Introdução É grande o interesse que, ao longo dos anos, o tema da qualidade de vida tem vindo a despertar,
2.3 A investigação baseada em indicadores subjectivos
2.3.2 Os novos desafios na medição do bem-estar subjectivo
Dentro do conjunto que habitualmente se designa como “indicadores subjectivos” e que inclui as medidas relacionadas com as apreciações, percepções, atitudes e valores que os indivíduos expressam baseando‐se nas suas experiências de vida pessoais, os indicadores mais comuns são, como foi visto, os relativos aos níveis de satisfação com a vida (satisfação global ou satisfação relativamente a domínios individualizados) e os que dizem respeito às emoções (positivas e negativas).
Há, no entanto, outro tipo de medidas subjectivas que, apesar de menos habitualmente usadas, se revestem de interesse crescente para apoiar o desenvolvimento das políticas públicas.
Jowell e Eva (2009), num artigo intitulado “Happiness is not enough: cognitive judgements as indicators of national wellbeing”, consideram que existem, pelo menos, mais dois tipos de indicadores subjectivos (que parcialmente se sobrepõem entre si) que devem ser objecto de atenção quando se constroem sistemas de indicadores desta natureza.
Um primeiro tipo de indicadores é designado pelos autores como “avaliações cognitivas das pessoas sobre elas próprias, as suas vidas e a sua sociedade” e está relacionado com percepções sobre tolerância, justiça, confiança, etc.
O segundo tipo de medidas, designado como “estruturas de valores das pessoas”, diz respeito ao posicionamento que as pessoas assumem relativamente a certo tipo de referenciais ideológicos e de princípios, seleccionando pontos em que se situam nos espectros contínuos egoísmo/altruísmo, liberdade/autoridade ou esquerda/direita, entre outros.
O principal argumento usado por Jowel e Eva para justificar a utilidade destes indicadores é o de que, no presente, o exercício da governança exige que não se monitorizem apenas as trajectórias dos níveis globais de satisfação dos indivíduos mas se acompanhe também a evolução das suas apreciações relativamente a domínios‐chave da vida colectiva e, ainda, o processo de formação e de dissolução de valores normativos. Dito de outra forma, importa recolher de forma sistemática informação sobre as mudanças em curso ao nível da percepção dos cidadãos sobre as sociedades em que estão integrados e que deverão complementar outras medidas de natureza objectiva ou factual. Os autores reconhecem que, actualmente, é apenas através da participação em eleições e referendos que alguns sinais desta mudança vão sendo captados, o que consideram ser insuficiente. Referem ainda que as sondagens, apesar de muito usadas, têm, a este nível, uma utilidade muito limitada, já que em geral estão muito orientadas pela preocupação dos media de captar “instantes” em termos da opinião pública e não pretendem identificar mutações de fundo ao nível das valores.
Este desafio de, ao nível dos indicadores subjectivos, ir mais longe do que medir apenas os aspectos “individualistas” do bem‐estar e contemplar aspectos relacionados com o bem‐estar social foi já assumido, designadamente, no âmbito da elaboração de um novo módulo do Inquérito Social Europeu dedicado a avaliar o desempenho dos países na promoção do bem‐estar dos cidadãos
Um outro exemplo concreto em que a avaliação do bem‐estar social é valorizada é o da anteriormente referida proposta de “National Accounts of Well‐being” (Michaelson et al., 2009). Desenvolvida pela NEF (New Economics Foundation), esta proposta constitui um guia conceptual e metodológico para que os governos nacionais possam dispor de informação regular e sistemática sobre as experiências, os sentimentos e as percepções dos cidadãos sobre as suas próprias vidas, que lhes permita ter uma visão do progresso social mais ampla do que aquela que deriva exclusivamente da leitura dos indicadores objectivos.
Apesar de o modelo apresentado desenvolver mais as componentes e subcomponentes associadas ao indicador compósito criado para avaliar o bem‐estar individual, encontra‐se igualmente previsto um indicador compósito para o bem‐estar social42 (Figura 2.3).
Figura 2.3 Estrutura dos indicadores principais previstos na proposta das “Contas Nacionais do Bem-estar”
Fonte: Adaptado de Michaelson et al. (2009, p. 21)
São duas as componentes principais que sustentam a dimensão do bem‐estar social. A primeira destas componentes (“relações de apoio”) está associada ao bem‐estar inter‐pessoal e pretende descrever “the extent and quality of interactions in close relationships with family, friends and others who provide support” (Michaelson et al., 2009, p. 21). Por seu lado, a segunda componente está directamente relacionada com sentimentos que são inspirados pela experiência de vida em sociedade como a confiança e o sentido de pertença.
Ainda relativamente a esta proposta de indicadores subjectivos, vale a pena sublinhar que a dimensão mais “individualizada” do bem‐estar atende a um conjunto de aspectos que vão mais além do que a presença de emoções (positivas e negativas) e os níveis globais de bem‐estar. Admitindo que este tipo de avaliação não é suficiente, os propositores deste modelo consideram que é igualmente fundamental entrar em linha de conta com os recursos anímicos e psicológicos
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O modelo prevê que para além destes dois indicadores principais também possam ser criados outros indicadores compósitos relacionados com domínios específicos. Um desses indicadores, já previsto na proposta inicial, diz respeito ao “bem-estar no trabalho”.
dos indivíduos (mental capital) e com as suas percepções sobre aquilo que fazem (doing) e que influencia a realização do seu potencial.
Apesar de haver ainda um longo caminho a percorrer no sentido de aperfeiçoar e testar os indicadores subjectivos, existe já um grande consenso em torno da ideia de que é possível através destes recolher dados fiáveis, os quais são importantes para que se possa traçar um retrato mais completo da qualidade de vida das populações (Fleurbaey, 2008). Algumas vozes, entre as quais as de Stiglitz, Sen e Fitoussi (2009), sugerem mesmo que este tipo de informação passe a ser recolhido de forma sistemática pelos organismos responsáveis pela produção das estatísticas nacionais, como um suporte complementar para a concepção e o acompanhamento das políticas públicas.