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2.3 O Direito do Trabalho na sociedade: funções histórico-teleológicas

2.3.3 As funções e os paradoxos do Direito do Trabalho

“Qual é o sistema de valores que o Direito do Trabalho pretende realizar?”140

A pergunta é colocada nesses exatos termos por NASCIMENTO em sua Introdução

ao Estudo do Direito do Trabalho, especificamente no capítulo que destina ao estudo das funções do Direito do Trabalho. Fala o autor que o estudo da temática “refere-se aos objetivos

138 PEDREIRA DA SILVA, Principiologia do Direito..., 2. ed., p. 30-1.

139 OLEA, Manuel Alonso; BAAMONDE, Maria Emília Casas. Derecho del Trabajo. Universidade de Madri,

13. ed., 1993, p. 870 apud PEDREIRA DA SILVA, Principiologia do..., p. 31.

ou propósitos do ordenamento trabalhista, tratando, portanto, de saber qual é o papel que desempenha na sociedade”.141

Com o mesmo pensamento, DELGADO inicia sua apreciação acerca das funções do ramo juslaboral, expondo que “todo Direito, como instrumento de regulação de instituições e relações humanas, atende a fins preestabelecidos em determinado contexto histórico”142,

articulando, também, que “todo Direito é, por isso, teleológico, finalístico, na proporção em que incorpora e realiza um conjunto de valores socialmente considerados relevantes”.143

Especificamente no que concerne ao Direito do Trabalho, diz o autor que o ramo juslaboral “destaca-se exatamente por levar a certo clímax esse caráter teleológico que caracteriza o fenômeno do Direito”.144

REALE, abordando o Direito de uma forma mais ampla, elucida:

[...] ao contrário das leis físico-matemáticas, as leis culturais [incluindo aqui as jurídicas] caracterizam-se por sua referibilidade a valores, ou, mais especificamente, por adequarem meios a fins. Daí sua natureza axiológica ou teleológica, não sendo demais lembrar que Axiologia significa "teoria dos valores"; e Teleologia, "teoria dos fins.145

Pode-se dizer, então, que as funções do Direito do Trabalho referem-se aos valores ou aos fins que o ramo juslaboral pretende desempenhar na sociedade. Em forma de problema, seria: Quais são os objetivos do Direito do Trabalho? Em outras palavras: Por qual razão ele emerge historicamente no mundo jurídico enquanto uma resposta à necessidade de regulamentação social? E, consequentemente, por qual razão ele permanece contemporaneamente?

Quanto à forma de aferição das funções do Direito do Trabalho, conjetura-se que deve resultar de duas análises conjugadas. De um lado, elas devem ser auferidas do seu conjunto normativo (sobremaneira, o principiológico), que estabelece a orientação finalística e axiológica da construção (criação e modificação) e a interpretação de suas próprias normas. De outro lado, elas são auferidas a partir da análise do impacto (ou efeitos) que acarreta à sociedade na qual são aplicadas em diversos momentos históricos.

Pautando-se na temática já discorrida sobre o princípio da proteção e o princípio do direito do trabalho mínimo, do conjunto normativo do Direito do Trabalho, inclusive de

141 NASCIMENTO, Iniciação ao Direito..., p. 68. 142 DELGADO, Curso de Direito..., 9. ed., p. 55. 143 DELGADO, Curso de Direito..., 9. ed., p. 55. 144 DELGADO, Curso de Direito..., 9. ed., p. 55-6. 145 REALE, Lições preliminares de Direito, p. 29.

procedência constitucional, resplandece a função central do ramo juslaboral: a tutela do

trabalhador direcionada a imprimir lhe uma melhoria progressiva (ininterrupta e sem retrocessos) das condições de contratação, econômica e social.146

Do mesmo modo, embora com sentido mais restrito (já que não reverbera a ideia de progressividade, embora reflita, em certa medida, a de vedação do retrocesso sociojurídico do trabalhador), posiciona-se DELGADO:

De fato, o ramo justrabalhista incorpora, no conjunto de seus princípios, regras e institutos, um valor finalístico essencial, que marca a direção de todo o sistema jurídico que compõe. Este valor – e a consequente direção teleológica imprimida a este ramo jurídico especializado – consiste na melhoria das condições de pactuação da força de trabalho na ordem socioeconomica. Sem tal valor e direção finalística, o Direito do Trabalho sequer se compreenderia, historicamente, e sequer justificar-se- ia, socialmente, deixando, pois, de cumprir sua função principal na sociedade contemporânea. [...] A força desse valor e direção finalístico está clara no núcleo basilar de princípios específicos do Direito do Trabalho, tornando excetivas normas justrabalhistas vocacionadas a imprimir padrão restritivo de pactuação das relações empregatícias.147

Relacionando-se diretamente a essa função central do Direito do Trabalho, doutrinadores arrolam ainda a função de tutela148, a função civilizatória e democrática149 e a

função de promover a justiça social.150

146 Em sentido semelhante, SOUTO MAIOR explana que “a regra fundamental do Direito do Trabalho é a

perseguição da melhoria progressiva da condição econômica e social do trabalhador”. SOUTO MAIOR, A supersubordinação... In: Revista do Tribunal..., p. 161. E, no mesmo diapasão, MARTINS sustenta que a finalidade do Direito do Trabalho é melhorar as condições de trabalho e sociais do trabalhador. MARTINS, Direito do

Trabalho, p. 22.

147 DELGADO, Curso de Direito..., 9. ed., p. 55-6.

148 Para NASCIMENTO, o Direito do Trabalho cumpre duas funções: a tutelar e a coordenadora das relações

individuais e coletivas do trabalho, explanando assim: “o debate sobre as funções do direito do trabalho não pode perder de vista as suas origens, nitidamente tutelares dos assalariados, inerentes à sua própria natureza, presentes em nossos dias, ao lado de imperativos de ordem econômica que acentuam a sua finalidade coordenadora entre o capital e o trabalho. Desse modo, o direito do trabalho cumpre uma função tutelar e coordenadora das relações individuais e coletivas de trabalho.” Cf. NASCIMENTO, Iniciação ao Direito..., p. 68-73.

149 DELGADO arrola como terceira função do Direito do Trabalho a civilizatória e democrática. Explana o autor:

“Cabe acrescer-se, por fim, a função civilizatória e democrática, que é própria do Direito do Trabalho. Esse ramo jurídico especializado tornou-se, na História do Capitalismo Ocidental, um dos instrumentos mais relevantes de inserção na sociedade econômica de parte significativa dos segmentos sociais despossuídos de riqueza material, e que, por isso mesmo, vivem essencialmente, de seu próprio trabalho. Nesta linha, ele adquiriu o caráter, ao longo dos últimos 150 anos, de um dos principais mecanismos de controle e atenuação das distorções socioeconômicas inevitáveis do mercado e sistema capitalista. Juntamente com isso, também dentro de sua função democrática e civilizatória, o Direito do Trabalho consumou-se como um dos mais eficazes instrumentos de gestão e moderação de uma das mais importantes relações de poder existentes na sociedade contemporânea, a relação de emprego”. DELGADO, Capitalismo, trabalho..., p 125.

150 No sentido de promoção da justiça social, SOUTO MAIOR glosa: “O Direito do Trabalho, ademais, só existe,

na qualidade de ramo autônomo do Direito, ligado à raiz do Direito Social, por conta da sua finalidade específica de impor limites ao poder econômico e promover a justiça social, que é o fundamento da garantia da paz mundial, conforme revela o preâmbulo da Constituição da OIT, fixado no Tratado de Versalhes” SOUTO MAIOR, A supersubordinação... In: Revista do Tribunal..., p. 167. Neste sentido também ÁLVARES DA SILVA,

Designadamente no que se refere à função de promoção da justiça social, convém estabelecer uma importante distinção atávica aos segmentos individual e coletivo do Direito do Trabalho.

O Direito do Trabalho (propriamente, o Direito individual do Trabalho), ao estender seu manto tutelar e regulamentador a universo cada vez maior de trabalhadores (não apenas aos subordinados clássicos151), promove um mínimo de distribuição de riquezas, o que

implica a imposição de freios e limites à justiça cumulativa abusiva e exploradora do capital sobre o trabalho.152 Nesse sentido, o Direito do Trabalho atua também na retirada do homem

da condição de absoluta miserabilidade, conferindo-lhe um mínimo de civilidade, alcançado por intermédio de também um mínimo poder aquisitivo.

De outro lado, o Direito do Trabalho (propriamente, o Direito coletivo do Trabalho), por intermédio dos movimentos reivindicativos sindicais e da negociação coletiva, quando suplementa ou completa o patamar heterônomo mínimo, sejam em termos quantitativos ou qualitativos de direitos, promove, em certa medida, a justiça distributiva, reduzindo a desigualdade socioeconômica entre os homens.

Assim, ao compreender e interpretar o Direito individual do Trabalho sempre no sentido de extensão de suas normas a universo maior de trabalhadores hipossuficientes e o Direito coletivo do Trabalho sempre no sentido de elevação quantitativa e qualitativa de direitos, fomenta-se que o Direito do Trabalho exerça efetivamente importante função de

realização da justiça social e de reafirmação da dignidade humana.

conforme se pode auferir da seguinte explanação: “A preservação do trabalho e de quem o presta, bem como as condições justas de sua prestação, são objetivos da Ciência do Direito. Para isso é que se criou o Direito do Trabalho em todos os seus ramos e subdivisões”. ÁLVARES DA SILVA, Flexibilização das relações de

trabalho, p. 19. NASCIMENTO também arrola a função social do Direito do Trabalho, contudo sem concordar com

esse papel desempenhado pelo ramo juslaboral. Cf. NASCIMENTO, Iniciação ao Direito..., p. 69.

151 O entendimento de aplicação restrita do Direito do Trabalho aos empregados clássicos (compreendidos como

aqueles que se sujeitam à subordinação jurídica na acepção clássica, isto é, de forte heterodireção patronal) ainda se mostra, pesarosamente hegemônica e, como consequência, excluem-se do manto regulamentar juslaboral diversos trabalhadores hipossuficientes.

152 DELGADO lista também como função do ramo juslaboral a modernizante e progressista, do ponto de vista

econômico e social, expressando-se com os seguintes dizeres: “Uma segunda função notável do Direito do Trabalho é seu caráter modernizante e progressista, do ponto de vista econômico e social. Nas formações socioeconômicas centrais – a Europa Ocidental, em particular – a legislação trabalhista, desde seu nascimento, cumpriu relevante papel de generalizar ao conjunto do mercado de trabalho aquelas condutas e direitos alcançados pelos trabalhadores nos segmentos mais avançados da economia, impondo, desse modo, a partir do setor mais moderno e dinâmico da econômica, condições mais modernas, ágeis e civilizadas de gestão da força de trabalho”. Contudo, salienta o autor: DELGADO, Curso de Direito..., 9. ed., p. 56. “É verdade que esse caráter progressista não se percebe com tanta clareza no caso brasileiro, em face da conformação retrograda e contraditória do modelo trabalhista do país, inspirado em padrão mais primitivo de organização socioprodutiva”. DELGADO, Curso de Direito..., 9. ed., p. 56.

Ademais, pelo exposto, explicita-se uma função específica do Direito individual do Trabalho (extensão de seu campo pessoal de aplicação) e outra do Direito coletivo do Trabalho (majoração de direitos sociotrabalhistas).

De outro lado, é necessário averiguar os impactos (ou efeitos) que acarreta o Direito do Trabalho na sociedade à qual são aplicadas suas normas ao longo dos momentos históricos.

Realizando um retrospecto histórico, de um lado, como visto, o surgimento do Direito do Trabalho está atrelado à necessidade de tutela ao trabalhador, daí resplandecendo a função eminente do Direito do Trabalho. Mas, de outro lado, o surgimento do Direito do Trabalho também está ligado à reação estatal aos movimentos sociais de cunho revolucionário, que, “baseados em teorias de cunho marxista, buscaram, pela tomada de consciência da classe proletária, a superação da sociedade de classes, com a consequente eliminação da própria classe burguesa dominante”.153

NEVES DELGADO explana:

Inevitavelmente, o Estado Liberal viu-se coagido a utilizar a estratégia da implementação de alguns direitos sociais e de práticas governamentais democráticas, incorporando à sociedade e ao Direito a voz e as pretensões dos setores socialmente desfavorecidos, na tentativa de evitar a perda de sua hegemonia no poder.154

Portanto, o Direito do Trabalho também aparece com a finalidade de contenção

de lutas operárias e como reação do próprio sistema capitalista, que age pelo instinto a favor da própria perpetuação.

Explicando: o Estado, “concedeu”155 direitos mínimos aos trabalhadores no plano

do Direito individual do Trabalho. Contudo, simultaneamente, conteve e oprimiu os movimentos operários no plano do Direito coletivo do Trabalho. Em outras palavras, contemplou os trabalhadores no plano individual e, ao mesmo tempo, tolheu e sufocou a capacidade de luta e de reivindicação no plano coletivo (ceifando a verdadeira forma de emancipação social do trabalhador).

153 SOUTO MAIOR, A supersubordinação... In: Revista do Tribunal..., p. 171.

154 DELGADO, As relações de trabalho... In: HENRIQUE; DELGADO, Terceirização no..., p. 30.

155 Em verdade, PINHO PEDREIRA esclarece que a edição de normas heterônomas para a regular os contratos

individuais do trabalho não foi simples “concessão” estatal: “No Brasil, o Direito do Trabalho não foi, como querem alguns, simples dádiva do poder. Para exemplificar, a lei de acidentes do trabalho (Lei n. 3.724, de 15 de janeiro de 1919), uma das nossas primeiras leis sociais, resultou de uma greve geral e consequente agitação operária em São Paulo, que levaram o Presidente e as bancadas daquele Estado no Congresso Nacional a solicitá-la. O grande impulso da legislação do trabalho no país a partir da vitória da revolução de 1930 decorreu

Esse caráter conservador e autoritário pode ser verificado perfeitamente no texto originário da Consolidação das Leis do Trabalho: é tutelar no que pertine aos direitos individuais trabalhistas, embora, quando de sua edição, em um contexto econômico eminentemente agrário, era inaplicável aos rurícolas (art. 7º, “b”, da CLT). E, de outro lado, é extremamente autoritária e corporativista no que se refere ao Direito coletivo do Trabalho, considerando os sindicados como longa manus do Estado, controlados, direta e efetivamente, pelo Ministério do Trabalho156 no exercício de atividades até então tidas como “serviço

público descentralizado”. É de se notar que esse cenário sofreu algumas adequações em face da promulgação da Constituição da República, em 1988.157

Por essa razão, ensina NASCIMENTO que o Direito do Trabalho é “a expressão da vontade opressora do Estado, para sufocar os movimentos operários”158 e outros doutrinadores

arrolam como funções do Direito do Trabalho a função conservadora159, ou função política

conservadora.160

Importante salientar que essa função conservadora é muito mais perceptível no plano do Direito coletivo do Trabalho, já que camuflada por concessões no plano do Direito individual do Trabalho, que, inevitavelmente, inibe a revolta e a contestação dos trabalhadores.161

da participação popular e, pois, dos trabalhadores, naquele movimento político”. PEDREIRA DA SILVA,

Principiologia do Direito..., 2. ed., p. 29.

156 Atualmente, mencionado Ministério recebe o designativo Ministério do Trabalho e Emprego.

157 Em linhas gerais, a Constituição Federal apresentou os seguintes avanços democráticos quanto ao sistema

sindical: afastou a possibilidade de interferência e intervenção do Estado nas organizações sindicais; reforçou o papel dos sindicatos na defesa dos interesses individuais e coletivos da categoria, em questões judiciais e administrativas; assegurou a liberdade sindical, através da qual ninguém será obrigado a filiar-se ou manter filiado; reforçou a importância das negociações coletivas de trabalho, com a presença obrigatória dos sindicatos profissionais; estabeleceu garantia provisória de emprego aos dirigentes sindicais e suplentes, do registro da candidatura e, se eleito, até um ano após o final do mandato. Mas, por outro lado, a Carta de 1988 manteve traços do sistema sindical anterior, de cunho corporativista, instaurado a partir da década de 1930: unicidade sindical (em anteposição à plena liberdade, preconizada pela Convenção n. 87 da OIT); o critério de aglutinação por categoria profissional (como o dominante) e critério de ofício ou profissão (para as categorias diferenciadas); o financiamento compulsório dos sindicatos; o poder normativo da Justiça do Trabalho; mecanismo de cooptação de sindicalistas, através da representação classista na Justiça do Trabalho (somente foi extirpada em 1999, com a EC 24); e as hipóteses de flexibilizar direitos trabalhistas, por intermédio da negociação coletiva (art. 7º, VI, XIII, XIV).

158 NASCIMENTO, Iniciação ao Direito..., p. 68.

159 Função inventariada por NASCIMENTO, contudo não aceita pelo autor. Cf. NASCIMENTO, Iniciação ao

Direito..., p. 68.

160 A função política conservadora é alistada por DELGADO, já que, segundo o autor, o Direito do Trabalho

“confere legitimidade política e cultural à relação de produção básica da sociedade contemporânea. A existência do Direito do Trabalho não deixa de ser, assim, um meio de legitimação cultural e política do capitalismo [...].”DELGADO, Capitalismo, trabalho..., p 126.

161 De acordo com NEVES DELGADO, “[...] o fato de os trabalhadores estarem inseridos no processo produtivo

sob uma legislação social corporativo-assistencialista, naturalmente os induziria a não contestar o sistema capitalista e o Estado de Bem-Estar Social”. DELGADO, As relações de trabalho... In: HENRIQUE; DELGADO, Terceirização no..., p. 34. Também, VIANA: “Até as contradições inerentes ao capitalismo pareciam,

Ademais, nos passos do desempenho da função conservadora, o Direito do Trabalho atua também no sentido da própria legitimação do sistema capitalista, que se baseia na exploração do capital sobre o trabalho.

VIANA aclara:

E também “em massa” eram a produção, o consumo e a própria norma trabalhista. Integrando-se ao sistema, como “uma coisa dele”, o Direito do Trabalho o legitimava, e quase se podia ver um através do outro. Mas isso nunca o impediu de ser – paradoxalmente – produto (e arma) da luta. Afinal, ele “carrega em todas as épocas o aprendizado dos dominadores e, ao mesmo tempo, os germens da resistência dos dominados.162

Convém recordar que no Brasil, quando ainda as organizações sindicais eram fortes e organizadas (década de 1960), graças à existência do ser coletivo obreiro (propiciada pela identificação dos trabalhadores com os seus pares, diante do modo de produção fordista, concentrado na grande indústria), a tendência estatal era de proibir as associações sindicais e, consequentemente, a negociação coletiva, prevalecendo o legislado. Atualmente, com o enfraquecimento dos sindicatos (graças à própria postura originária do Estado), a horizontalização da empresa (terceirizações empresariais) e as mudanças nos processos produtivos (toyotismo), a tendência é que prevaleça o convencionado.

A partir dessa breve análise das funções do Direito do Trabalho, emerge o grande paradoxo desse ramo jurídico especializado escancarado por SOUTO MAIOR: “o Direito do Trabalho constitui-se, portanto, uma forma de proteção e ampliação dos direitos da classe trabalhadora, servindo, ao mesmo tempo, à manutenção do próprio sistema”163 “[...] acabou

representando a imposição de limites necessários ao capitalismo, servindo-lhe, ao mesmo tempo, como oxigênio”.164

Sobre a última colocação do autor, é necessário explicitar outra contradição do Direito do Trabalho: ao estender seu campo pessoal de aplicação a uma generalidade maior de trabalhadores, realizando um mínimo de distribuição de riquezas, amplia-se também o campo daqueles que recebem a qualificação pessoal “consumidor”, que, inquestionavelmente, atuam como alimento (ou oxigênio) para o próprio sistema.

se não ‘resolvidas’, pelo menos ‘esquecidas’: os salários crescentes, por exemplo, serviam a um só tempo ao empresário (pois permitiam o consumo), ao Estado (que arrecadava mais), ao sindicato (que se fortalecia) e, naturalmente, aos próprios trabalhadores. Como porca no parafuso, a lei se inseria no contexto: o círculo era ‘virtuoso’”. VIANA, A proteção social do... In: PIMENTA, et al Direito do Trabalho..., p. 157.

162 VIANA, A proteção social do... In: PIMENTA, et al Direito do Trabalho..., p. 157. 163 SOUTO MAIOR, A supersubordinação... In: Revista do Tribunal..., p. 172. 164 SOUTO MAIOR, A supersubordinação... In: Revista do Tribunal..., p. 172.

Conforme constatado por BARZOTTO, esse mesmo paradoxo é verificado no plano internacional, já que a pauta funcional da OIT “traduz as necessidades de um capitalismo organizado, refletindo as demandas dos Estados mais poderosos do sistema internacional que foram, no século XIX, a Inglaterra e, no séc. XX, os Estados Unidos”.165 Dessa forma, “para

os empregadores, a participação no regime sociolaboral internacional coincidia com a necessidade de expansão do capitalismo e da grande indústria, inclinados a um internacionalismo liberal, inspirado no “New Deal” de Roosevelt e no utopismo surgido pela Declaração de 1948”.166

Pertinente aqui colacionar o posicionamento de PINHO PEDREIRA sobre as finalidades do Direito do Trabalho:

Pareceu-nos sempre que em tempo algum o fim, em última instância, do Direito do Trabalho foi a proteção ao trabalhador, pois não seria possível a existência, no regime capitalista, de um ramo do direito em contradição com os interesses da classe dirigente, enfim de um direito de classe, da classe trabalhadora, como visualizaram autores do melhor quilate. Para nós, ontem como hoje, a finalidade imediata do Direito do Trabalho é a proteção ao trabalhador mas a finalidade mediata o equilíbrio social ou, como se exprime com maior propriedade Wolfgang Daubler, “a conservação do status quo social”.167

Assim, o ordenamento jurídico laboral, em sua unidade, foi construído para atingir um objetivo imediato – conter as lutas de classes, mediante a proteção e a “concessão” de direitos ao trabalhador – e um objetivo mediato – alcançar uma suposta paz social168 e,

consequentemente, a manutenção do sistema imperante, constituído sob o desnível social e por intermédio da exploração de uns homens sobre outros.

Sob esse aspecto, deve-se atribuir razão a RAVÀ, que, segundo BOBBIO, chegou a conclusão diversa de KANTE, “de que as normas jurídicas não impõem ações boas em si mesma e portanto categóricas, mas ações que são boas para atingir certos fins, e logo

165 BARZOTTO, Direitos humanos e..., p. 73. 166 BARZOTTO, Direitos humanos e..., p. 78.

167 PEDREIRA DA SILVA, Principiologia do Direito..., 2. ed., p. 34.

168 Neste sentido a função do Direito do Trabalho, segundo VIANNA. Veja-se: “Hoje em dia, porém, o Direito do

Trabalho já não visa ao operário, como ente mais fraco da vida em sociedade, nem tem a finalidade econômica

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