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3.5 O princípio da norma mais favorável: critério de hierarquia normativa?

3.5.1 Alguns efeitos do princípio da norma mais favorável

Acerca do contrato individual do trabalho, determina o art. 444405 da CLT que ele

pode ser objeto de livre estipulação das partes, desde que “não contravenha às disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos que lhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes”. O art. 619 da CLT, por seu turno, assegura que “nenhuma disposição de contrato individual de trabalho que contrarie normas de convenção ou acordo coletivo de trabalho poderá prevalecer na execução do mesmo, sendo considerada nula de pleno direito”. Ainda, o art. 622 da CLT prescreve que “os empregados e as empresas que celebrarem contratos individuais de trabalho estabelecendo condições contrárias ao que tiver sido ajustado em convenção ou acordo que lhes for aplicável serão passíveis de multa nele fixada”.

O que determina os citados dispositivos legais é que as normas oriundas dos contratos de trabalho podem prevalecer sobre o conteúdo heterônomo e autônomo quando reverbere normas mais favoráveis aos trabalhadores. De outro lado, pontifica que não é autorizada às partes contratuais a redução de direitos trabalhista fixados por normas autônomas ou heterônomas.

Quanto aos regulamentos empresariais, eles também são limitados pelo ordenamento jurídico trabalhista ao conteúdo imperativo mínimo previsto nas fontes heterônomas e nas fontes autônomas. Contudo, em face do princípio da norma mais favorável, prevalecerão sobre essas fontes quando suplantarem os direitos trabalhistas, quantitativa ou qualitativamente, fixados naqueles instrumentos. De outro lado, qualquer alteração in pejus no

404 Essa temática será retomada no capítulo 6 deste estudo.

405 Art. 444 da CLT: “As relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes

interessadas em tudo quanto não contravenha às disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos que lhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes”.

regulamento empresarial não terá qualquer validade para os empregados regidos pela cláusula regulamentar mais benéfica anteriormente fixada.

Quanto à normatividade autônoma, determina o art. 620 da CLT que “as condições estabelecidas em convenção quando mais favoráveis, prevalecerão sobre as estipuladas em acordo”.

Inquestionavelmente, esse dispositivo justrabalhista estabelece critério orientador diverso do da especificidade, constante do regramento geral do ordenamento jurídico. Ora, em regra, prevalecerá a convenção coletiva de trabalho (norma mais geral, aplicada ao âmbito da categoria representada) quando mais favorável ao trabalhador do que o acordo coletivo (norma mais específica, aplicada ao âmbito da empresa celebrante).

Além disso, as normas decorrentes de convenções e acordos coletivos de trabalho devem respeitar o piso mínimo estabelecido pelas normas heterônomas. Nesse sentido, a OJ 31406 da SDC e a Súmula 288407, ambas do TST.

Pertinente, ainda, colacionar entendimento de NASCIMENTO sobre o efeito cumulativo das normas autônomas:

As normas e condições de trabalho previstas me convenções coletivas acumulam-se com as das leis, nisso consistindo o particularismo da teoria das fontes formais do direito do trabalho. Acumular significa substituir, mas não por dizer somar ou duplicar um direito já previsto em lei. Coexistir lei e convenção sobre o mesmo direito, prevalece o que for mais favorável ao trabalhador.408

Os costumes, para se tornarem jurídicos, válidos e dotados de força obrigatória, necessitam de reconhecimento pelo ordenamento jurídico, seja quando há menção expressa na lei, seja quando o Judiciário os aplica, sobremaneira como fonte subsidiária à lei.

Assim, como não se trata de fonte principal (como dito, a primazia é da lei, ao menos nos ordenamentos dos Estados Modernos, excluídos os de Common Law), tradicionalmente, os costumes são dotados de validade quando secundum e praeter legem (conforme e além da lei), não contra legem, já que não são dotados da força de ab-rogatória da lei.409

406 OJ-SDC-31 do TST: “Estabilidade do acidentado. acordo homologado. prevalência. impossibilidade. violação

do art. 118 da lei n. 8.213/91. (Inserida em 19.08.1998). Não é possível a prevalência de acordo sobre legislação vigente, quando ele é menos benéfico do que a própria lei, porquanto o caráter imperativo dessa última restringe o campo de atuação da vontade das partes”.

407 Súmula 288 do TST: “Complementação dos proventos da aposentadoria (mantida - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e

21.11.2003). A complementação dos proventos da aposentadoria é regida pelas normas em vigor na data da admissão do empregado, observando-se as alterações posteriores desde que mais favoráveis ao beneficiário do direito”.

408 NASCIMENTO, Iniciação ao Direito..., p. 88.

409 BOBBIO apresenta dado historio: no direito canônico, o costume tinha maior grau hierárquico que a lei, inclusive,

Contudo, reportando os costumes ao universo do Direito do Trabalho, como bem pondera DELGADO, “ao contrário do verificado no Direito Civil, os costumes trabalhistas

contra legem podem ter plena validade, desde que respeitado o critério hierárquico especial vigorante no Direito do Trabalho”.410 Ora, se os costumes contrários à lei laboral

consubstanciarem patamar normativo mais favorável ao trabalhador (desde, é claro, que não contrariem norma proibitiva estatal), serão dotados de validade e obrigatoriedade, uma vez que reverberam o atendimento da função central do Direito do Trabalho e por se mostrarem compatíveis com o princípio da norma mais favorável.

Já no que se referem aos decretos regulamentares, oriundos do Poder Executivo, eles são subordinados à lei e destinados à execução delas, afastando, inclusive, diferentes interpretações que os operadores jurídicos levantam em torno da norma legal, com a finalidade de injetar a certeza jurídica nas relações de trabalho.411

O problema que surge, especificamente concernente aos decretos regulamentares, decorre do fato de que eles, corriqueiramente, extrapolam o conteúdo legal a que se subordinam, seja restringindo, seja ampliando direitos trabalhistas assegurados pelo texto legal regulamentado.

Não pode haver dúvida que quando os decretos regulamentadores restringem direitos assegurados pelo texto legal regulamentado, tal dispositivo do decreto deve ser afastado, pela afronta ao critério hierárquico civilista e pela afronta ao princípio da norma mais favorável. Dessa maneira, prevalecerá, inquestionavelmente, o texto da lei.

Na hipótese de o decreto regulamentar ampliar direitos trabalhistas assegurados pelo texto legal regulamentado, haverá afronta ao critério hierárquico civilista (Poder Executivo extrapolou o âmbito da sua competência limitado ao conteúdo da lei) e, concomitantemente, respeito ao princípio da norma mais favorável.

A solução para essas hipóteses, de acordo com a jurisprudência trabalhista, afiançada por DELGADO, é que deverá prevalecer o decreto ampliador de direitos, não apenas pela alegação do critério hierárquico especial justrabalhista (norma mais favorável), mas por ser uma proposta interpretativa mais favorável da regra legal.412 O autor exemplifica com o

entendimento sumular do TST (S. 157413), segundo o qual a gratificação natalina proporcional

será devida, em conformidade com o Decreto 57.155/65, não só nas hipóteses de dispensa

410 DELGADO, Curso de Direito..., 7. ed., p. 154.

411 Cf. AMEGLIO, Decretos reguladores. In: PLÁ RODRIGUEZ, Estudos sobre..., p. 136. 412 DELGADO, Curso de Direito..., 7. ed., p. 167-8.

413 Sumula 157 do TST: “Gratificação Natalina - Resolução de Contrato. A gratificação instituída pela Lei nº

injusta por parte do empregador (hipótese prevista na Lei regulamentada 4.090/62), mas também na demissão do empregado (norma mais favorável ao trabalhador).

4 A (IN)COMPLETUDE DO ORDENAMENTO JURÍDICO LABORAL:

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