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5 A PLURALIDADE DE ORDENAMENTOS JURÍDICOS: A INTER-RELAÇÃO ENTRE

6.2 A tríade valorativa das normas jurídicas – justiça, validade e eficácia – consoante Bobbio

Segundo BOBBIO, “toda norma jurídica pode ser submetida a três valorações distintas, e estas valorações são independentes umas das outras”.626 São elas: a justiça, a

validade e a eficácia da norma. Para o autor, estas três espécies de valorações da norma correspondem a três critérios distintos da investigação jurídica – independentes, mas não excludentes entre si –, que consubstanciam, de um lado, em três funções da Filosofia do Direito e, de outro, em objetos de três ramos distintos da Ciência do Direito.

Explica-se: a norma apreciada quanto ao critério justiça (valor) corresponde à função ontológica da Filosofia do Direito e também ao próprio objeto da Filosofia Jurídica; a norma analisada quanto ao critério de validade corresponde à função fenomenológica da Filosofia do Direito e também ao objeto da Dogmática Jurídica; e a norma perquirida sob o critério da eficácia corresponde à função deontológica da Filosofia do Direito e, ainda, ao objeto da Sociologia do Direito.

REALE, por seu turno, diante da sua estruturação tridimensional do Direito, entende que “a validade de uma norma de direito pode ser vista sob três aspectos: o da validade formal ou técnico-jurídica (vigência), o da validade social (eficácia ou efetividade) e o da validade ética (fundamento)”.627 Assim, o autor engloba como requisitos da validade de

uma norma (lato sensu), isto é, para que ela seja legitimamente obrigatória: o fundamento (de ordem axiológica), a eficácia social (em virtude de sua correspondência ao querer coletivo) e a validade formal ou vigência (por ser emanada do poder competente, com obediência aos trâmites legais).628 Conclui o autor:

[...] fácil é perceber que a apreciação ora feita sobre a vigência, eficácia e

fundamento vem comprovar a já assinalada estrutura tridimensional do Direito, pois a vigência se refere à norma; a eficácia se reporta ao fato, e o fundamento expressa sempre a exigência de um valor.629

626 BOBBIO, Teoria da norma..., p. 45.

627 REALE, Fontes e modelos do Direito..., p. 105.

628 “Em resumo, são três os aspectos essenciais da validade do Direito, três os requisitos para que uma regra

jurídica seja legitimamente obrigatória: o fundamento, a vigência, e a eficácia, que correspondem, respectivamente, à validade ética, à validade formal ou técnico-jurídica e à validade social”. REALE, Fontes e

modelos do Direito..., p. 115.

Pode-se auferir, então, que ambos, BOBBIO e REALE, ao apreciarem as normas jurídicas, analisam-nas sob os mesmos três aspectos: a sua base axiológica (denominada de

fundamento, para REALE; e de justiça, para BOBBIO); o seu cunho dogmático (designada de

validade formal ou vigência, para REALE; e de puramente validade, para BOBBIO); e o caráter do seu cumprimento social (cognominada de eficácia social, para REALE; e de simplesmente

eficácia, para BOBBIO).

Tal semelhança, todavia, não representa o mesmo entendimento sobre as normas para ambos os autores. A diferença essencial entre os dois reside no fato de que para BOBBIO as três formas de apreciação das normas jurídicas (sua justiça, sua validade e sua eficácia) são independentes e não excludentes entre si. Para REALE, as três formas de apreciação das normas jurídicas integram-se, dinâmica e dialeticamente630, entre si (são interdependentes,

pois); ou seja, a validade está simultaneamente na vigência (ou obrigatoriedade formal dos preceitos jurídicos), na eficácia (ou efetiva correspondência dos comportamentos sociais ao seu conteúdo) e no fundamento (ou valores capazes de legitimar a experiência jurídica).631

Neste diapasão, ALAÔR CAFFÉ ALVES também se incumbe em estabelecer, a partir desses três aspectos da norma jurídica (justiça, validade e eficácia), a distinção teórica entre BOBBIO e REALE:

Esta forma de entender os três critérios, de modo não reciprocamente dialético, ensejou o jusfilósofo brasileiro, Miguel Reale, a considerar que Bobbio propugnava por uma concepção tridimensional genérica do fenômeno jurídico – e não tridimensional específica, de base dialética, como a dele. Assim, Bobbio caracteriza, em tese, o direito como objeto de três ciências distintas: quanto a sua formação e evolução, isto é, quanto à eficácia a que correspondem os problemas de observância, aplicação efetiva e sanção da norma jurídica (sociologia do direito); quanto a sua estrutura formal, a que corresponde à questão da validez, ou seja, aos problemas de existência da norma jurídica (jurisprudência ou ciência formal do direito), independentemente do juízo de valor que sobre ela se possa emitir; e, finalmente, quanto ao seu valor, ao qual correspondem os problemas ideais de justiça ou injustiça da norma jurídica (filosofia do direito). Estes três critérios, segundo Bobbio, são independentes entre si, no sentido de que a justiça de uma norma jurídica não e condição de sua validez ou eficácia; que a sua validez nada tem a haver com a eficácia e a justiça; e, finalmente, que a eficácia igualmente independe da validez e da justiça. Isto supõe, na opinião do jusfilósofo brasileiro Miguel Reale, a simples generalização empírica das múltiplas facetas do direito e não, conforme o culturalismo jurídico de índole neokantiana professado por este último, a expressão

630 A dialética adotada por REALE, por ele é denominada de "dialética de implicação-polaridade" ou “dialética da

complementaridade entre fato, valor e norma”. Elucida o autor: “Segundo a dialética de implicação-polaridade, aplicada à experiência jurídica, o fato e o valor nesta se correlacionam de tal modo que cada um deles se mantém irredutível ao outro (polaridade) mas se exigindo mutuamente (implicação) o que dá origem à estrutura normativa como momento de realização do Direito. Por isso é denominada também “dialética de complementaridade””. REALE, Fontes e modelos do Direito..., p. 67.

da dialética de implicação e polaridade recíproca entre aqueles aspectos, ao elevá-los a categoria de "dimensões" de um mesmo fenômeno.632

Não obstante as diferenças, pensa-se ser conciliável o entendimento dos dois autores sobre a temática, em verdade, complementares, na medida em que BOBBIO atribui uma visão mais lúcida e, paradoxalmente, mais concreta do que REALE, enquanto este atribui ao direito posto visão vanguardista, com base mais ética e valorativa, como algo inseparável.633

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