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2.5 Princípios do direito do trabalho: relevância, conceito, funções e proposta de sistematização

2.5.4 Sistematização: proposta de tipologia classificatória

Quanto à abrangência, tradicionalmente, os princípios são classificados em: gerais e especiais. São gerais aqueles princípios informadores do ordenamento jurídico como um todo, atuando como norteador do Direito, enquanto uma Ciência única, estabelecendo os pontos de conexão entre os diversos ramos jurídicos.243

Leciona FERRAZ JÚNIOR:

Em seu nome [dos princípios gerais do direito], a dogmática procura entender o direito como um todo, postulando sua unidade. Para ela, não obstante as distinções, o direito é, em última análise um só. Daí o sentido sistematizador de sua tarefa. O sistema daí resultante, como vimos mostrando, pode não ser um conjunto rigorosamente lógico, mas deve manifestar certa coerência e sentido de coesão.244

É possível afirmar que diversos princípios gerais do direito são perfeitamente aplicáveis ao Direito do Trabalho, posto que com ele não entram em testilhas, podendo ser citados como exemplos: princípio da dignidade humana, princípio da valorização do trabalho, princípio da função social da propriedade (da propriedade estrito senso, da empresa, do lucro etc.), princípio da igualdade e não discriminação, princípio da boa fé245 (inclusive contratual),

princípio do não enriquecimento sem causa, princípio da vedação do abuso do direito, relativamente baixo de generalidade. Todavia, afirma o autor que a distinção entre princípios e regras não se dá apenas no que concerne ao grau, mas também à qualidade (adota, pois, o critério distintivo gradualista- qualitativo). Entendendo, por fim, que os princípios são mandamentos de otimização, possuindo, como principal característica poderem ser cumpridos em distintos graus e em que medida imposta de execução depende de possibilidades fáticas e jurídicas. Do mesmo modo, para BOBBIO “os princípios gerais são [...] normas fundamentais ou generalíssimas do sistema, as normas mais gerais”. Todavia, fundamenta o autor a natureza normativa dos princípios, de certo modo, ainda, focalizando-os estritamente na sua função normativa subsidiária: “Para sustentar que os princípios gerais são normas, os argumentos são dois, e ambos válidos: antes de mais nada, se são normas aquelas das quais os princípios gerais são extraídos, através de um procedimento de generalização sucessiva, não se vê por que não devam ser normas também eles: se abstraio da espécie animal obtenho sempre animais, e não flores ou estrelas. Em segundo lugar, a função para qual são extraídos e empregados é a mesma cumprida por todas as normas, isto é, a função de regular um caso. E com que finalidade são extraídos em caso de lacuna? Para regular um comportamento não-regulamentado: mas então servem ao mesmo escopo a que servem as normas expressas. E por que não deveriam ser normas?” BOBBIO, Teoria do

ordenamento..., p. 158-9.

243 O Direito do Trabalho constitui um ramo autônomo do Direito. Contudo, deve ser entendida essa autonomia

como uma independência relativa, na medida em que há diversas conexões indissolúveis entre os campos jurídicos. O estabelecimento dessas conexões, muitas vezes, se dá por intermédio dos princípios gerais do direito, que atuam como elos de comunicação e unificação entre os diversos segmentos jurídicos, fazendo do Direito uma Ciência unitária, coerente e integradora de suas diversas partes.

244 FERRAZ JÚNIOR, Introdução ao estudo..., p. 112.

245 Interessante abordagem da aplicação do princípio da boa-fé nos contratos empregatícios é procedida por

princípio da não alegação da própria torpeza e princípio da proporcionalidade e da razoabilidade.246

No que concerne aos princípios especiais, estes têm uma abrangência mais restrita e aplicam-se a uma disciplina jurídica especializada, determinando pontos de particularização do respectivo ramo jurídico. Desta forma, cada ramo especial do Direito (Penal, Administrativo, Tributário, Trabalhista e outros) é norteado por proposições gerais informadoras de sua estrutura e dinâmica essencial.247

Interessante questão é levantada por PINHO PEDREIRA248: em caso de aparente

contradição entre princípios gerais do direito e princípios especiais do Direito do Trabalho, qual prevalece? A resposta apresentada pelo autor soa como a mais acertada: prevalecem os especiais, vez que adotado o mesmo raciocínio daquele destinado às regras jurídicas; prevalecem as especiais, inclusive, sendo esta a opção do direito positivo pátrio em caso de lacuna, a teor do art. 8º da CLT, ou seja, aplicam-se os “princípios e normas gerais de direito,

principalmente do Direito do Trabalho”.

Agora, é necessário apreciar os princípios peculiares do Direito do Trabalho. Para tanto, é preciso dizer que ora se propõe uma específica tipologia classificatória, sobremaneira diante da proposição deste trabalho de estabelecer uma sistemática própria (uma unidade caracterizadora da normatividade do ramo juslaboral), por intermédio da sua Teoria Geral do Direito, com vistas a unificar seus diversos segmentos (individual, coletivo e internacional).

Contudo, a relevância não se restringe apenas ao objetivo da pesquisa em tela. Com efeito, a necessidade de apontar referida tipologia classificatória se deve ao fato de reiteradas vezes se incluírem no rol dos princípios de Direito do Trabalho princípios de natureza específica contratual trabalhista (inerentes ao Direito individual do Trabalho), ou princípios de natureza coletiva do trabalho (inerentes ao Direito coletivo do Trabalho), e, até mesmo, princípios processuais do trabalho (inerentes ao Direito Processual do Trabalho).

Ademais, sem a atribuição da devida relevância ao arcabouço princípiológico da dogmática juslaboral, mencionando, expressa e detidamente, os princípios gerais desse ramo

246 Menciona-se que DELGADO agrupa os princípios gerais do direito, aplicáveis ao ramo juslaboral, em três

planos de diretrizes, a saber: dignidade humana e conexos; proporcionalidade; e boa fé e corolários. Cf. DELGADO, Curso de Direito..., 9. ed., p. 72-4.

247 DELGADO, Princípios de Direito..., p. 16.

jurídico, norteador e aplicável ao seu todo, pode-se incorrer em erro e acarretar confusões e, até mesmo, o desprestígio deles.

A classificação principiológica ora sugerida reúne em quatro grupos os princípios do Direito do Trabalho.

O primeiro (que é o relevante a este trabalho), denominado “princípios normativo- estruturantes249 do Direito do Trabalho”, engloba todos os princípios aplicados ao Direito do

Trabalho considerado como um todo, como uma unidade.

O segundo, alcunhado “princípios contratuais do trabalho”, reúne todos os princípios aplicáveis detidamente ao segmento individual do Direito do Trabalho, mais propriamente aos contratos individuais do trabalho, estabelecendo o esboço geral da dinâmica contratual que lhe é própria, principalmente em contraponto ao contratual previsto na regulamentação civilista (notadamente o direito das obrigações). Podem-se arrolar como exemplos: o princípio da primazia da realidade sobre a forma250, o princípio da inalterabilidade

contratual lesiva251 e o princípio da continuidade da relação de emprego252, dentre outros.

249 Normativo, posto que inquestionável contemporaneamente o caráter normativo dos princípios, enquanto

espécie de normas jurídicas. Estruturantes posto que, conforme MIGUEL REALE, estrutura deve ser entendida

“como um conjunto de elementos que entre si se correlacionam e se implicam de modo a representar dado campo unitário de significações”. E, “como se vê, a noção de estrutura implica a de pluralidade de elementos componentes que só adquirem plenitude de significação na medida em que eles se complementam e se completam unitariamente, donde a sua concepção como ‘unidade orgânica’, a partir do símile do organismo animal que constitui um todo diversificado e unitariamente congruente”. REALE, Fontes e modelos do Direito..., p. 4.

250 O princípio da primazia da realidade sobre a forma enuncia que, no âmbito contratual trabalhista, a

prevalência se dá para a verdadeira relação jurídica estipulada pelas partes e nos exatos termos do praticado (isto é, de acordo com a realidade contratual vivenciada) em detrimento da forma ou do nome iures que lhe seja atribuído. Por essa razão, alguns autores denominam o contrato individual do trabalho de “contrato realidade”. O dispositivo legal que positiva esse princípio é o art. 9º da CLT. Assim, em face deste princípio, o magistrado do trabalho deve desconsiderar documentos, ainda que formalmente estabelecidos, que não reverberem a realidade. Um exemplo de utilização prática deste princípio é para desconstituir contrato de natureza civil (e.g. contrato de prestação de serviços) quanto há o intuito de afastar o cumprimento das obrigações trabalhistas e previdenciárias, quando diante dos elementos fático-jurídicos da relação empregatícia.

251 O princípio da inalterabilidade contratual lesiva, aforismo da regra da imutabilidade contratual prevista

tradicionalmente no Direito Civil (pacta sunt seranda), reverbera importante diretriz trabalhista, na medida em que coíbe qualquer alteração contratual in pejus ao trabalhador. A positivação deste princípio ocorre no art. 468 da CLT. Ressalte-se que as alterações contratuais benéficas ao empregado são amplamente permitidas e incentivadas.

252 O princípio da continuidade da relação de emprego consubstancia importante diretriz contratual trabalhista,

já que pugna que os contratos de trabalho perdurem no tempo, de forma a conferir maior segurança aos trabalhadores e suas famílias, além de beneficiar toda a coletividade, posto que atua na defesa do emprego e contra o desemprego. Desde princípio auferem-se três presunções basilares do contrato de trabalho: a regra é que são celebrados por prazo indeterminado; a presunção de não ruptura da relação empregatícia (a teor da Súmula 212, do TST); e a presunção, caso comprovada a ruptura contratual, que a terminação se deu na forma menos gravosa ao empregado (dispensa sem justa causa), de modo a lhe assegurar maior rol de direitos trabalhistas. Salienta-se que, em nítido retrocesso social, este princípio foi flexibilizado pela Carta de 1988, ao estender o regime do FGTS à universalidade de empregados, em substituição à estabilidade decenal (com a exceção da empregada doméstica que permanece destituída de ambos os amparos) e também pela jurisprudência majoritária, ao entender que o art. 7º, inciso I, da CRFB (proteção contra a dispensa arbitrária) e o art. 7º, inciso XXXIII (aviso prévio proporcional ao tempo de serviço) não possuem eficácia imediata e plena.

O terceiro grupo, denominado “princípios do Direito Coletivo do Trabalho”, compreende aqueles aplicáveis particularmente ao segmento coletivo do Direito do Trabalho, determinando as particularidades e especificidades desse segmento jurídico-trabalhista. Listam-se como exemplos: o princípio da liberdade sindical253 (em toda sua extensão

conceitual) e o princípio da criação de normas coletivas de trabalho pelo sindicato254

(incluindo a interveniência obrigatória da organização sindical na elaboração dos acordos e convenções coletivas de trabalho).

O quarto grupo, apelidado “princípios do Direito Internacional do Trabalho”, agrupa os princípios destinados ao estabelecimento das diretrizes principiológias do Direito Internacional do Trabalho. Aqui, exemplifica-se com: princípio da independência e da igualdade jurídica entre Estados-Membros255 (que, embora seja também a diretriz do Direito

Internacional Público, comparece e direciona as relações internacionais do trabalho), princípio da estruturação tripartite256 e princípios sobre os quais repousa a OIT, tal como previstos na

Declaração referente aos fins e objetivos da OIT257, de 1944 (o trabalho não é uma

mercadoria; a liberdade de expressão e de associação é uma condição indispensável a um

253 O princípio da liberdade sindical consubstancia em uma manifestação do direito de associação,

especificamente para o âmbito das relações laborais, facultando juridicamente a associação de cunho classista. Possui duas dimensões: uma positiva, que preconiza a liberdade de criar ou vincular-se a uma associação; e uma negativa, que consiste na liberdade de desfiliação. Contudo, a ampla liberdade sindical sofre severas restrições pela Constituição Federal de 1988. O caput do art. 8º da CRFB, de um lado, proclama a livre associação profissional ou sindical; de outro, vincula a sua existência à atribuição de personalidade sindical pelo órgão competente do Estado, Ministério do Trabalho e Emprego. Nesse passo, veda a intervenção e a interferência estatal nas organizações sindicais, mas proíbe a criação de mais de uma organização sindical representativa de categoria profissional ou econômica na mesma base territorial, que não poderá ser inferior à área de um município (regra da unicidade sindical contida no art. 8º, II, CRFB). E, ainda, determinada que ninguém será obrigado a filiar-se ou a manter-se filiado a sindicato (cf. art. 8º, V, CRFB), todavia, obriga o trabalhador, mesmo o não sindicalizado, a contribuir de forma compulsória para custeio e manutenção das atividades sindicais (cf. art. 8º, IV, CRFB).

254 O princípio da criação de normas coletivas de trabalho pelo sindicato reverbera a delegação constitucional

de verdadeiro poder normativo às organizações sindicais, a teor do art. 7º, XXVI (que reconhece as convenções e acordos coletivos de trabalho), e art. 8º, VI, da CRFB (que determina a obrigatoriedade dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho). Referida diretriz coaduna-se à diretriz do pluralismo jurídico, que entende que a produção de normas jurídicas não é monopólio Estatal.

255 O princípio da independência e da igualdade jurídica encontra-se respaldo legal no item 1, do art. 2º, da

Carta das Nações Unidas que determina: “A Organização é baseada no princípio da igualdade soberana de todos os seus membros”.

256 Segundo o princípio da estruturação tripartite, a dinâmica e a estrutura da OIT são marcadas por uma

peculiar metodologia de representação tripartite. Em caráter inovador no âmbito internacional público, o Tratado

de Versailles consagrou o modelo de composição tripartite na OIT, com participação de delegados governamentais, em quantidade de dois por Estado-membro e, representando as forças antagônicas do capital e trabalho, um delegado representante dos empregadores e outro dos trabalhadores. O método inovador merece ser reconhecido como marco democratizador das relações jurídicas no plano internacional público, na medida em que permitiu a participação da sociedade civil na esfera de decisão e formação do fenômeno jurídico internacional, antes restrito aos Estados. Cf. MESQUITA; REIS, Composição tripartite... In: Anais....

257 A Declaração referente aos fins e objetivos da OIT foi aprovada pela reunião Conferência Internacional do

Trabalho, na Filadélfia, 26ª sessão, em 10.05.1944, e dispõe sobre itens, objetivos da OIT e princípios que devem inspirar a política dos Estados-membros.

progresso ininterrupto; a penúria, seja onde for, constitui um perigo para a prosperidade geral; a luta contra a carência, em qualquer nação, deve ser conduzida com infatigável energia, e por um esforço internacional contínuo e conjugado, no qual os representantes dos empregadores e dos empregados discutam, em igualdade, com os dos Governos, e tomem com eles decisões de caráter democrático, visando o bem comum).

Claro que se pode, ainda, arrolar um quinto grupo principiológico, o dos denominados “princípios processuais do trabalho”, que, especificamente, são diretrizes do Direito Processual do Trabalho e apresentam-se como particularidades à Teoria Geral do Direito Processual, comum ao direito processual como um todo (comum, penal, trabalhista ou administrativo). Contudo, como se está a discorrer precipuamente sobre o Direito material do Trabalho, opta-se conscientemente por não incluir este grupo princípiológico, embora de forma alguma esteja a negar a sua existência e sua importância.

Aquele grupo que é relevante para o propósito deste estudo, o dos princípios normativo-estruturantes do Direito do Trabalho, reúne todos os princípios que atuam como verdadeiras estruturas-normativas, inerentes e próprias ao ordenamento e à normatividade juslaboral. Isto é, engloba aqueles princípios que de alguma forma se atrelam à produção (criação e modificação), interpretação (e harmonização), integração e aplicação do conjunto normativo do Direito do Trabalho.

Dizendo com outras palavras: os princípios normativo-estruturantes do Direito do Trabalho são aqueles que, ao versarem sobre a estrutura do ordenamento jurídico do trabalho – estabelecendo as diretrizes para a própria construção, interpretação, integração, harmonização (normas como o todo e entre si) e aplicação das normas –, fixam o contorno próprio e unitário da Dogmática do Trabalho, em contraponto ao universo jurídico em geral.

De outro lado, correspondem àqueles princípios comuns aos diversos segmentos do Direito do Trabalho (Individual, Coletivo e Internacional) que também operam na importante função de elo unificador desse ramo jurídico.

Desse modo, é dotado de relevância para este trabalho especificamente o grupo dos princípios normativo-estruturantes do Direito do Trabalho, que reúne os seis seguintes: princípio da proteção, princípio da norma mínima, princípio da norma mais favorável, princípio in dubio pro operario; princípio da progressividade e da vedação ao retrocesso e princípio da imperatividade e da irrenunciabilidade, cujos correspondentes significados e pontuadas aplicações práticas serão discorridos ao longo deste estudo.

Frisa-se que, ao entender que existem princípios comuns aos segmentos do ramo juslaboral, posiciona-se afirmativamente no que se refere à polêmica se os princípios informadores do Direito do Trabalho são válidos para o seu segmento juscoletivo. Ora, o Direito coletivo do Trabalho é parte integrante daquele, substancialmente a ele atrelado, principalmente por intermédio desses princípios normativo-estruturais que lhe são perfeitamente aplicáveis (em verdade, que atribui coesão e coerência interna ao todo, Direito do Trabalho).

Ainda, salienta-se que esse grupo, dotado de conteúdo estrutural do ordenamento jurídico laboral, não se basta por si só para atribuir todo o contorno próprio e particular do Direito do Trabalho em contraponto aos demais ramos do Direito. Ao contrário, emergem os demais grupos principiológico juslaboral, de forma a lhe complementar, estabelecendo demais particularidades.

Por fim, necessário explicitar o critério distintivo adotado (isto é, a distinção essencial entre esses quatro grupos princípiológicos que norteiam o Direito material do Trabalho): a distinção reside precipuamente no enfoque principal a que se destinam os princípios.

Ora, o primeiro grupo estabelece as diretrizes estruturais ao próprio ordenamento e às normas direito do trabalho, fixando o modo da sua dinâmica peculiar; o segundo, as diretrizes específicas ao contato de individual do trabalho; o terceiro, aquelas específicas do Direito Coletivo do Trabalho; e o quarto, fixa norteadores próprios do Direito Internacional do Trabalho.

3 O PROBLEMA DAS FONTES DO DIREITO DO TRABALHO:

PARTICULAR FORMA DE HIERARQUIZAÇÃO?

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