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2.5 Princípios do direito do trabalho: relevância, conceito, funções e proposta de sistematização

2.5.2 Significados e conceito

Após pontuar a relevância da análise dos princípios para uma disciplina jurídica, cabe adentrar na apreciação de seus significados e conceito.

A palavra princípio, derivada do latim, principium, denota, etimologicamente: início, começo, ponto de partida.213 Para DE PLÁCIDO e SILVA, o

princípio, “no sentido, notadamente no plural, significa as normas elementares, ou os requisitos primordiais instituídos como base, alicerce de alguma coisa”.214 Em sentido

semelhante a imagem que lhes atribui REALE: são “os alicerces e as vigas mestras do edifício jurídico”.215

PINHO PEDREIRA vale-se do conceito de princípio erigido por BANDEIRA DE MELLO, considerando-o:

[...] mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para a sua exata compreensão e inteligência, exatamente por

212 BOTIJA, Eugenio Perez. El Derecho del Trabajo. Concepto, sustantividad y relaciones com las restantes

disciplinas jurídicas. Madrid: Editorial Revista de Derecho Privado, 1947, p. 143 apud PLÁ RODRIGUEZ, Princípios do Direito... In: PLÁ RODRIGUEZ, Estudos sobre..., p. 20.

213 CARVALHO, Direito Constitucional..., p.166. 214 DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário jurídico, p. 639. 215 REALE, Lições preliminares de Direito, p. 316.

definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico.216

Para PLÁ RODRIGUES, os princípios são: “linhas diretrizes que informam algumas normas e inspiram direta ou indiretamente uma série de soluções, pelo que podem servir para promover e embasar a aprovação de novas normas, orientar a interpretação das existentes e resolver os casos não previstos”.217

Contudo, pensa-se mais adequado o conceito colacionado de BANDEIRA DE MELO em detrimento do de PLÁ RODRIGUEZ, sobremaneira por este se referir a apenas três das funções tradicionalmente atribuídas aos princípios, omitindo-se na menção da mais relevante de todas: a normativa autônoma (ou própria), que, segundo BONAVIDES “é qualitativamente o passo mais largo dado pela doutrina contemporânea para a caracterização dos princípios, a saber: o traço da normatividade”.218

Reportando ao Direito do Trabalho, segundo ALONSO GARCIA, a definição dos princípios que lhe são particulares consiste: “naquelas linhas diretrizes ou postulados que inspiram o sentido das normas trabalhista e configuram a regulamentação das relações de trabalho, conforme critérios distintos dos que podem encontrar-se em outros ramos do direito”.219

Com efeito, conclui-se que os princípios do Direito do Trabalho estabelecem a autonomia e a especificidade deste ramo jurídico, servindo-lhe de alicerce e reverberando-lhe o espírito que lhe é peculiar, inclusive refletindo o sentido axiológico e a direção teleológica que lhe são particulares. Assim, informam todo o ordenamento e normas jurídico-trabalhistas e atribuem ao seu conjunto (todo orgânico e unitário) sentido harmônico e coerência interna, além de influírem diretamente na forma de interpretar, integrar e aplicar suas normas. Nesse passo, embora os princípios atuem na constituição da parte permanente e eterna do Direito,

216 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. Malheiros Editores, São Paulo:

7. ed. 1995, p. 537-538 apud PEDREIRA DA SILVA, Principiologia do Direito..., 2. ed., p. 12. Ana Carolina Gonçalves Vieira, também vale-se do mesmo conceito in Assédio moral..., p. 114.

217 PLÁ RODRÍGUEZ, Princípios de Direito..., p.16.

218 BONAVIDES, Curso de Direito..., 23. ed., p. 257. Segundo BONAVIDES, a normatividade dos princípios foi

afirmada, categórica e precursoramente, em 1952, por CRISAFULLI, com o seguinte conceito: “Princípio é, com efeito, toda norma jurídica, enquanto considerada como determinante de uma ou de muitas outras subordinadas, que a pressupõem, desenvolvendo e especificando ulteriormente o preceito em direções mais particulares (menos gerais), das quais determinam, e portanto resumem, potencialmente, o conteúdo: sejam, pois, estas efetivamente postas, sejam, ao contrário, apenas dedutíveis do respectivo princípio geral que as contém”. La Costituzione e le

sue disposizioni di principio, p. 15 apud BONAVIDES, Curso de Direito..., 23. ed., p. 256. Contudo, mais à frente em sua exposição, atribui a DWORKIN o pioneirismo em reconhecer aos princípios a normatividade “com toda a consistência e solidez conceitual”. BONAVIDES, Curso de Direito..., 23. ed., p. 281.

219 GARCIA, Manuel Alonso. Derecho del Trabajo. Barcelona, 1960 apud PLÁ RODRÍGUEZ, Princípios de

eles também consubstanciam a parte mutante e variável dele220, atuando como importante fator

normativo para a extensão da regulamentação jurídico-trabalhista às novas exigências sociais. Não obstante, ao longo da história, o significado dos princípios e suas formas de aplicação (ou funções desempenhadas) foram objetos de controvérsias, de acordo com a corrente doutrinária hegemônica à época: jusnaturalista, positivista e pós- positivista.

Claro que “os fatos históricos são multiformes e variáveis. [...] Porém, as épocas históricas têm características marcantes, sistemáticas e constantes”.221 Assim, realizando uma

síntese da essência dos momentos histórico-jurídicos, na tentativa de resgatar os denominadores comuns, CARVALHO, fundando-se em SARMENTO e RANGEL, preleciona:

Podem-se estabelecer três momentos importantes desse resgate, referenciados por Daniel Sarmento (2004, p. 78-79) e Helano Márcio Vieira Rangel (2006, p.301-302): (1) direito natural; (2) positivismo legalista e (3) pós-positivismo. Em (1), os princípios eram tomados como axiomas jurídicos, que tinham como principal meta atingir o conceito de bem. Tal idéia foi combatida pelo segundo momento (2), o positivismo legalista (séc. XIX e XX), com a Escola da Exegese, onde os princípios eram considerados fontes meramente subsidiárias, com a função integradora ou programática, o que ocasionou um esvaziamento da sua função normativa e provocou a separação entre o Direito e a moral. Em (3) surge a força normativa autônoma e preponderante dos princípios, servindo de arcabouço para o ordenamento jurídico, retomando a racionalidade prática no Direito.222

Na fase jusnaturalista, os princípios eram dotados de dimensão ético-valorativa, mas o seu caráter normativo era quase nulo, sendo considerados verdadeiros axiomas. Em verdade, os jusnaturalistas, ao sustentarem a incompletude do ordenamento jurídico e a insuficiência da lei, justificavam o recurso ao direito natural como forma de suprir lacunas e de atribuir conteúdo moral (atrelado à ideia de justiça) ao direito posto. É exatamente aí que emergia a atuação dos princípios jurídicos. Daí alguns doutrinadores afirmarem – seja em momento jusnaturalista propriamente dito, seja na tentativa de resgatar valores, suplantando o formalismo estrito do positivismo jurídico223 – a coincidência dos princípios gerais do direito

aos princípios do direito natural.

Na fase seguinte, do positivismo jurídico (século XIX até a primeira metade do século XX), os princípios, previstos expressamente na lei ou dela induzidos, não tinham

220 Cf. ARCE Y FLÓREZ-VALDÉS, Los princípios generales..., p. 14. 221 ÁLVARES DA SILVA, Direito Coletivo do Trabalho, p. 165. 222 CARVALHO, A normatividade dos..., p. 1.

223 GIORGIO DEL VECCHIO é um exemplo de doutrinador que reduz os princípios gerais de direito a princípios de

caráter superior nem anterior à lei. Também eram destituídos de conotações valorativas, já que o enfoque predominante era o formal. Em referência ao dogma da completude do ordenamento, aos princípios era atribuída apenas a função de suprir lacunas, atuando como fonte subsidiária. Segundo GODILHO CAÑAS, os princípios sob o prisma do positivismo jurídico atuam como “válvulas de segurança”, que “garantem o reinado absoluto da lei”224. Ao

destituí-los de força normativa específica e própria, resplandecia-lhes o caráter programático, não vinculante.

Na terceira fase, a do pós-positivismo (a partir das últimas décadas do século XX), os princípios passam a atuar na atribuição de conteúdo axiológico ao positivismo jurídico, impondo o necessário realce ao conteúdo material das normas e relativizando seus aspectos puramente formais. Abandonam o conteúdo inócuo de programaticidade225 e passam

a ser dotados de força vinculante e de natureza normativa. FLÓREZ-VALDÉS esclarece:

Los principios generales son ahora una fuente supletoria, desde luego; pero, principalmente, una fuente material básica y primaria de nuestro ordenamiento jurídico, capaz de adquirir primacía, em un puro orden jerárquico, sobre la ley y la costumbre; con virtualidad para matizarlas, fuerza para generar-las, com potencialidad para invalidarlas.226

Com efeito, contemporaneamente, os princípios passam a ser tidos como antecedentes materiais ao próprio ordenamento, dotados de ascendência hierárquica sobre a lei e o costume, inclusive como força para invalidá-los. São, pois, considerados normas- chaves de todo o sistema jurídico, sobremaneira quando positivados em sede constitucional.

Importante dizer que até meados da segunda década do século XX os princípios se achavam embebidos numa concepção civilista. Somente a partir daí é que foi verificado o processo de constitucionalização dos princípios gerais do Direito. O relevo desse processo consiste, sobremodo, na reafirmação da força normativa incontrastável aos princípios, com a devida atribuição de alto grau de eficácia àqueles de matiz constitucional (sobremaneira diante da sua alocação no documento hierárquico mais alto da escala normativa de um Estado). Por certo, os princípios gerais passam de caráter pragmático, de aplicação indeterminada, para princípios constitucionais de conteúdo normativo227, com inafastável aplicação prática,

224 BONAVIDES, Curso de Direito..., 23. ed., p. 262. 225 BONAVIDES, Curso de Direito..., 23. ed., p. 286.

226 ARCE Y FLÓREZ-VALDÉS, Los princípios generales..., p. 55.

227 Segundo BONAVIDES, a constitucionalização dos princípios compreende duas fases distintas, a fase

“servindo de pautas ou critérios por excelência para a avaliação de todos os conteúdos normativos [...] convertendo igualmente em norma normarum, ou seja, norma das normas.228

Relevante colacionar entendimento de BONAVIDES:

Daqui já se caminha para o passo final da incursão teórica: a demonstração do reconhecimento da superioridade e hegemonia dos princípios na pirâmide normativa; supremacia que não é unicamente formal, mas sobretudo material, e apenas possível na medida em que os princípios são compreendidos e equiparados e até mesmo confundidos com os valores, sendo, na ordem constitucional dos ordenamentos jurídicos, a expressão mais alta da normatividade que fundamenta a organização do poder.229

Com efeito, os princípios de um ramo do Direito estão acima do próprio direito positivado, vez que lhe serve de inspiração. São mais gerais do que uma norma, porque servem para inspirá-la, para entendê-la, para supri-la e, inclusive para eliminá-la caso ela se mostre contrária à sua estrutura axiológica material.

BANDEIRA DE MELLO pontua com indiscutível pertinência:

Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório mas a todo sistema de comandos. É mais grave forma de inconstitucionalidade, conforme escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra230

(sem grifos no original).

normatividade constitucional dos princípios é mínima; na segunda, máxima. Ali, pairam ainda numa região abstrata e têm aplicabilidade diferida; aqui, ocupam um espaço onde releva de imediato a sua dimensão objetiva e concretizadora, a positividade de sua aplicação direta e imediata”. E completa: “É unicamente nesta última fase que se faz exeqüível colocar no mesmo plano discursivo, em termos de identidade, os princípios gerais, os princípios constitucionais e as disposições de princípio. [...] Em verdade, os princípios são o oxigênio das Constituições na época do pós-positivismo. E graças aos princípios que os sistemas constitucionais granjeiam a unidade de sentido e auferem a valoração de sua ordem normativa”. BONAVIDES,

Curso de Direito..., 23. ed., p. 288-9.

228 BONAVIDES, Curso de Direito..., 23. ed., p. 290.

229 BONAVIDES, Curso de Direito..., 23. ed., p. 288. O autor também resume os principais pontos da teoria dos

princípios no pós-positivismo: “Em resumo, a teoria dos princípios chega a presente fase do pós-positivismo com os seguintes resultados já consolidados: a passagem dos princípios da especulação metafísica e abstrata para o campo concreto e positivo do Direito, com baixíssimo teor de densidade normativa; a transição crucial da ordem jusprivatista (sua antiga inserção nos Códigos) para a órbita juspublicistica (seu ingresso nas Constituições); a suspensão da distinção clássica entre princípios e normas; o deslocamento dos princípios da esfera da jusfilosofia para o domínio da Ciência Jurídica; a proclamação de sua normatividade; a perda de seu caráter de normas programáticas; o reconhecimento definitivo de sua positividade e concretude por obra sobretudo das Constituições; a distinção entre regras e princípios, como espécies diversificadas do gênero norma, e, finalmente, por expressão máxima de todo esse desdobramento doutrinário, o mais significativo de seus efeitos: a total hegemonia e preeminência dos princípios”. BONAVIDES, Curso de Direito..., 23. ed., p. 294.

230 BANDEIRA DE MELLO, Curso de Direito..., p. 537-538 apud PEDREIRA DA SILVA, Principiologia do

Em sentido semelhante, BONAVIDES tece a seguinte imagem: “quem os decepa [os princípios] arranca as raízes da árvore jurídica”.231

Deste modo, por exemplo, a violação ao princípio da proteção (basilar do Direito do Trabalho, como visto) ou da norma mínima (também já referido) implica não só violação a um pontual princípio, mas também atentado gravíssimo a toda estrutura normativa do Direito do Trabalho, devendo, pois, ser prontamente extirpada, sob pena de contribuir para a própria ruína dos pilares lógicos e axiológicos do ramo juslaboral.

Consoante MATOS GONÇALVES,

[...] não há de se olvidar da importância de princípios em qualquer ramo do Direito. Mas no Direito do Trabalho eles têm importância estrutural, basilar e o seu desrespeito ou inobservância desses princípios pode desintegrar o Direito Laboral. O Direito do Trabalho, sem a observação de seus princípios, pode ser tudo, até Direito Civil, mas Direito do Trabalho, jamais.232

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