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A noção de fontes do direito está diretamente atrelada à ideia de validade das normas jurídicas.284 Uma norma será valida quando respeitar o legítimo processo de

instituição normativa, que engloba, concomitantemente, seu aspecto material e seu aspecto formal, de acordo com o prefixado no próprio ordenamento jurídico.285

Como a noção de fontes do direito está acoplada à de validade das normas – repetindo: ao respeito ao processo de instituição (criação e modificação) das normas jurídicas –, ao termo fontes do direito comumente é atribuído sentido metafórico: “do mesmo modo que a água, que pode vir de diferentes fontes, o direito também tem diversas origens possíveis”.286

Destarte, o significado de fontes remete à origem ou ao nascimento das normas jurídicas e, etimologicamente “o termo fontes (fons, fontis) designa nascente, nascedouro”.287

Ainda, como o processo de instituição das normas jurídica abarca a fixação de competências, o sentido de fontes do Direito agrega também a noção de poder, notadamente o poder normativo de estabelecer normas de conduta validas dotadas do teor de juridicidade.

Portanto, a noção de fonte do direito relaciona-se intimamente com a repartição e o exercício do poder normativo288, inserido no devido processo de produção de normas

283 URIARTE, A Constituição e... In: RODRIGUEZ, Estudos sobre as..., p. 68.

284 Sustenta REALE que “a fonte do direito implica o conjunto de pressupostos de validade que devem ser

obedecidos para que a produção de prescrições normativas possa ser considerada obrigatória [...]”.REALE,

Fontes e modelos do Direito..., p. 14.

285 Cf. BOBBIO, O positivismo jurídico..., p. 161.

286 CASTILHO, Hierarquia das... In: PLÁ RODRIGUEZ, Estudos sobre..., p. 30. 287 MURADAS, O princípio da..., p. 100.

288 Cf. REALE as fontes do direito “são sempre estruturas normativas que implicam a existência de alguém dotado

de um poder de decidir sobre o seu conteúdo, o que equivale a dizer um poder de optar entre várias vias normativas possíveis, elegendo-se aquela que é declarada obrigatória, quer erga omnes, como ocorre nas hipóteses da fonte legal e da consuetudinária, quer inter partes, como se dá no caso da fonte jurisdicional ou na

fonte negocial”. Completa o autor: “[...] sendo o poder um elemento essencial e consubstancial ao conceito de

jurídicas que, por sua vez, é o responsável pela qualificação de determinada norma como jurídica e válida (isto é, pela atribuição de teor de juridicidade e do status de validade a uma norma).

Assim, nota-se que “fontes do direito” são todas as manifestações de vontade (seja ela do Estado, de grupo de pessoas ou, até, de pessoas individualmente consideraras289) aptas a

criar uma norma jurídica válida (entendida como tal pelo ordenamento jurídico) dotada de força vinculante.

BOBBIO traduz em termos técnico-jurídicos o significado da expressão fontes do direito, que ora se adota:

[...] são fontes do direito aqueles fatos ou aqueles atos aos quais um determinado ordenamento jurídico atribui a competência ou a capacidade de produzir normas jurídicas. (Falamos de fatos ou de atos segundo os quais os eventos a que o direito se refere são acontecimentos em relação aos quais se prescinde da consideração do elemento subjetivo – conhecimento e vontade – próprio do agir humano, ou são comportamentos humanos que abrangem tal elemento subjetivo; com referência aos fatos falamos de competência, com referência aos atos falamos de capacidade) (destaque no original).290

Após a conceituação de fontes, aflora inquestionável a relevância da temática para a compreensão do próprio Direito: só será qualificada de jurídica aquela norma emanada de fonte juridicamente reconhecida ou delegada pelo ordenamento, especificamente pela Constituição de um Estado (fundamento de validade de todas as normas). Afastam-se, assim, por exemplo, as normas religiosas e as de cunho estritamente moral do arcabouço jurídico- normativo.

A importância do estudo das fontes do direito é verificada, inclusive, no próprio método didático de apreender e, posteriormente, de ensinar determinada disciplina jurídica, processos estes iniciados com a apresentação das fontes das quais vão decorrer ou exteriorizar-se as diversas normas jurídicas que regulam uma dada matéria e que serão aplicadas a um caso concreto.

Para o Direito do Trabalho, o relevo ainda é maior, diante da presença das convenções e acordos coletivos de trabalho que suplantam na temática “fonte do Direito” os dois pilares tradicionais da criatividade jurídica do mundo ocidental: “a lei, expressando a vontade geral do Estado, e o contrato, expressando a vontade dos indivíduos”.291

289 ÁLVARES DA SILVA, Direito Coletivo do Trabalho, p. 201. 290 BOBBIO, O positivismo jurídico..., p. 161.

Ora, a convenção e os acordos coletivos de trabalho representam um patamar de criação jurídica intermediário entre os interesses estritos das partes contratuais trabalhistas e a vontade do Estado reverberada pela lei. Ademais refletem inegável instrumento de democratização do poder normativo, porquanto exercido no seio da sociedade civil e de forma direta, pelos próprios atores sociais, por intermédio de seus legítimos representantes, e com efeitos ad futurum e erga omnes.

Além disso, as convenções e acordos coletivos de trabalho comprovam a existência de distintos centros de positivação jurídica (teoria pluralista do ordenamento), afastando, por conseguinte, a teoria do exclusivismo estatal para a produção normativa, sustentado por KELSEN. Para este autor, o Estado é entendido como ordenamento jurídico coativo e o poder do Estado, como a validade e a eficácia da ordem jurídica.292

PÉREZ DEL CASTILLO também discorre sobre a importância da temática “fontes” para o Direito do Trabalho:

Um estudo especial do sistema de fontes no Direito do Trabalho justifica-se, em primeiro lugar, por haver fontes específicas tipicamente trabalhistas e, ao mesmo tempo, fontes estatais e extra-estatais; em segundo lugar, pela importância do fático na matéria e, por último, precisamente pela aplicação de critérios próprios nos casos de concorrência de fontes para regular uma mesma situação de fato.293

Sob outro prisma, ao compreender as fontes do direito no sentido lançado acima, forçoso afastar a classificação comumente apresentada pela doutrina de fontes materiais e

fontes formais, fundada em entendimento de SAVIGNY.

Conforme MURADAS, a gêneses da distinção entre fontes formais e fontes materiais remonta à distinção feita por SAVIGNY, que, “ao debruçar-se sobre o direito, como realidade histórica, percebeu a contraposição dos instrumentos de sua formalização [fontes formais], especialmente a lei, com o centro de enunciação do direito – o espírito do povo [fontes materiais]”.294

Tradicionalmente, compreende-se por fonte material (real ou de produção) “todos os elementos que têm inspirado as soluções num determinado direito”295, “as raízes mais profundas

por intermédio das quais se nutrem os legisladores, os agentes públicos, os juízes, os advogados, os homens comuns”296; enfim, as causas e os fundamentos do fenômeno jurídico.

292 KELSEN, Teoria geral do..., p. 405.

293 CASTILHO, Hierarquia das... In: PLÁ RODRIGUEZ, Estudos sobre..., p. 31. 294 MURADAS, O princípio da..., p. 101.

295 PLÁ RODRIGUEZ, Princípios do Direito... In: PLÁ RODRIGUEZ, Estudos sobre..., p. 22. 296 RENAULT, O que é isto... In: PIMENTA, Direito do Trabalho..., p. 62.

Entende-se por fonte formal os “diferentes meios pelos quais se estabelecem as normas jurídicas. Em outras palavras, os métodos pelos quais uma norma jurídica adquire esse caráter e sua eficácia obrigatória”297, ou “meios de expressão da norma jurídica”.298

Ora, ao atrelar o conceito de fontes do Direito aos processos de instituição das normas jurídicas, conclui-se que o que se costuma denominar “fontes materiais do Direito” extrapola e escapa o significado de fontes do Direito propriamente dito, posto que antecedem o fenômeno jurídico, referindo-se a um momento “pré-jurídico”299, anterior à existência do fenômeno pleno da regra.

Em verdade, o conjunto dos fundamentos, fatos e fatores que justifica, inspira e direciona a decisão política de legislar e o próprio conteúdo normativo (os legissígnos300 ou

repertorio normativo) – isto é, o que tradicionalmente chama-se de fontes materiais – diz respeito, sobretudo, à Sociologia, à Filosofia, à Economia, à História e à Política do Direito, e não detidamente à dogmática do Direito.

REALE esclarece:

O que comumente se denomina fonte material diz respeito a algo que não compete propriamente à Ciência do Direito qua tale, mas sim à Política do Direito, porquanto se refere ao exame do conjunto de fatores sociológicos, econômicos, ecológicos, psicológicos, culturais em suma, que condiciona a decisão do poder (e veremos que este se manifesta sob diversas formas) no ato de edição e formalização das diversas fontes do direito. Para o jurista o problema essencial que se lhe põe é o estudo daquilo que foi processado e

formalizado, isto é, positivado numa lei, num costume, numa sentença ou num contrato, que são as quatro fontes por excelência do Direito (com destaque no original).301

Ressalte-se, entretanto, que o fato de negar-se validade à classificação das fontes jurídicas em formais e materiais302 não significa que se está a desprezar a relevância desses

fatos e favores no processo de produção normativa. Ao contrário, a análise desses fatos e fatores, especialmente via pesquisa histórico-teleológica, é complementar ao estudo da dogmática juslaboral, auxiliando na mais ampla compreensão da estrutura principiológica, dos

297 PLÁ RODRIGUEZ, Princípios do Direito... In: PLÁ RODRIGUEZ, Estudos sobre..., p. 22. 298 RENAULT, O que é isto... In: PIMENTA, Direito do Trabalho..., p. 62.

299 De acordo com DELGADO, sob enfoque de um momento pré-jurídico, a expressão fonte material designa os

fatores que conduziram à produção – formação e transformação – da regra jurídica. DELGADO, Curso de

Direito..., 7. ed., p. 139.

300 A temática do conteúdo normativo é objeto da Legística Material (Legística Substancial ou Metodologia

Legislativa), segmento da Teoria da Legislação, que tem por preocupação central uma nova legitimidade da lei no que concerne à escolha do seu conteúdo normativo. Para tanto, a disciplina apresenta diretrizes metodológicas procedimentais (fases, momentos) para solucionar o problema específico da escolha do conteúdo normativo, bem como para a preparação das decisões legislativas. Cf. MADER, Legística; história...; In: Legística; qualidade..., p. 45-6.

301 REALE, Fontes e modelos do Direito..., p. 2.

302 Nesse sentido, KELSEN que “assevera ser equívoco e impróprio o emprego do termo fontes para designar atos

que de maneira especial influenciam o ato criador e aplicador do direito, já que falecem de observância obrigatória”. KELSEN, Teoria geral do..., p. 259 apud MURADAS, O princípio da..., p. 102.

fundamentos históricos e das bases axiológicas inerentes à gênese do Direito do Trabalho.303

Ademais, referidos fatos e fatores, bem como seu estudo sistematizado, são de grande relevância para uma política legislativa de qualidade, objeto, inclusive, da Teoria da Legislação.304

O que se pretende sustentar é que o que comumente se chama “fonte material” não é propriamente fonte jurídica, mais sim causas ou pressupostos materiais sem força vinculante305, contudo hábeis a influir na política legislativa e no conteúdo normativo

legislado.

Esclarecido esse ponto, claro deve ficar que quando se fala em fonte de direito o que deve ser compreendido é estritamente o significado conceitual tradicional de fonte formal de direito.306

303 Como o corte metodológico desta pesquisa consiste na apreciação da dogmática jurídico-laboral, não se

desenvolverá grande aprofundamento quanto à temática dos fundamentos do Direito do Trabalho.

304 Segundo ALMEIDA, baseando-se na classificação do domínio feita por Ulrich Karpen, a Teoria da Legislação

é uma ciência autônoma e interdisciplinar, “que tem um objecto claro – o estudo de todo o circuito da produção das normas – e para a qual convergem vários métodos e diferentes conhecimentos científicos. É assim uma «ciência normativa», mas é também uma «ciência de acção», que nos permite analisar o comportamento dos órgãos legiferantes, as características dos factos legislativos e identificar instrumentos úteis para a prática legislativa”. ALMEIDA, A contribuição da..., p. 2. Por seu turno, ANASTASIA, estabelecendo uma comparação entre o

especialista (técnico), o profissional da Legística, com o “legista”, faz a seguinte colocação quanto à semelhança dos dois profissionais: “[...] o legista da Legística tem às mãos um bisturi intelectual, que não corta – felizmente – o ser humano falecido, mas a norma. Ao abri-la, perquirirá, de maneira clara, a sua origem, os seus desdobramentos, as suas consequências, a sua gênese, a sua genética e a sua aplicação”. ANASTASIA, Legislação... In: Legística..., p. 27-40. MARDER prefere o designativo “Legisprudência” em detrimento do epíteto “Teoria da Legislação” e, em analogia à jurisprudência, sob o fundamento de que expressa melhor as dimensões da disciplina, considerado os aspectos práticos e teóricos, define-a como: “uma matéria bastante abrangente e multidisciplinar, que inclui os mais diversos aspectos do fenômeno legislativo e que leva igualmente em consideração perspectivas de cunho teórico e também dimensões e ações práticas e pragmáticas. Contudo, o seu principal propósito é explorar a dimensão prática, e não somente teórica, da atividade legislativa”. Segundo o autor, a nova abordagem da disciplina “leva em consideração o contexto anterior à tomada da decisão legislativa, tentando, dessa forma, estabelecer e avaliar qual será o seu efeito real, o seu impacto sobre a realidade social”. MADER, Legística; história...; In: Legística; qualidade..., p. 45-46; 50.

305 Salienta MURADAS: “Conquanto as fontes materiais não sejam vinculativas, também não se lhes pode atribuir

a qualidade de meros reclamos que, ao alvedrio das autoridades legislativas, poderiam ou não ecoar nos quadros normativos do direito, dependendo do senso de oportunidade e conveniência de regulamentação jurídica de determinado fato social ou consagração de valor caro à sociedade”. Completa a autora: “[...] os valores a que a ordem jurídica se reporta e, em especial, os valores que assumem o caráter de conquistas históricas definitivas hão de ser considerados como vetores necessários no processo de formação da ordem jurídica”. MURADAS, O

princípio da..., p. 102-3.

306 Também aqui é o conforme entendimento de REALE: “É claro que essa colocação do problema já decorria do

abandono do antigo conceito de fonte de direito, a meu ver desdobrada indevidamente em fonte formal e fonte material, geradora de graves confusões. No meu entender, uma fonte de direito só pode ser formal, no sentido de que ela representa sempre uma estrutura normativa que processa e formaliza, conferindo-lhes validade objetiva,

determinadas diretrizes de conduta (em se tratando de relações privadas) ou determinadas esferas de

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