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Introdução É grande o interesse que, ao longo dos anos, o tema da qualidade de vida tem vindo a despertar, 

2.2 A investigação baseada em sistemas de indicadores objectivos

2.2.3 Tratamento da informação

Após  a  recolha  dos  dados  de  base  e  do  cálculo  dos  indicadores,  o  desafio  que  se  coloca  é  o  de  sintetizar  a  informação  de  modo  a  que  possa  ser  feita  uma  leitura  de  conjunto  da  bateria  de  indicadores.  São  muitos  os  procedimentos  que,  nestas  circunstâncias,  podem  ser  adoptados,  envolvendo graus de sofisticação e de complexidade muito diversos.  

A  verdade  é  que  nem  todos  os  estudos  sobre  qualidade  de  vida  baseados  em  sistemas  de  indicadores  objectivos  optam  por  realizar  um  esforço  final  de  síntese.  Por  vezes  a  avaliação  da  qualidade  de  vida  é  feita  analisando  os  indicadores  que  foram  compilados  para  os  diferentes  domínios  e  dimensões,  atendendo  quer  aos  seus  valores  mais  actualizados,  quer  à  tendência  evolutiva  das  várias  séries  temporais  disponíveis.  Nestes  casos  são  habituais  as  comparações  relativamente a metas ou objectivos políticos previamente fixados ou com outro tipo de valores de  referência  para  interpretação  dos  resultados.  Para  contornar  o  problema  recorrente  do  grande  volume  de  informação  que  fica  disponível  para  ser  analisado  e  interpretado,  recorre‐se  frequentemente  à  selecção  de  um  subconjunto  de  indicadores  –  headline  indicators  –  que  possam  traduzir  as  grandes  linhas  de  tendência  observadas  e,  por  outro  lado,  facilitar  o  processo  de  comunicação de resultados. 

Quando  a  opção  passa  por  efectuar  uma  avaliação  mais  parcimoniosa  do  bem‐estar  das  populações, uma solução frequentemente adoptada é a construção de indicadores compósitos, isto  é, de índices sintéticos de indicadores individuais. 

A  grande  vantagem  dos  indicadores  compósitos  –  que  os  torna,  de  resto,  ferramentas  particularmente úteis na esfera da política e da comunicação – reside realmente na sua capacidade  de  converter  grandes  volumes  de  informação  em  medidas  facilmente  interpretáveis,  que  podem  ajudar  a  identificar  tendências  e  a  alertar  para  determinadas  realidades.  Revelam‐se  igualmente  como instrumentos facilitadores de exercícios de benchmarking e de monitorização. 

A construção deste tipo de medidas coloca, porém, uma série de desafios no plano metodológico,  que leva a que os resultados obtidos possam, nalgumas circunstâncias, prestar‐se a interpretações  dúbias ou mesmo a manipulações (Saltelli, 2007). 

Nos  últimos  anos  tem  vindo  a  assistir‐se  a  uma  proliferação  de  indicadores  compósitos  –  socioeconómicos  e  ambientais  –,  o  que  tem  gerado  um  aceso  debate  em  torno  da  sua  efectiva  validade  e  utilidade,  não  apenas  para  a  comunidade  académica,  mas  também  para  os  meios  de  comunicação  social  e  para  os  agentes  políticos.  No  Quadro  2.3  sistematiza‐se  os  principais  argumentos que têm vindo a ser discutidos, quer a favor quer contra o uso deste tipo de medidas.  Em  resumo,  se,  por  um  lado,  os  índices  sintéticos  são  inquestionavelmente  apelativos  pela  possibilidade  que  oferecem  de  representar  a  realidade  de  uma  forma  sumária  e  que  cativa  a  atenção  dos  meios  de  comunicação  e  daqueles  que  concebem  as  políticas  –  ajudam  a  construir  narrativas  baseadas  em  dados  estatísticos  –,  por  outro  lado,  inspiram  fortes  receios  de  que  a  sua  construção possa levar a interpretações redutoras e incorrectas dessa mesma realidade. 

No  que  diz  respeito  a  este  último  aspecto  da  construção  de  índices  sintéticos,  vale  a  pena  mencionar  que  existem  actualmente  diversas  abordagens  metodológicas.  É  possível,  no  entanto,  estabelecer  uma  sequência  genérica  dos  passos  habitualmente  dados  quando  é  criado  um  indicador compósito (Quadro 2.4). 

Uma  das  principais  críticas  dirigidas  às  medidas  compósitas  prende‐se  com  a  falta  de  transparência  associada  a  muitos  dos  indicadores  que  têm  vido  a  ser  propostos:  desconhece‐se  o  tipo de dados de base utilizados, bem como as metodologias adoptadas na sua construção. 

Relativamente  às  metodologias  revela‐se,  em  geral,  particularmente  controversa  a  etapa  da  ponderação dos indicadores, a qual pode ter um enorme efeito nos resultados obtidos (Tarantola e  Saltelli, 2008). Muitos dos esquemas usados para a atribuição de pesos aos indicadores individuais  são, de facto, considerados arbitrários – por exemplo, quando se baseiam em métodos de análise  muito  complexos  ou  duvidosos  –  e  como  tendo  um  fraco  significado  social  (Saisana  e  Tarantola,  2002). 

Quadro 2.3 Argumentos a favor e contra a utilização de indicadores compósitos

Argumentos a favor Argumentos contra

 Podem sumariar aspectos complexos ou multidimensionais tendo em vista o apoio aos decisores

 A sua interpretação é mais fácil do que identificar uma tendência em diversos indicadores separados

 Em exercícios comparativos facilitam o estabelecimento de rankings de países relativamente a aspectos complexos  Permitem medir o progresso dos países

ao longo do tempo relativamente a aspectos complexos

 Reduzem a dimensão do conjunto de indicadores ou incluem mais informação dentro dos limites da dimensão inicial  Colocam os aspectos do desempenho e

do progresso dos países no centro da cena política

 Facilitam a comunicação com o público (cidadãos, media, etc) e promovem a prestação de contas e a responsabilização

 Podem transmitir mensagens políticas enganosas, caso sejam mal construídos ou interpretados

 Podem convidar a conclusões simplistas  Podem ser mal usados, por exemplo para

apoiar uma política, caso o processo de construção não tenha sido transparente e se verifique o não cumprimento de princípios de natureza estatística ou conceptual

 A selecção dos indicadores e dos pesos pode ser o alvo da disputa política  Podem disfarçar sérios fracassos em

certas dimensões e aumentar a dificuldade de identificar as acções de resposta adequadas

 Podem conduzir a políticas inadequadas se as dimensões do desempenho que são difíceis de medir forem ignoradas

Fonte: Saisana e Tarantola (2002) in Nardo et al. (2008, p. 13 e 14)

A ponderação pode ser estabelecida através de metodologias muito distintas. Com efeito, os pesos  atribuídos  aos  indicadores  individuais  podem  ser  obtidos  a  partir  de  técnicas  estatísticas  ou  de  processos  participativos  (sondagens,  inquéritos,  focus  groups),  mas,  em  qualquer  dos  casos,  baseiam‐se dominantemente em julgamentos de valor. 

Não  existindo  uma  formulação  “ideal”  para  os  indicadores  compósitos,  aquilo  que  importa  assegurar é que os respectivos métodos de cálculo sejam, o mais possível, sólidos e transparentes.  Apesar  de  esta  problemática  da  construção  de  índices  e,  concretamente,  da  ponderação  dos  indicadores, ter sido abordada neste subcapítulo dedicado à investigação baseada em indicadores  objectivos, a verdade é que esta construção pode envolver igualmente medidas subjectivas, como  seguidamente se terá a oportunidade de ver. 

Quadro 2.4 Principais etapas da construção de um indicador compósito Etapas Descrição sumária

ENQUADRAMENTO TEÓRICO

Torna-se necessário desenvolver um quadro teórico que definindo claramente o fenómeno que está a ser avaliado e as suas componentes possa servir de referência para a selecção dos indicadores individuais e para a sua combinação em medidas compósitas que tenham um significado próprio relativamente a um determinado propósito analítico 

SELECÇÃO DA INFORMAÇÃO

Os indicadores individuais devem ser seleccionados com base da sua robustez analítica, capacidade de medir os fenómenos, cobertura, relevância face ao fenómeno que está a ser avaliado e relação com os restantes indicadores 

ESTIMATIVA DE DADOS

EM FALTA  Devem ser avaliadas diferentes abordagens para se colmatarem as lacunas de dados que possam comprometer a confiança no indicador

ANÁLISE MULTIVARIADA 

Uma análise exploratória deve apurar a estrutura global dos dados, avaliar a adequação do conjunto de indicadores e justificar as escolhas metodológicas, por exemplo ao nível da ponderação e da agregação dos indicadores

NORMALIZAÇÃO

A normalização, frequentemente necessária uma vez que os indicadores se encontram expressos em unidades ou escalas distintas, visa tornar todos os indicadores comparáveis entre si

PONDERAÇÃO E

AGREGAÇÃO A agregação e a ponderação dos indicadores deve decorrer do enquadramento teórico ou racional conceptual adoptado

TESTES DE ROBUSTEZ E SENSIBILIDADE

Deve ser avaliada a robustez da medida compósita testando,

designadamente, as opções adoptadas para a inclusão e não inclusão de indicadores individuais, método de normalização, a imputação de dados em falta e a atribuição de pesos

Fonte: Elaboração própria a partir de Nardo et al. (2008) e Freudenberg (2003)