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Introdução É grande o interesse que, ao longo dos anos, o tema da qualidade de vida tem vindo a despertar, 

1.2 Principais debates e fracturas em torno do conceito de qualidade de vida

1.2.3 O contexto de referência: culturas e normas

Foi  já  várias  vezes  afirmado  neste  trabalho  que  o  conceito  de  qualidade  de  vida  é  culturalmente  relativo. Diferentes religiões e filosofias, por exemplo, têm subjacentes concepções distintas do que  realmente  interessa  em  termos  do  bem‐estar  humano  e  não  existe  uma  base  científica  para  determinar qual é a visão mais razoável ou correcta (Fahey, Nolan e Whelan, 2003). 

Tal significa que não existe uma “receita” universal para aquilo que se pode considerar uma “vida  boa” e para se reconhecerem os caminhos que a ela conduzem e, como tal, não faz sentido que a  qualidade de vida seja medida na ausência de um quadro normativo bem definido, que estabeleça  o referencial da avaliação. 

Perante  esta  última  solução  as  opiniões  dividem‐se.  Para  aqueles  que  mantêm  posições  pós‐ modernas, hiperindividualistas, não é possível estabelecer quadros de referência em termos de um  ideal  colectivo  de  qualidade  de  vida,  porque  não  há  valores  que  se  possam  sobrepor  a  outros,  sobretudo  no  quadro  da  crescente  complexidade  e  diversidade  das  sociedades  actuais.  Por  outro  lado, há os que admitem que, em contextos bem definidos em termos espácio‐temporais, é possível  chegar  a  um  entendimento  que  seja  largamente  partilhado  pelos  elementos  da  sociedade  sobre  aquilo que são as necessidades das pessoas e sobre a forma como estas podem ser satisfeitas, tendo  em  conta  as  suas  aspirações.  Esta  é  a  posição  defendida,  designadamente,  por  Sen,  referida  por  Hall et al. (2010, p. 10): “If we have enough information and do not aim for too much precision, we can take  into  account  the  diversity  of  the  preferences,  interests,  concerns  and  predicaments  of  different  members  of  society in order to produce a reasoned and democratic social choice”. 

Só  assim  parece,  de  resto,  ser  possível  conceber,  no  plano  das  políticas  públicas,  estratégias  de  acção orientadas para promover a qualidade de vida das pessoas.  

Aquilo  que  no  entanto  se  verifica  é  que  muitas  vezes  as  “normas”  são  traduzidas  através  de  objectivos ou de metas a alcançar dentro de cada domínio da qualidade de vida, e não se conhece o  quadro de referência que as enquadra, nem se estão cumpridas algumas pré‐condições importantes  de que fala Noll (2002), nomeadamente: existência de um consenso político em torno dos próprios  domínios‐chave  considerados,  existência  de  um  entendimento  partilhado  sobre  aquilo  que  se  poderão  considerar  “boas”  e  “más”  condições  e,  finalmente,  convergência  de  ideias  quanto  à  direcção em que certo tipo de realidades devem evoluir. 

Como  afirmam  Fahey,  Nolan  e  Whelan  (2003),  o  consenso  genérico  que  actualmente  existe  em  torno dos indicadores correntemente usados no âmbito das ciências sociais verifica‐se no contexto  da  cultura  ocidental,  cuja  matriz  de  base  é  o  individualismo  democrático19.  Mas  mesmo  neste 

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Outros sistemas de valores, associados por exemplo ao fundamentalismo Islâmico, a correntes conservadoras da religião crista ou a movimentos ambientalistas, podem, no presente, ser vistos como alternativas em termos de referenciais normativos, não sendo arriscado afirmar que entre todos eles existam divergências assinaláveis quanto ao sentido em que a sociedade deve evoluir. Por exemplo, uma medida estatística relacionada com a frequência escolar de raparigas e rapazes até ao final da adolescência, que não oferece qualquer tipo de contestação na sociedade ocidental, nunca poderá

contexto, ao longo do tempo, têm vindo a ter lugar mudanças nos valores, nas preferências e nas  expectativas  dos  indivíduos.  No  esquema  representado  na  Figura  1.3  ilustram‐se  algumas  das  evoluções registadas, com implicações no debate sobre qualidade de vida, identificadas por Seed e  Lloyd (1997). 

Figura 1.3 Alguns valores emergentes na sociedade actual

Fonte: Adaptado de Seed e Lloyd (1997, p. 4)

Perante  todo  este  cenário  de  diversidade  e  instabilidade,  autores  como  Fahey,  Nolan  e  Whelan  (2003)  sublinham  a  importância  de  os  objectivos  da  sociedade  serem  apresentados  de  um  modo  claro  e  explícito,  considerando  que  daqui  resultará,  previsivelmente,  uma  maior  facilidade  para  avaliar se as trajectórias evolutivas dos indicadores são, ou não, de aproximação a essas ambições  colectivamente assumidas. 

Apesar  de  não  serem  muito  comuns,  encontram‐se  casos  em  que  se  podem  observar  esforços  no  sentido  de  objectivar  e  tornar  transparente  o  referencial  normativo  adoptado.  Um  exemplo  que  pode  ser  dado  é  o  dos  Relatórios  Sociais  que  anualmente  são  divulgados  pelo  governo  neozelandês,  nos  quais  a  análise  da  evolução  dos  indicadores  é  precedida  pela  apresentação  daquilo que em cada um dos domínios se pretende alcançar em termos colectivos e que configura o  que se poderá considerar o projecto de bem‐estar comum para o conjunto da sociedade. Apesar de  estar  formulado  de  forma  algo  generalista,  este  quadro  de  referência  não  deixa  de  constituir  um  suporte útil para a leitura e interpretação dos resultados da monitorização (Quadro 1.6). 

ser visto como um indicador normativo numa sociedade onde a presença das mulheres na sala de aula, a partir de uma certa idade, seja considerada indesejável e atentatória dos valores vigentes.

Quadro 1.6 Relatório Social da Nova Zelândia de 2010 – Resultados desejados Domínios Declaração correspondente aos resultados esperados

Saúde

Todos têm a oportunidade de desfrutar de uma vida longa e saudável. Mortes, doenças e acidentes evitáveis são prevenidos. Todos têm a possibilidade de ter uma função, de participar e de viver uma vida independente ou com os apoios necessários na sociedade.

Conhecimento e competências

Todos têm os conhecimentos e as competências necessárias para participar totalmente na sociedade. A aprendizagem ao longo da vida e a educação são valorizadas e apoiadas.

Trabalho remunerado

Todos têm acesso a um emprego recompensador, que oferece realização pessoal e seguro. É mantido um equilíbrio apropriado entre o trabalho pago e outros aspectos da vida.

Nível de vida

A Nova Zelândia é uma sociedade próspera reflectindo tanto o valor do trabalho remunerado como o do não remunerado. Todos têm acesso a um rendimento adequado e a uma habitação decente e acessível que satisfaz as suas necessidades. Com um nível de vida adequado as pessoas estão em boa posição para participar plenamente na sociedade e para exercerem as suas escolhas quanto ao modo como querem viver as suas vidas. Direitos cívicos e políticos

Todos usufruem de direitos cívicos e políticos. São dignos de confiança os mecanismos que regulam e arbitram os direitos das pessoas no respeito pelos outros.

Identidade cultural

Os Neozelandeses partilham uma forte identidade cultural, têm um sentimento de pertença e valorizam a diversidade cultural. Todos têm a possibilidade de transmitir as suas tradições culturais às futuras gerações. A cultura indígena (Maori) é valorizada e protegida.

Lazer e recreio

Todos estão satisfeitos com a sua participação em actividades de lazer e de recreio. Têm tempo suficiente para fazerem o que pretendem e podem ter acesso a uma gama adequada de oportunidades de lazer e recreio.

Segurança

Todos usufruem de segurança física e se sentem seguros. As pessoas não são vitimizadas, abusadas, sujeitas a violência ou a ferimentos evitáveis.

Interacção social

As pessoas desfrutam de relações construtivas com os outros, nas suas famílias, comunidades e locais de trabalho. As famílias e as comunidades apoiam e ajudam os que precisam de cuidados. A sociedade neozelandesa é uma sociedade inclusiva onde as pessoas têm possibilidade de aceder à informação e a apoios.

Satisfação com a vida (não descrito pelo Autor)

Fonte: Adaptado de MSD (2010, p. 6-7)