Introdução É grande o interesse que, ao longo dos anos, o tema da qualidade de vida tem vindo a despertar,
2.1 Os indicadores como ferramentas de produção de conhecimento e de apoio à decisão
2.1.2 Funções e impacto dos indicadores
Os indicadores constituem uma ferramenta fundamental para o acompanhamento da realidade social, económica e ambiental. A governação de sociedades complexas e em processos acelerados de mudança exige que se recorra, não apenas a estatísticas genéricas, mas a medidas que ajudem a transformar uma grande multiplicidade de elementos factuais e percepcionados em orientações políticas que tomem em atenção a realidade presente mas também potenciais impactos futuros (Frones, 2007).
áreas, fornecer informação para o esclarecimento e o debate público, apoiar a concepção de estratégias de intervenção e a afectação de recursos, avaliar estratégias ou projectos de intervenção, rever e estabelecer objectivos e prioridades e monitorizar as mudanças e medir o progresso.
Em todas estas aplicações, os indicadores servem para influenciar decisões ou processos.
Actualmente reconhece‐se, no entanto, que o impacto efectivo da sua utilização pode ser muito diferenciado.
Scrivens e Iasiello (2010) fazem uma associação estreita entre os resultados que podem ser obtidos com o uso de um sistema de indicadores e a sua adequação ao tipo de grupo alvo a quem ele se destina. Servindo‐se do modelo de audiência para produtos estatísticos neozelandês, estas autoras chamam a atenção para três grupos principais que podem tirar partido da informação produzida (Figura 2.2). Um primeiro grupo é constituído por utilizadores técnicos, onde se incluem os próprios estatísticos e a comunidade de investigação, em geral. Um segundo conjunto, de maiores dimensões, envolve todos aqueles que estão directamente ligados à concepção e aplicação das políticas, ao nível técnico e político. Finalmente, o terceiro grupo, e mais numeroso de todos, diz respeito ao público em geral: media, sociedade civil e todos os interessados que não são especialistas.
Figura 2.2 Modelo de audiência para produtos estatísticos
Fonte: Estatísticas da Nova Zelândia in Scrivens e Iasiello (2010, p. 9)
Tal como sugere a figura, cada um destes grupos tem exigências distintas em termos da quantidade e da complexidade da informação de que necessita, e o que se deve procurar é que os indicadores produzidos sejam apropriados para as necessidades e perfil técnico da sua audiência‐ alvo.
Dos três grupos assinalados, aquele cuja utilização de informação tem vindo a ser muito discutida na actualidade é o dos “profissionais”, questionando‐se o tipo de contributo efectivo de todos estes
indicadores de natureza socioeconómica e ambiental para as políticas e processos de governação dos territórios, às mais diversas escalas36.
Vários autores – entre os quais, Cobb e Rixford (1998), Leitmann (1999), Innes e Booher (2000) e Holden (2006) – têm vindo, há já vários anos, a chamar a atenção para o facto de, não obstante o entusiasmo em torno do potencial da utilização corrente de todo este tipo de medidas, se correr o risco de esta informação servir apenas para fins académicos, burocráticos ou “comunicacionais” e ter um papel irrelevante no apoio à tomada de decisão. Ou seja, apesar de se insistir cada vez mais na importância de se fundamentar adequadamente as políticas (evidence‐based policy making), aquilo que se verifica é que o uso e a influência directa dos indicadores tendem a ser, em regra, muito modestos37.
Alertando para o facto de que existirem indicadores disponíveis e actualizados não basta para que estes sejam efectivamente usados como um input capaz de influenciar o processo de tomada de decisão, Hancock (2000) chama no entanto a atenção, para o facto de a sua relevância não poder ser vista apenas à luz desta relação directa. Os indicadores exercem, com efeito, uma influência na esfera das políticas através de outro tipo de mecanismos: os indicadores ajudam a “moldar”o modo como as sociedades encaram determinados fenómenos sociais e mesmo o modo como estas avaliam o desempenho da actividade política (por exemplo, a evolução temporal de um indicador como a taxa de desemprego tem certamente um impacto significativo na avaliação que a generalidade dos cidadãos faz relativamente ao sucesso das políticas públicas adoptadas).
Muitas das análises em que perpassa uma certa frustração relativamente ao uso de indicadores têm, na verdade, subjacente um modelo racional segundo o qual as decisões tomadas pelos responsáveis técnicos e políticos resultam de um processo linear em que, após a identificação de um problema se segue uma escolha racional baseada numa análise dos dados que a organização tem disponíveis. Este não é, contudo, o único modelo explicativo sobre o modo como a informação e o conhecimento alimentam o desenvolvimento de políticas e o processo de decisão (Scrivens e Iasiello, 2010). Existem actualmente várias propostas alternativas, entre as quais as que atribuem grande ênfase à diversidade de canais através dos quais os indicadores – e, de uma forma mais lata, o conhecimento – são divulgados e atingem os seus alvos. Através de relatório técnicos, de conferências, de discussões com outras pessoas, dos meios de comunicação social, a informação que é veiculada desperta os decisores para dinâmicas emergentes e ajuda a definir os problemas.
36
No Fórum Mundial da OCDE “Measuring the Progress of Societies”, realizado em 2009, na Coreia, esta problemática foi muito discutida, em particular no 3º dia de trabalhos dedicado ao tema “How can we improve the way in which evidence on progress promotes change”. Informação sobre este evento encontra-se disponível em http://www.wikiprogress.org /index.php/3rd_OECD_World_Forum,_Busan,_Korea,_2009.
37 Apesar de os governos aos mais diversos níveis da administração fazerem um amplo uso de indicadores não abundam as avaliações empíricas da sua influência efectiva no apoio à concepção e avaliação das políticas. O projecto “Policy Influence of Indicators – POINT”, financiado pelo 7º Programa Quadro de I&DT da União Europeia, actualmente em curso, pretende justamente ajudar a colmatar esta lacuna e debater a utilidade dos indicadores neste contexto. Algumas conclusões preliminares encontram-se já disponíveis em http://www.point-eufp7.info/.
Para Cobb e Rixford (1998, p. 25), este contributo na definição dos problemas é mesmo a questão crucial: “The greatest power in public policy debates lies in being able to change the definition of a problem. This is the first step in changing a policy and perhaps one of the most effective uses of indicators work. This function of indicators is often referred to as the enlightenment function. Based on our understanding, it is the power of indicators to alter the common understanding of a problem – not merely to point out the problem – that leads to a change in problem definition. By offering a convincing analysis of why a problem exists, a group can gain support for a new solution”. Perante o desafio hoje amplamente reconhecido que é reforçar a utilidade prática dos indicadores, dois tipos de apostas parecem reunir já um amplo consenso. Por um lado, é necessário melhorar a validade conceptual e a fiabilidade de muitas das medidas usadas, por outro importa repensar as circunstâncias em que estas são utilizadas no contexto da decisão política. No que diz respeito à necessidade de melhorar a validade conceptual e a fiabilidade de muitos dos indicadores usados, esta aposta decorre essencialmente da constatação de que muitos deles apresentam uma construção conceptual muito frágil, não se percebendo exactamente qual o fenómeno que procuram avaliar. Mas esta falta de clareza quanto àquilo que se pretende medir não constitui o único problema. O modo como medem deve também, em muitos casos, ser repensado. Neste contexto, Fahey, Nolan e Whelan (2003) falam concretamente da necessidade de se utilizarem cada vez mais indicadores analíticos que explorem as relações causais entre fenómenos e ajudem a compreender como é que os complexos sistemas socioeconómicos e ambientais funcionam e não se limitem à descrição isolada de fenómenos.
Esta utilização dos indicadores – no quadro de abordagens que não apenas pretendem alertar para certas realidades mas pretendem interpretar essas mesmas realidades, para se poder intervir com sucesso – parece ir mais de encontro às necessidades dos decisores. Esta é a leitura que fazem, entre outros, Innes e Booher (2000, p. 178), que reconhecem: “Participants in policy‐making do not use indicators in the simple way that has long been envisioned for good reasons. They realize that the world they face is complex and constantly changing, that opportunities and problems evolve, players change, and that understandings of that world change. They know that indicators represent at best only a small part of what they need to pay attention to. Where they need help is in understanding the complexity a bit more, in order to develop indicators that will make a positive difference”.
Por outro lado, como se referiu, importa repensar as circunstâncias em que os indicadores são utilizados, de modo a que a sua influência possa ser reforçada. Ora, justamente a este nível considera‐se que o processo através do qual os indicadores são construídos pode ser determinante da sua relevância para a actividade dos profissionais envolvidos na definição das políticas públicas (Leitmann, 1999). Assim, devem ser privilegiadas estratégias em que o desenvolvimento dos indicadores não envolva apenas especialistas, mas também – e desde uma etapa muito inicial –, aqueles que serão os utilizadores futuros dessas medidas, no contexto de processos de aprendizagem colectivos. Desta forma é possível garantir que os indicadores sejam mais apropriados pelo raciocínio comum dos decisores e estejam mais presentes nas suas opções.
Voltar‐se‐á a abordar algumas das questões debatidas de forma genérica nesta primeira parte do capítulo no âmbito mais concreto da investigação aplicada sobre o tema da qualidade de vida à qual são dedicados os pontos seguintes deste trabalho.