Introdução É grande o interesse que, ao longo dos anos, o tema da qualidade de vida tem vindo a despertar,
F. Prósperas: com uma economia local florescente, diversificada e inovadora; G Justas para todos: incluindo os que pertencem a outras comunidades, no
3.2 Experiências de avaliação
Ao longo dos anos muitos têm sido os projectos levados a cabo com o propósito de definir a qualidade de vida urbana e desenvolver procedimentos que permitam a sua avaliação empírica. A revisão que em seguida é feita de algumas experiências concretas apresenta‐se organizada em três conjuntos: análises em que se compara a qualidade de vida entre cidades, análises em que se caracterizam as condições de vida e de bem‐estar num contexto urbano específico e, finalmente, análises em que o objecto de estudo é a variação da qualidade de vida à escala intra‐urbana.
Os tópicos que se abordam relativamente a cada um destes tipos de experiências são comuns. Assim, procurar‐se‐á sistematizar os objectivos que estão por detrás dos diferentes projectos, a entidade que tomou a iniciativa de os promover, a natureza da informação trabalhada e os métodos de selecção e síntese dos dados. A questão mais importante que se pretende apurar globalmente é, contudo, a do interesse dos seus resultados na perspectiva da concepção de políticas e das actividades de planeamento e da acção local, muito embora, a informação disponível sobre este último aspecto seja, em regra, escassa e pouco aprofundada.
3.2.1 Análises comparadas entre cidades
Muitas das análises sobre a qualidade de vida urbana têm sido orientadas para o estabelecimento de rankings. Com o objectivo de identificar e compreender as diferenças entre os lugares, têm vindo a ser apresentadas várias propostas de ordenação de cidades baseadas em metodologias muito distintas, desde logo, do ponto de vista da sofisticação e do rigor científico.
Na maior parte destes rankings as cidades são comparadas entre si recorrendo a índices compósitos criados a partir de conjuntos mais ou menos amplos de dados estatísticos oficiais e/ou de inquéritos de opinião, que pretendem resumir os seus desempenhos em matéria das condições de vida e de bem‐estar.
O pano de fundo que justifica a multiplicação destas abordagens é, em larga medida, o protagonismo crescente das cidades enquanto lugares de produção, distribuição e inovação e, por outro lado, o acentuar da competição inter‐urbana como resultado da globalização (Garhammer, 2008). Perante a mobilidade cada vez maior dos factores de produção, torna‐se necessário garantir a atracção de recursos humanos qualificados, e capitais (nacionais e internacionais) que dinamizando as bases económicas e gerando receitas de impostos, promovam a prosperidade dos territórios e evitem os custos sociais próprios dos lugares “perdedores”.
É neste contexto que a qualidade de vida tem vindo a emergir como um dos factores com impacto na capacidade atractiva das cidades (Donald, 2001). As condições materiais e o “ambiente”do quadro de vida local (lifestyle amenities), sendo crescentemente valorizados nas opções locativas das empresas e dos indivíduos, são vistos como um trunfo importante – uma vantagem competitiva – para captar e fixar o capital humano mais preparado e criativo. A este respeito McCann afirma (2004, p. 1910), “the current impulse towards creating livable and atractive environments for certain class fractions as a central part of a wider economic development strategy provides a particular clear insight into the politics of developing innovative “new combinations”.
Neste contexto, os rankings – cujo principal público‐alvo são os recursos humanos e as empresas dotados de grande mobilidade – surgem como ferramentas ao serviço do planeamento estratégico e de marketing territorial. Apesar de existirem poucas provas de que a publicação deste tipo de informação ajuda verdadeiramente a apoiar as decisões dos indivíduos e das empresas (Grayson e Young, 1994; Lee, 2005) a verdade é que os rankings têm vindo a multiplicar‐se, sobretudo nos EUA, onde publicações como o “Places Rated Almanac”46, disponível desde 1981, gozam de uma grande popularidade. Abordagens similares, envolvendo cidades europeias, têm vindo a ser igualmente desenvolvidas. Um exemplo concreto – neste caso de um ranking internacional de cidades – é o desenvolvido pela empresa de consultoria Mercer. Com o propósito específico de ajudar os governos e as empresas a 46
determinar o valor a pagar a colaboradores deslocalizados a título de compensação pela eventual deterioração das condições de vida nos destinos de acolhimento, esta empresa pública anualmente um relatório em que mais de 320 cidades surgem ordenadas em função da qualidade de vida que oferecem47. O escalonamento é estabelecido analisando o comportamento de 39 variáveis que se repartem pelos seguintes domínios: ambiente social e político, ambiente económico, ambiente sociocultural, saúde, educação, ambiente natural, serviços públicos e transportes, lazer, consumo e habitação. A informação de base – de natureza supostamente objectiva – é recolhida através de um levantamento desenvolvido especificamente para esta avaliação, sendo depois sintetizada e expressa através de um índice compósito em que os pesos atribuídos aos diferentes factores reflectem a importância relativa que lhes atribuem os executivos de empresas multinacionais. Revendo rankings de cidades como os da Mercer, da Cushman&Wakefild, da Readers Digest, da Money Magazine, etc., é possível concluir rapidamente que a posição das cidades é muito variável em função dos domínios e dos indicadores utilizados. Estes, por sua vez, são indicados sem que se perceba qual o quadro conceptual em que se baseou a sua escolha. Por vezes as posições que as cidades ocupam nestas listas ordenadas são de tal forma contraditórias que se pode questionar o interesse efectivo deste tipo de comparações (Lee, 2005).
Muitos destes rankings são actualmente produzidos por empresas de consultoria, órgãos de comunicação social e mesmo por empresas especializadas neste tipo de “produto”. Nos anos 80, esta perspectiva de encarar a qualidade de vida enquanto objecto de consumo por parte de classes profissionais com grande mobilidade espacial esteve, contudo, na origem de uma das primeiras linhas de investigação académica sobre o tema da qualidade de vida, para a qual contribuíram, nomeadamente, os trabalhos produzidos pelo “Quality of Life Group” das Universidades de Strathclyde e de Glasgow (Findlay, Morris e Rogerson, 1988; Rogerson et al., 1996). Os investigadores desta equipa dedicaram‐se a identificar as “melhores” cidades para se viver no Reino Unido, a partir de um conjunto de indicadores seleccionados e ponderados directamente pela população que, através de um inquérito, manifestava a importância relativa que atribuía às diferentes variáveis relacionadas com a qualidade de vida. Desta forma, os autores pretendiam chamar a atenção para as desigualdades espaciais existentes e para os factores que deveriam ser melhorados pelas políticas urbanas. Trabalhos académicos mais recentes continuam a explorar esta relação entre qualidade de vida, consumo e política urbana, no contexto da cidade contemporânea. Entre estes contam‐se os de Florida, autor que se tem dedicado, em particular, à identificação dos factores que mais influenciam as opções locativas do segmento dos jovens profissionais mais qualificados (knowledge workers) que, de acordo, com a sua investigação, se prendem com amenidades urbanas, qualidade ambiental e tolerância social (Florida, 2008).
Em Portugal não são muitos os exemplos de estudos desta natureza que podem ser apontados. Entre eles, podem ser referidos o estudo “Onde viver em Portugal – uma análise da qualidade de
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vida nas capitais de Distrito”, publicado no final da década de 90 (Mendes, 1999), e o dossiê “As melhores cidades portuguesas” publicado no início da década seguinte pelo Jornal Diário de Notícias. Mais recentemente, foi divulgado o trabalho “Indicador sintético de desenvolvimento económico e social ou de bem‐estar dos municípios do Continente português” (Manso e Simões, 2009).
Enquanto tentativas de simplificação da enorme complexidade do que as cidades são actualmente palco, os rankings constituem, como atrás foi referido, ferramentas úteis para o marketing territorial com grande ressonância junto dos cidadãos, dos políticos, das poderes locais e dos empresários. Para o planeamento urbano e para a acção local a sua utilidade é, no entanto muito reduzida já que qualquer exercício deste tipo apenas pode aspirar a revelar uma pequena parte das diferenças que existem entre as cidades no que diz respeito à qualidade de vida que estas oferecem e, nessa medida, a visão de síntese que oferecem é muito redutora. O seu contributo efectivo para identificar os aspectos positivos que devem continuar a ser promovidos e as áreas que devem ser melhoradas é, para todos os efeitos, muito escasso.
Nem todas as análises da qualidade de vida envolvendo a comparação de cidades têm, no entanto, seguido este “modelo” dos rankings. Dois exemplos concretos em que se adoptam metodologias distintas são o da iniciativa europeia “Urban Audit”e o “Quality of Life Project” da Nova Zelândia. No caso do projecto “Urban Audit”, lançado pela Comissão Europeia em 1998, a aposta central é a da criação de uma infra‐estrutura de dados estatísticos harmonizados sobre a realidade urbana da Europa: “Urban Audit data collection provides information and comparable measurements on the different aspects of the quality of urban life in European cities”48.
Actualmente, apenas cerca de um quarto dos cidadãos europeus vive fora das cidades (EEA, 2010c). As transformações económicas, sociais e ambientais que estão a ter lugar nos centros urbanos são determinantes para o futuro da Europa e torna‐se fundamental aprofundar o conhecimento sobre a intensidade destas mudanças e o seu impacto diferenciado em termos espaciais, de modo a melhor poder desenvolver a política urbana. Por detrás da iniciativa “Urban Audit” está, assim o reconhecimento de que um melhor diagnóstico dos problemas e das potencialidades das cidades constitui um suporte fundamental para reforçar a dimensão urbana da política de coesão, mas também para apoiar o esforço europeu de reforçar a competitividade e a atractividade das metrópoles: “Improving the attractiveness of regions and cities is one of the priorities targeted by the renewed Lisbon Strategy and the EUʹs strategic guidelines for cohesion policy for 2007‐13. Quality of life is crucial in attracting and retaining a skilled labour force, businesses, students, tourists and, most of all, residents in a city. Assessing the current situation is a prerequisite for any improvement, development and future monitoring. The ʺUrban Auditʺ is a response to this demand for assessment”49.
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Citação retirada do endereço electrónico: http://epp.eurostat.ec.europa.eu/portal/page/portal/region_cities/city_urban. 49
Para além de disponibilizar aos Estados Membros e à própria União Europeia informação rigorosa sobre as condições de vida e de bem‐estar nas cidades, a iniciativa “Urban Audit” visa também, na prática, oferecer aos cidadãos e aos responsáveis políticos locais a possibilidade de compararem a realidade dos seus territórios com a realidade de outros territórios, facilitando, deste modo, a troca de experiências e processos de aprendizagem através de exemplos de boas práticas.
Procurando colmatar uma lacuna de elementos estatísticos comparáveis à escala urbana, até aí existente, este projecto arrancou com uma fase piloto de recolha de dados em 1998. Na sequência deste esforço inicial, no qual participaram 58 centros urbanos50, foram compiladas cerca de 500 variáveis relacionadas com aspectos sociais, económicos e ambientais, a partir das quais foram calculados cerca de 100 indicadores (nesta ocasião foi feito um levantamento de dados para os anos de referência de 1981, 1991 e 1996). Desde esta altura, tiveram já lugar mais três períodos de recolha de dados: em 2003/2004 (para o ano de referência de 2001), em 2006/2007 (para o ano de referência de 2004) e em 2009/2010 (para o ano de referência de 2008). A meta proposta é a da repetição destes levantamentos de três em três anos.
Actualmente participam nesta iniciativa mais de 350 cidades europeias dos 27 Estados Membros e, ainda da Turquia, da Noruega, da Suíça e da Croácia51. Ao longo das suas sucessivas fases têm vindo a ser introduzidos ajustamentos ao nível da estrutura da base de dados no sentido de melhorar a qualidade e a relevância da informação disponibilizada. No Quadro 3.2 apresentam‐se os domínios e temas eleitos no âmbito deste projecto. O total de indicadores estatísticos seleccionados ultrapassa, nesta altura, os 350 (Gráfico 3.1).
Coordenado actualmente pelo EUROSTAT, este é um projecto que envolve os produtores oficiais de estatística dos países e as autoridades locais das cidades participantes. Trata‐se essencialmente de um trabalho de compilação de informação estatística já produzida nos diferentes países ou passível de apuramento a partir de bases de dados e registos administrativos existentes. Do ponto de vista técnico a operacionalização desta infra‐estrutura de informação exige um grande esforço de compatibilização de conceitos e de métodos de cálculo dos indicadores de modo a que os dados possam ser comparáveis entre si. Não se encontra definido qualquer indicador sintético que forneça uma medida agregada da situação relativa a cada uma das cidades participantes.
Um dos pontos fortes desta plataforma – e que colocou igualmente grandes desafios metodológicos na fase inicial de implementação –, diz respeito à sua estruturação em três níveis geográficos: i) a cidade ou aglomeração enquanto unidade administrativa (coincidindo com áreas com um representante eleito, tipicamente um mayor ou uma figura equivalente); ii) unidades intra‐urbanas
50 As cidades portuguesas de Porto, Lisboa e Braga participam neste projecto europeu desde o seu arranque. Mais recentemente juntaram-se à iniciativa as cidades de Aveiro, Coimbra, Funchal, Ponta Delgada e Setúbal.
51 O objectivo é dispor de uma amostra representativa e equilibrada das cidades europeias. Para tal foi feita uma selecção que atendeu a um conjunto de critérios, entre os quais, incluir todas as capitais nacionais e, sempre que possível, todas as capitais regionais, contemplar cidades grandes (com mais de 250 000 habitantes) e pequenas e médias (mínimo de 50 000) e garantir uma adequada distribuição geográfica das cidades no interior dos respectivos países.
do tipo bairros ou outras definidas habitualmente segundo critérios demográficos; iii) Unidades urbanas alargadas (LUZ – Larger Urban Zones) correspondendo aproximadamente às regiões funcionais, situadas em torno da cidade central. Para além destes níveis geográficos, e para facilitar comparações entre as áreas centrais das cidades de maiores dimensões e todas as restantes, foi criado um quarto nível designada kernel.
Quadro 3.2 Domínios e temas considerados no âmbito do projecto “Urban Audit” 1. DEMOGRAFIA 1.1 População 1.2 Nacionalidade 1.3 Estrutura familiar 2. ASPECTOS SOCIAIS 2.1 Habitação 2.2 Saúde 2.3 Crime 3. ASPECTOS ECONÓMICOS 3.1 Mercado de trabalho 3.2 Actividade económica 3.3 Disparidades de rendimento/ Pobreza 4. PARTICIPAÇÃO CÍVICA 4.1 Envolvimento cívico 4.2 Administração local 5. FORMAÇÃO E EDUCAÇÃO 5.1 Educação e oferta de formação 5.3 Qualificações escolares 6. AMBIENTE 6.1 Clima/Geografia 6.2 Qualidade do ar e ruído 6.3 Água 6.4 Gestão de resíduos 6.5 Uso do solo 7. DESLOCAÇÕES E TRANSPORTES
7.1 Padrões das deslocações
8. SOCIEDADE DE INFORMAÇÃO