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2.3 O Direito do Trabalho na sociedade: funções histórico-teleológicas

2.3.2 O princípio da norma mínima

Importante decorrência direta do princípio da proteção é a diretriz do direito do

trabalho mínimo (também chamado “princípio da norma mínima”), que enuncia que as normas de Direito do Trabalho, irrenunciáveis e imperativas, devem ser compreendidas como um “patamar civilizatório mínimo”129, isto é, como instituidoras de rol mínimo de direitos,

qualitativa e quantitativamente considerados, deferidos aos trabalhadores.

Acerca do conteúdo mínimo formado pelas normas heterônomas, SÜSSEKIND explana:

O princípio da proteção do trabalhador resulta das normas imperativas e, portanto, de ordem pública, que caracterizam a instituição básica do Estado nas relações de trabalho, visando a opor obstáculos à autonomia da vontade. Essas regras cogentes formam a base do contrato de trabalho – uma linha divisória entre a vontade do Estado, manifestada pelos poderes competentes, e a dos contratantes. Estes podem complementar ou suplementar o mínimo de proteção legal.130

128 DELGADO, Curso de Direito..., 7. ed., p.42-3. 129 Expressão cunhada por Maurício Godinho Delgado. 130 SÜSSEKIND et al. Instituições de Direito..., v. 1, p. 127.

Com apoio nesse juízo, MARTINS sustenta que “no Direito do Trabalho a lei estabelece um mínimo, mas as partes podem convencionar direitos superiores a esse mínimo”.131

Importante, ainda, colacionar palavras de MORAIS FILHO:

Quando o Estado intervém nas relações privadas de trabalho, substitui a livre manifestação da vontade de cada um pela sua própria vontade, pela proposição legal. A teoria da autonomia da vontade cede passo à teoria da lei. O interesse maior que está em jogo é o do Estado, da sociedade, da comunidade, desaparecendo, a rigor, as pessoas particulares de empregados e empregadores. O pouco que subsiste de direito privado é absorvido pelo direito público, que lhe traça imperativamente as condições mínimas essenciais de existência. A rigor, de contratual não existe mais nada, tornando inteiramente regulamentarista o próprio núcleo central do novo direito.132

Assim, a diretriz do direito do trabalho mínimo limita de modo demasiado (tuitivamente e certeiramente) a margem de atuação da autonomia privada seja individual ou coletiva, estabelecendo o conteúdo mínimo do contrato individual de trabalho e das normas decorrentes das convenções e acordos coletivos de trabalho.

Em outros termos, a atuação da autonomia privada – repita-se, seja na edição de cláusulas contratuais ou na edição de normas de convenções e acordos coletivos de trabalho – deve ser sempre direcionada a implementar padrão normativo protetor suplementar ao conteúdo legal mínimo, jamais restringindo ou precarizando direitos.

Detidamente no que se refere ao conteúdo normativo estabelecido pelas convenções coletivas de trabalho, ÁLVARES DA SILVA, complementa que “toda vez que um elemento da categoria contrair uma relação de emprego, através de um contrato individual, este terá, previa e preliminarmente, como conteúdo obrigatório aquelas condições mínimas estabelecidas pela convenção coletiva”.133

Salienta-se que o mesmo raciocínio é o adotado para as normas oriundas de convenções internacionais do trabalho da OIT quando ratificadas pelo Brasil. Isto é, somente terão aplicação no ordenamento jurídico interno pátrio caso elevem ou complementem a normatização heterônoma mínima, jamais quando impliquem padrão normativo que represente retrocesso sociojurídico ao trabalhador.

131 MARTINS, Direito do Trabalho, p. 17.

132 MORAIS FILHO; MORAIS, Introdução ao Direito..., p. 124. 133 ÁLVARES DA SILVA, Direito Coletivo do Trabalho, p. 155.

Nesse sentido, BARZOTTO exprime que “a OIT pretende fixar um piso sobre o qual evolui o direito interno do país, não sendo a vocação das normas internacionais a redução de patamares já alcançados pelo direito interno”.134 Consubstanciam, então, as normas

internacionais do trabalho um patamar mínimo universal de proteção trabalhista.

PINHO PEDREIRA argumenta, com a adequada abrangência, que “o Direito do Trabalho é um conjunto de garantias mínimas para o trabalhador, que pode ser ultrapassado em seu benefício”.135 Em outros termos, o heterônomo estatal, o heterônomo internacional, o

autônomo nacional e o contratual trabalhista, representam o mínimo de direitos devidos aos trabalhadores, que devem ser balizados sempre pela melhoria progressiva das condições de labor. Seguindo o mesmo mote, aduz PLÁ RODRIGUEZ:

O característico no Direito do Trabalho é que cada uma de suas normas fixa níveis mínimos de proteção. Ou seja, nada impede que acima desses níveis – que determinam o piso, porém não o teto, das condições de trabalho [...] possam ir sendo aprovadas outras normas que melhorem aqueles níveis de proteção.136

O “conteúdo institucional do contrato de trabalho”137 será informado pelo

conteúdo normativo heterônomo (mínimo, seja estatal ou internacional de aplicação interna) e pelo que lhe complemente ou suplemente normativamente as convenções e os acordos coletivos de trabalho (também considerados implementos mínimos).

Após fixado esse substrato contratual mínimo (irrenunciável, imperativo e de ordem pública), poderão as partes (trabalhador e tomador de serviços) estabelecer disposições contratuais outras dentro daqueles limites; isto é, desde que não impliquem prejuízo ao trabalhador (ou seja, alteração in pejus).

Ressalvam-se, entretanto, as normas de ordem pública quando proibitivas – e.g. sobre a vedação de trabalho noturno, perigoso ou insalubre ao menor de dezoito anos ou a vedação a qualquer trabalho ao menor de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz a partir dos quatorze anos (art. 7º, XXXIII, CRFB) –, que não podem ser objeto de estipulação contrária pelas partes, seja individualmente ou coletivamente, ainda que prevejam retribuição econômica (e.g. adicional noturno e adicional de insalubridade) em patamar superior ao previsto na lei e nas normas negociadas coletivamente para o trabalhador maior de dezoito anos.

134 BARZOTTO, Direitos humanos e..., p. 97.

135 PEDREIRA DA SILVA, Principiologia do Direito..., 2. ed., p. 30. 136 PLÁ RODRÍGUEZ, Princípios de Direito..., p. 124.

A respeito da temática normativa mínima, conclui ALONSO OLEA, citado por PINHO PEDREIRA, que a diretriz em comento trata-se de verdadeiro “princípio de norma mínima”138, com o seguinte enunciado conclusivo:

Cada tipo de norma trabalhista imperativa opera, segundo seu posto formal, como condicionante mínimo do conteúdo das que se seguem em hierarquia, isto é, ao estatuir cada norma sobre as condições de trabalho deve-se ter em conta que as estabelecidas nas de posto superior são inderrogáveis em prejuízo do trabalhador. Embora o mandamento que o princípio implica seja dirigido aos poderes normativos, dele deriva que sejam nulas, ou não devam ser aplicadas pelos tribunais, quaisquer normas que impliquem redução dos mínimos estabelecidos por outra de nível superior em favor do trabalhador, aos quais não pode este renunciar139 (grifos acrescidos).

Por todo o exposto sobre o princípio da norma mínima, devem ser compreendidas as normas do Direito do Trabalho, em sua integralidade e independente das fontes das quais originam, como o conteúdo normativo mínimo dos contratos individuais de trabalho. Por corolário, os direitos previstos nas normas juslaborais, qualitativa e quantitativamente considerados, não podem ser restringidos ou renunciados por intermédio de ações estatais nem sindicais ou pelas próprias partes contratuais trabalhistas. Caso seja constada a violação ao princípio da norma mínima, a cláusula contratual ou o preceito normativo devem ser declarados nulos, restabelecendo, consequentemente, o padrão regulatório mais benéfico ao trabalhador. Salienta-se que a referida diretriz, ou princípio, encontra respaldo na Carta de 1988, que prevê expressamente no caput do art. 7º: “São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social [...]”.

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