Introdução É grande o interesse que, ao longo dos anos, o tema da qualidade de vida tem vindo a despertar,
1.3 Modelos de conceptualização e operacionalização
1.3.5 A qualidade social de Beck, van der Maesen e Walker
A abordagem da qualidade social, desenvolvida entre outros, por Beck, van der Maesen e Walker, apresenta, relativamente ao modelo anterior, algumas afinidades. A mais óbvia é a de que ambos se filiam na orientação da União Europeia de promover a coesão social, através da adopção de
contudo, algo distinta, pois, contrariamente à formulação de Berger‐Schmitt e Noll, esta não surge alicerçada nos objectivos assumidos nos vários documentos formais europeus (Tratados, legislação, Livros Brancos), mas antes numa posição crítica relativamente à forma como a qualidade de vida vinha a ser conceptualizada no discurso da União Europeia, tida como muito “económica” (Phillips, 2006). Nesse sentido, a abordagem da qualidade social ambiciona constituir a principal alternativa ao PIB quando se quer medir a qualidade das sociedades. Phillips distingue ainda esta aproximação como sendo uma proposta que não pretende apenas constituir um quadro de referência consistente e transparente para avaliar políticas, mas que, para além disso, pretende oferecer um racional teórico capaz de abarcar e explicar a qualidade de vida ao nível global da sociedade.
Este conceito de qualidade social foi originalmente apresentado em 1997, no âmbito da “Declaração de Amesterdão sobre a Qualidade Social na Europa”27. Através desta tomada de posição, um conjunto de académicos e de especialistas interessados nas questões sociais procuraram chamar a atenção dos decisores europeus para a gravidade de muitos problemas sociais, manifestando a sua convicção de que a Europa estaria a falhar no objectivo de proporcionar qualidade social a todos os seus cidadãos.
Na definição de Beck, van der Maesen e Walker (cit. por Berger‐Schmitt e Noll, 2000, p. 27), a qualidade social pode ser considerada como “the extent to which citizens are able to participate in the social and economic life of their communities under conditions which enhance their well‐being and individual potential”.
Para os propositores desta ideia, a qualidade social de uma dada comunidade não resulta apenas do somatório da qualidade de vida individual dos elementos que a integram, considerando que esta é um agregado único com atributos individuais e colectivos. Nesta perspectiva, uma sociedade com elevada qualidade social é aquela em que, de acordo com Walker (cit. por Phillips, 2006, p. 176), “citizens must have access to an acceptable level of economic security and of social inclusion, live in cohesive communities, and be empowered to develop their full potential”.
Nesta abordagem considera‐se, com efeito, que as experiências de qualidade social das pessoas são função de quatro condições: o grau de segurança socioeconómica, a extensão da inclusão social, a força da coesão social e da solidariedade entre e dentro das gerações e, finalmente, o nível de autonomia e de capacitação dos cidadãos. Os recursos e as relações sociais constituem, como se pode constatar, os aspectos centrais.
A disponibilidade de recursos suficientes ao longo do tempo define o grau de segurança socioeconómica. Os dois planos em que este tipo de segurança pode ser vista são: i) provisão de serviços colectivos que garantem a segurança mais básica dos cidadãos (rendimento, protecção
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A apresentação desta Declaração coincidiu com a realização de uma cimeira de Chefes de Estado da UE em Amesterdão, no âmbito da Presidência holandesa, que à data exercia esta função.
social e saúde), a segurança do dia‐a‐dia (segurança alimentar, aspectos ambientais, segurança no trabalho) e a liberdade interior, a segurança pessoal e a justiça; ii) melhoria das oportunidades de vida das pessoas.
O acesso às instituições e a relações sociais permitem medir a inclusão social. Neste caso, estão em causa a participação e os processos de inclusão em identidades colectivas e, por outro lado, as realidades que determinam a auto‐realização.
Já no que diz respeito à coesão social, esta pressupõe que a solidariedade seja o fundamento das identidades colectivas e está associada a processos de criação, protecção ou ruptura de redes sociais e das infra‐estruturas sociais que suportam estas redes.
Por fim, a capacitação social está relacionada com a melhoria das capacidades das pessoas e da sua margem de acção, através das relações sociais. Nessa medida, a capacitação social traduz‐se no desenvolvimento de competências e capacidades que habilitam as pessoas a uma plena participação na vida social, económica, política e cultural.
Na Figura 1.7 apresenta‐se o esquema dos Quadrantes da Qualidade Social, que invoca os principais raciocínios associados a esta abordagem. Não se trata da versão inicialmente proposta por Beck, van der Maesen e Walker, mas sim de uma versão posterior, na qual estes incorporaram já contributos desenvolvidos por outros autores.
Os quatro quadrantes definidos neste esquema nascem da intersecção de um eixo horizontal que traduz um contínuo que vai desde uma realidade de sistemas, instituições e organizações até a uma realidade de comunidades e de grupos, com um eixo vertical que tem na base processos biográficos e no topo processos ao nível do conjunto da sociedade. Em causa está, em qualquer dos casos, uma interacção entre o indivíduo e a sociedade. Ao eixo horizontal está associada a dimensão dos actores, enquanto no eixo vertical a dimensão que se pretende representar é a dos processos. É nestes quadrantes que os factores que determinam a qualidade da sociedade ocupam os seus lugares respectivos, em função do posicionamento face ao significado dos eixos. Estas posições não são, contudo, pacíficas, existindo uma forte controvérsia entre vários autores sobre o assunto, sendo este, de resto, um debate que continua em aberto.
A este respeito, Phillips questiona mesmo se será possível tratar os diferentes factores que condicionam a qualidade social como independentes (Phillips, 2006, p. 180 e 181): “This raises an important theoretical issue of whether the four conditional factors of social quality are entirely independent of one another, each occupying a discrete sector of the quadrangle with no overlap between them, thus implying that the two axes demarcate inviolable and uncrossable borders providing the conceptual delineation between the components of social quality, or whether the conditional factors are, instead, four facets of an indivisible whole, with these facets merging into each other and providing overlapping and complementary insights into the holistic and indivisible entity that is social quality”.
Apesar de a abordagem da qualidade social estar ainda em desenvolvimento e subsistirem muitas questões complexas para resolver no plano conceptual, a verdade é que ela fez já convergir uma
capacitação podem desempenhar na participação dos indivíduos na sociedade, em condições que potenciem o seu bem‐estar e realização pessoal.
Figura 1.7 Os (Novos) Quadrantes da Qualidade Social
Fonte: Beck, van der Maesen e Walker (2001, p. 352)
Do ponto de vista da aplicação prática não são muitos os exemplos que possam ser dados em que esta abordagem tenha sido testada, servindo para investigar a situação concreta de sociedades ou de comunidades. Entre as experiências realizadas pode referir‐se o projecto “Indicadores de Qualidade Social”, promovido pela Fundação Europeia sobre Qualidade Social28, posto em marcha com o objectivo de identificar e recolher indicadores relativos a cada um dos factores que condicionam a qualidade social. Foi constituída uma rede envolvendo representantes de universidades de catorze países da UE e duas ONG europeias. Com base no trabalho desenvolvido por esta rede, concluído em 2005, foi possível concluir, por exemplo, que a selecção dos indicadores não é um processo linear pois, dependendo da realidade cultural de cada país (e estas realidades revelaram‐se muito diversas, sob vários ângulos), as medidas julgadas adequadas podem ser muito diferentes entre si. Por exemplo, uma boa dotação estatal em lares de idosos pode ser vista
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No endereço http://www.socialquality.org/site/index.html pode ser consultada informação sobre a actividade desta Fundação.
como um indicador de elevada qualidade social num determinado país, porque traduz um elevado grau de solidariedade, inclusão social e segurança socioeconómica, criando condições para que ninguém tenha que viver sozinho e na pobreza, mas pode, num outro contexto cultural, ter uma interpretação distinta. Pode ser interpretado, nomeadamente, como sinal de um baixo nível de qualidade social, associado a uma situação em que o Estado tem que se substituir às famílias, que não asseguram os cuidados aos mais velhos devido à quebra das relações e à falta de solidariedade no seio familiar (Phillips, 2006). Esta rede produziu uma primeira versão de uma lista de 95 indicadores associados a 18 domínios e 49 subdomínios, admitindo‐se, no entanto, a necessidade de afinar melhor as escolhas e reduzir a quantidade total de indicadores (van der Maesen e Walker, 2005).