Introdução É grande o interesse que, ao longo dos anos, o tema da qualidade de vida tem vindo a despertar,
1.3 Modelos de conceptualização e operacionalização
1.3.6 O modelo do ecossistema humano de Hancock
Apesar de as preocupações centrais que lhe estão subjacentes estarem relacionadas com a saúde pública, o modelo do ecossistema humano, proposto em 1993 por Hancock, constitui uma abordagem muito abrangente da qualidade de vida ao nível das comunidades humanas, pelo que se considerou relevante conceder‐lhe atenção neste ponto do trabalho.
A motivação de fundo do autor foi a de desenvolver um modelo holístico que pudesse ser útil para melhor compreender a saúde, estabelecer critérios‐chave para a concepção de políticas públicas mais “amigas da saúde” e identificar áreas de actuação prioritárias para os projectos de cidades saudáveis (Hancock, 1993).
Na formulação de Hancock, a qualidade de vida depende da interacção que é gerada entre três tipos de sistemas: economia, ambiente e comunidade, que operam desde um nível micro até a um nível macro. O ideal normativo subjacente a cada um destes sistemas é, respectivamente, o de uma economia próspera, de um ambiente viável e de uma comunidade sociável.
A noção que é adoptada de uma “economia adequadamente próspera” coloca em primeiro plano o desenvolvimento humano e entende‐se que o crescimento económico não se pode sobrepor a este objectivo. Aquilo que ela pressupõe é, pois, que todos os cidadãos tenham as suas necessidades satisfeitas, o sistema social seja favorecido e os recursos da comunidade sejam reforçados. Também no que se refere à viabilidade ambiental, adopta‐se o primado do bem‐estar humano, neste caso em detrimento de uma perspectiva mais biocêntrica. Nesse sentido, considera‐se que aquilo que deve caracterizar um ambiente viável é a sua capacidade de acolher a vida, em geral, e de promover a vida humana e o bem‐estar dos cidadãos, em particular. Por último, Hancock assume que uma comunidade sociável é aquela em que existem redes de apoio, as pessoas vivem juntas numa atmosfera de harmonia e participam plenamente na vida colectiva.
Para além das ligações que relacionam todos estes sistemas, estes mantêm ligações individuais entre si, associadas, pelo autor, aos conceitos de habitabilidade (liveability), sustentabilidade e equidade.
A interacção entre um ambiente viável e uma comunidade sociável deverão dar lugar a uma comunidade com adequadas condições de habitabilidade, isto é, uma comunidade em que a estrutura urbana é desenhada de modo a potenciar um ambiente favorável ao bem‐estar humano e às sociabilidades.
Será da interacção entre um ambiente viável e uma economia próspera adequada que poderá resultar a sustentabilidade. Tal significa, na prática, adoptar os princípios da conservação dos recursos e controlar os níveis de poluição, de modo a evitar agressões ao ecossistema, levando a que este seja ambiental e socialmente sustentável.
Finalmente, será da interacção entre uma comunidade sociável e uma economia adequadamente próspera que resultará a equidade. Os recursos e a riqueza deverão ser usados de forma a que todos os cidadãos possam ter as suas necessidades satisfeitas.
Hancock adopta, assim, uma visão muito abrangente, enfatizando a habitabilidade, a sustentabilidade e a equidade como determinantes‐chave da sua visão de saúde pública. No Quadro 1.9 apresentam‐se as principais categorias de indicadores propostas pelo autor.
Como assinala Phillips (2006), trata‐se de uma abordagem que transcende claramente a noção de saúde adoptada pela Organização Mundial de Saúde em que se acrescentam o enfoque do lugar – o ambiente e a comunidade local – e do tempo – preocupações com as consequências futuras, em termos de sustentabilidade.
Este modelo aproxima‐se do proposto por Berger‐Schmitt e Noll, anteriormente referido, na importância que reconhece ao imperativo da sustentabilidade e também do capital social, muito embora, neste caso, este seja encarado apenas como um dos recursos disponíveis ao nível da comunidade, que, no seu conjunto, constituem o community capital. Um aspecto novo que Hancock introduz no debate é o da sociabilidade, que é apresentada como um atributo relevante da qualidade de vida no plano colectivo.
Quadro 1.9 Categorias de indicadores associadas ao modelo do ecossistema humano A: DETERMINANTES
Sustentabilidade Uso de energia Consumo de água
Consumo de recursos renováveis Produção e redução de resíduos Uso local
Ecossistema saúde Viabilidade
Qualidade do ar Qualidade da água
Produção e uso de produtos tóxicos Contaminação do solo
Habitabilidade Habitação Densidade
Segurança e protecção da comunidade Transportes
Facilidade de deslocação a pé Espaços verdes/abertos Espaços sem fumo Poluição sonora
Sociabilidade
Segurança e protecção familiar Sentido de vizinhança
Redes de apoio social Donativos Serviços públicos Demografia Equidade Disparidade económica Acesso à habitação Discriminação e exclusão Acesso ao poder Prosperidade Economia diversificada Controlo local Emprego e desemprego Qualidade do emprego
Indicadores económicos tradicionais
B: PROCESSOS C: ESTADO DE SAÚDE
Educação
Desenvolvimento pré-escolar Qualidade da educação/escolas Literacia de adultos
Aprendizagem ao longo da vida Governança
Vida associativa/voluntariado Acção dos cidadãos
Direitos humanos e cívicos Participação eleitoral Percepção das lideranças políticas/serviços Política de saúde pública
Qualidade de vida Bem-estar
Satisfação com a vida Felicidade
Controlo/auto-estima/coerência
Comportamentos de promoção da saúde Deficiência/morbilidade
Stress/ansiedade
Outros/morbilidade/medidas de deficiência Índice “Health Utility”
Mortalidade
Taxa de mortalidade total Taxa de mortalidade infantil Taxa de suicídio
Fonte: Hancock et al. (1999) in Massam (2002, p. 177)