Fotografia sem Câmera, com a Funarte, em Olinda e outras cidades; Projeto Mamulengo – Uma proposta de Interação Escola/Comunidade, com o Inacen em Tracunhaém, Olinda; Projeto olhar dos pequenos para mim, Projeto Tempero, Projeto Chegança, Projeto Penha, todos no

Rio de Janeiro, com o Inacen; Projeto Criança e Cinema de Animação, em Curitiba com a Embrafilme; Projeto literatura Infanto-juvenil da Escola Básica, em todo o país com o INL; Projeto Boi Aruá, com a Embrafilme em todo o país; Projeto de Longa Metragem

na Educação Básica, também com a Embrafilme.

Enfim, o que quero mostrar com esse pequeno rol de ações e projetos é a riqueza de articulações que havia na época em que a Educação e a Cultura estavam sob o mesmo comando. Não vemos mais as instituições vinculadas à Cultura produzindo materiais para o público das escolas como se fazia antes se buscando a formação de novos públicos junto à comunidade escolar: professores, funcionários, alunos e a família dos alunos.

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Em 1985, depois de amplo debate nacional liderado pelo Secretário de Cultura de Minas Gerais, no curto período de governo mineiro de Tancredo Neves e na euforia dos movimentos populares das Diretas Já, propunha-se a criação do Ministério da Cultura, contrariando outra corrente, inspirada na incontestável liderança de Aloísio Magalhães, que preferia uma forte Secretaria de Assuntos Culturais, vinculada ao MEC a um Ministério novo e fraco.

O governo Sarney surgiu com a novidade da criação do Ministério da Cultura, permanecendo o Desporto no MEC, porém, já sem a força que tivera a educação física em outros tempos. Também o que se chamava educação artística foi perdendo espaço, até quase desaparecer.

As práticas de algumas modalidades esportivas e as competições esportivas interescolares que vinham substituindo um projeto pedagógico integral ficaram cada vez mais escassas; as atividades dos alunos fora da sala de aula, como as visitas a museus, foram perdendo espaço para uma série de novas atividades descontinuadas e assistemáticas, oferecidas, aleatoriamente, às escolas, ao sabor das incontáveis mudanças de direção, de rumo das políticas adotadas, de estruturas e orientações administrativas, incompatíveis com um projeto pedagógico moderno e participativo.

Houve, também, um período em que havia uma farta distribuição de materiais educativos complementares e cartilhas diversas, sobre os mais variados temas que não podiam ser adequadamente tratados em sala de aula por falta de habilitação dos professores ou mesmo por falta de espaço no calendário escolar. Não havia como incluir no Calendário Escolar, cada vez mais apertado para conduzir as crianças e jovens ao mundo da Língua Portuguesa, da Matemática, das Ciências, da Geografia e da História, em tão pouco tempo. Não foi possível ainda manter uma boa formação de professores capaz de atender a crescente demanda na quantidade e qualidade exigidas.

Não se trata de fazer, aqui, uma avaliação sobre os ganhos advindos com o surgimento do Ministério da Cultura, que é positiva, sem dúvida, mas de fazer algumas considerações sobre a deficiência ou mesmo ausência de cooperação ampla e consistente entre os dois ministérios nestes últimos 19 anos.

Partindo da hipótese de que a “educação ficou empobrecida sem os aportes da cultura no cotidiano escolar” e de que a “cultura perdeu o sentido de sua função no governo se distanciando do sistema educacional”, poderia afirmar, por exemplo, que os sistemas de museus e de bibliotecas existem em função da educação e não, simplesmente, como local de guarda de acervos ou de produção científica ou artística, voltados para seu público tradicional e seu próprio desenvolvimento, como se fossem instituições isoladas.