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5 A PLURALIDADE DE ORDENAMENTOS JURÍDICOS: A INTER-RELAÇÃO ENTRE

5.2 As relações entre o ordenamento jurídico nacional e o internacional e consectários

Há várias possibilidades de relações de ordens normativas. Ilustra-se com as estabelecidas entre a ordem jurídica e a ordem moral, entre a ordem jurídica e a ordem religiosa, entre ordem jurídico-estatal e as ordens particulares (provenientes de instituições privadas). Entretanto, a que interessa especificamente a esta abordagem é aquela estabelecida entre duas espécies de ordens jurídicas: a interna dos Estados e a internacional.

É essencial dizer assente o caráter eminentemente jurídico do ordenamento internacional, há muito reconhecido, derivado “dos avanços teóricos e da prática internacional, sendo mesmo induvidosa ante a positividade histórica, conforme a evolução do Direito Internacional Público”.522

A partir desta assertiva, deve-se reconhecer como inquestionável o caráter jurígeno das normas internacionais do trabalho (fontes heterônomas523), encontrando em sede

522 Aqui se reconhece, de antemão, a natureza jurídica do ordenamento jurídico internacional, afastando, por

conseguinte, as teorias negativistas do Direito Internacional que, conforme MURADAS: “negam o status jurídico às relações internacionais em virtude de variados fundamentos, tais como uma pretensa ausência de sanção da norma internacional (nesta concepção a ordem internacional reporta-se a preceitos de ordem moral), a ausência ou insuficiência de instâncias judiciais (em sentido próprio) no plano internacional, bem como a assimetria nas relações entre Estados no plano internacional (esta concepção nega a própria existência da ordem internacional”. MURADAS, O princípio da..., p. 108. Especificamente acerca da coação extraestatal, REALE explana o seu

posicionamento teórico: “Nós sustentamos, em nosso livro Teoria do Direito e do Estado, que a coação existe também fora do Estado. O Estado é o detentor da coação em última instância. Mas, na realidade, existe Direito também em outros grupos, em outras instituições que não o Estado.” Completa, ainda, o seu entendimento: “O que caracteriza o Direito não é a coação efetiva, real, concreta, mas a possibilidade de coação. Não se pode contestar a possibilidade de coação no plano do Direito Internacional, que já apresenta casos de coação até mesmo juridicamente organizada. Nada exclui a possibilidade de um órgão superestatal, munido de força suficiente, para que exija dos Estados o cumprimento das normas de caráter internacional. Podemos dizer que, apesar dos pesares, a evolução no plano da comunidade internacional vai obedecer aos mesmos marcos que se apontam na evolução do Direito Privado, com uma passagem progressiva da solução armada dos conflitos para o seu superamento nos quadros do Direito”. REALE, Fontes e modelos do Direito..., p. 77; 349.

523 Existe celeuma doutrinária acerca da natureza jurídica dos tratados e convenções internacionais ratificados

pelo Brasil, se são convoladas em fontes normativas nacionais ou se mantém o status de normas internacionais. A posição teórica fundada no dualismo sustenta a natureza de fonte de direito interno derivada, já que decorreriam das próprias normas estatais, ou seja, da lei, considerada como genuína fonte originária. Cf.

constitucional referência expressa a essas espécies normativas (arts. 5º, §2º, 102 e 105 da CRFB).

Após estas elucidações propedêuticas, cabe adentrar na análise das discussões relativas às relações estabelecidas entre a ordem interna e a internacional, que, conforme MURADAS,

[...] situam-se, como se sabe, em posição central nos domínios do Direito Internacional Público. Pode-se mesmo afirmar que do problema das relações entre as fontes jurídicas nacionais e internacionais se ocupou grande parte da doutrina internacionalista no século XX. Atualmente, o tema ainda enseja inflamada discussão, à vista dos relevantes consectários práticos derivados de posições teóricas.524

É de ressaltar, abstraindo os diversos matizes doutrinários, que para a compreensão do Direito do Internacional a doutrina edificou duas principais teorias: a dualista e a monista. Da escolha e adoção de cada uma delas decorrerão consectários práticos distintos. Ilustra-se com os procedimentos relativos à própria validade formal interna e o

status hierárquico dos tratados internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil em contraponto às normas internas.

Para a corrente dualista525, a ordem interna e a internacional compõem dois

ordenamentos jurídicos distintos e independentes. “Nesta perspectiva, as ordens jurídicas nacional e internacional poderiam mnemonicamente ser representadas por dois círculos que não se tangenciam”526, incomunicáveis.

Diante de tal teorema, a norma de direito internacional para ter eficácia no plano interno deve ser internalizada (por meio de procedimentos legislativos), só depois disso passando a ter vigência interna.527

CATHARINO, Compêndio universitário..., p. 99-101. De outro lado, os filiados da teoria monista sustentam a manutenção do status de normas internacionais, mesmo quando ratificados no plano interno por Decreto Presidencial, após prévio procedimento legislativo extraordinário, que somente lhe emprestaria força executória interna, sem alteração da sua qualidade de fonte jurígena internacional. Cf. MURADAS, O princípio da..., p. 111-3.

524 MURADAS, O princípio da..., p. 108.

525 Conforme REALE: “Note-se, aliás, que a teoria dualista não exclui que possa haver relações internacionais

entre ordenamentos não estatais, e mesmo entre particulares, desde que como tais os Estados as reconheçam, expressa ou tacitamente”. REALE, Fontes e modelos do Direito..., p. 348-9.

526 As justificativas teóricas para a separação entre as ordens nacionais e ordem internacional derivariam: da

variação das fontes jurídicas (direito internacional como fruto da vontade de comum de vários Estados; nacional, fruto da vontade unilateral dos Estados); e da diversidade de categorias ou relações jurídicas sob a regência destas duas ordens jurídicas (direito internacional regularia as relações entre Estados no plano exterior; nacional, as relações dos Estado e seus cidadãos ou as formadas entre estes). Cf. MURADAS, O princípio da..., p. 108-9.

527 Nesse sentido, ÁLVARES DA SILVA, para quem o marco da vigência interna pátria dos tratados internacionais é

a aprovação pelo Congresso Nacional, via Decreto Legislativo. ÁLVARES DA SILVA, A convenção 158 da

Em face da previsão desses procedimentos legislativos de internalizar as normas internacionais, a natureza jurídica dessas normas sofreria uma mutação: passando de normas internacionais para normas internas derivadas. E, já que derivadas e subordinadas à Constituição do país, seriam dotadas de eficácia de norma infraconstitucional.

Afasta-se, por conseguinte, a possibilidade de haver conflito entre normas de direito interno e de direito internacional, posto que a norma internacional só vai ser obrigatória para o Estado se a estiver positivado no ordenamento interno. Dessa feita, os conflitos porventura existentes tratarão de conflitos entre normas internas, seguindo as regras de solução de antinomias do mesmo sistema jurídico (no caso, as propostas pelo ordenamento estatal).

Para a corrente monista, as ordens jurídicas internacional e nacional compõem um sistema jurídico único ou “universal”, havendo, pois, interdependência e inter-relação entre elas, residindo o critério distintivo apenas no que se refere a graus de manifestação (grau interno e grau internacional).

Em face desta teoria, o Estado, quando assume compromisso internacional – reverberado pelo ato de adesão do Chefe de Estado à norma de direito internacional (ratificação) –, acarreta a automática atribuição de vigência da norma internacional no plano nacional, sendo desnecessários atos legislativos internos. Logo, verifica-se a coincidência entre vigência interna e a vigência internacional.528 Além disso, constata-se também a

manutenção da natureza jurídica de norma internacional, mesmo quando aplicável à dimensão interna.529

Do ato de ratificação decorrem obrigações no plano internacional para o Estado. Entretanto, pode ou não coincidir com o marco inicial da vigência do instrumento normativo no plano internacional porquanto o próprio diploma pode prever outras condições necessárias para lhe desenvolver a vigência. Caso a vigência internacional seja imediata, coincidirá com o ato de ratificação. Caso dependa de outras condições, fala-se em vigência diferida.

528 Pelo entendimento de coincidência da vigência interna com a internacional, MURADAS. A autora conclui:

“Não implementada a condição ou termo inicial de vigência do tratado internacional (não expirado, pois o período da vacatios legis) a vigência interna fica sobrestada até que se opere a vigência internacional, salvo, é claro, se o ordenamento jurídico nacional dispuser de modo diverso”. MURADAS, O princípio da..., p. 116-121.

529 Reportando especificamente para o caso brasileiro, segundo FRAGA, a promulgação (e publicação) da norma

internacional pelo Decreto Presidencial “não convolaria esta fonte jurídica em direito nacional, eis que o decreto presidencial somente emprestaria força executória ao tratado”. Assevera a autora que, “ao aplicar a norma internacional, o Poder Judiciário aplica o próprio tratado (Direito Internacional), e não o direito nacional (o produzido, apenas, pelos órgãos internos), em que, supostamente, se tenha transformado por via do decreto de promulgação”. FRAGA, O conflito..., p. 127 apud MURADAS, O princípio da..., p. 112.

Ilustram-se tais assertivas com as convenções internacionais do trabalho, que, comumente estabelecem nos próprios textos que a vigência no âmbito internacional se dará após doze meses contados do registro de duas ratificações perante a Repartição Internacional do Trabalho. De outro lado, fixam que ela entrará em vigor no plano internacional, em relação a cada Estado-membro, doze meses após a data do registro de sua ratificação, desde que já vigore no âmbito internacional.

Como a concepção monista preconiza a existência de uma ordem jurídica única, há possibilidades de conflitos entre normas de direito internacional e de direito interno, solucionáveis com o primado do direito interno dos Estados (teoria monista com primazia do

direito interno, fundada na soberania estatal) ou com o primado do direito internacional (teoria monista com primazia do direito internacional). Note-se que a relação estabelecida aqui entre os graus de ordem jurídica (interna e internacional) se dá na forma de subordinação/supremacia de uma sobre a outra.

Aquela que pugna pelo primado do direito internacional sustenta que em caso de conflito prevalecerão as normas internacionais, inclusive sobre as constitucionais de um Estado. Esta teoria afasta a alegação de transgressão à soberania estatal, sob o fundamento de que o Estado, na adoção do tratado internacional, necessariamente manifestou o seu consentimento, mencionando, ainda, a possibilidade de denuncia.530

Essa concepção monista do direito remonta a KELSEN531, para quem a “a ordem

jurídica internacional ‘delega’ a complementação das suas próprias normas às ordens jurídicas

530 A denúncia consiste em ato volitivo unilateral por meio do qual o Estado manifesta o interesse em pôr termo à

vigência de uma norma internacional, desobrigando-se na ordem internacional. Convém dizer que aos tratados internacionais que consagram direitos humanos (inclusive, os trabalhistas) é reconhecida a natureza de ius

cogens, além da marca do princípio da progressividade e da vedação do retrocesso. Por essas razões, deve ser interpretada restritivamente a possibilidade de denúncia prevista no próprio texto das convenções internacionais do trabalho, que, usualmente, prevê a hipótese de denúncia após o prazo decenal mínimo de vigência e, de toda forma, surtindo efeitos somente após o lapso de doze meses contados da comunicação oficial do Estado-membro à Repartição Internacional do Trabalho. Fundando-se nesses argumentos, não obstante a previsão expressa da possibilidade de denúncia nos textos das convenções provenientes da OIT, MURADAS afirma que elas “[...] uma

vez ratificadas, tornam-se um limite ao poder legislativo nacional, não podendo ser denunciadas senão pela expressão de elaboração de um conjunto normativo que traduza o progresso das condições sociojurídicas dos trabalhadores nacionais”. MURADAS, O princípio da..., p. 137.

531 REALE, discorrendo sobre a fundamentação teórica desta corrente, afirma: “Alguns internacionalistas

contemporâneos, especialmente os filiados à teoria de Kelsen, sustentam, entretanto, que o Direito Internacional não pressupõe, nem lógica, nem praticamente, a existência do Estado, pois é este que não poderia existir se não houvesse uma comunidade internacional, na qual os Estados juridicamente coexistem, respeitando-se mutuamente. Para reforço dessa tese alega-se que há Direito Internacional também entre outros grupos desprovidos da qualidade estatal, e até mesmo entre indivíduos, à margem dos Estados”. REALE, Fontes e

modelos do Direito..., p. 348. Também sustentando a origem da corrente monista pelo primado do direito internacional em Kelsen, MURADAS: “Segundo Kelsen, “como a ordem jurídica internacional requer não apenas as ordens jurídicas nacionais como complementação necessária, mas também determina a sua esfera de validade em todos os aspectos, o Direito internacional e o Direito nacional forma um todo inseparável”“. KELSEN,

nacionais”532 e a esfera de validade da ordem nacional seria limitada pela própria ordem

internacional533, sendo defendida principalmente pela doutrina internacionalista.

Aquela que pugna pelo primado do direito interno534 sustenta que em caso de

conflito normativo as normas internas prevalecerão. Nesse sentido, como a Constituição de um país é considerada norma hierarquicamente superior às normas de direito internacional, ela é hábil a afastar a aplicação de tratado internacional devidamente ratificado que com ela entre em testilhas.

ÁLVARES DA SILVA lança os alicerces da primazia do Direito interno ressaltando o primado da Constituição de um país:

A ordem jurídica interna, estabelecida por processos abertos à vontade e participação popular, organiza a sociedade, o poder e os direitos fundamentais. A norma fundamental que daí deriva tem seu fundamento no próprio povo e só depois se completa na ordem internacional. É claro que os tratados não podem ad-rogar, derrogar ou, de qualquer forma, mudar esta norma fundamental. Pois retiraria da própria o direito de autodeterminar-se em primeiro lugar. A modificação das constituições pelos tratados importaria na instabilidade da ordem interna e no risco da própria alienação popular as colocaria ao sabor dos governantes da época, das representações internacionais nem sempre confiáveis que poderiam negociar interesses superiores e inalienáveis do próprio país.535

Há ainda a corrente monista mista, sustentada principalmente pela doutrina constitucionalista. Para esta linha teórica, quando as normas internacionais ratificadas pelo Brasil dispuserem sobre qualquer matéria equivalerão às leis infraconstitucionais (notadamente às leis federais, por força do entendimento pela equiparação entre as normas auferido da literalidade do art. 102, III, b536, da CRFB). Então, nesse caso, conforme

532 KELSEN, Teoria geral do..., p 495.

533 Explica KELSEN: “O resultado de nossa análise dos chamados elementos do Estado é o de que as esferas de

validade territorial e pessoal da ordem jurídica nacional, a existência territorial e pessoal do Estado, são determinadas e delimitadas em relação a outros Estados pelo Direito internacional segundo o principio de eficácia”. KELSEN, Teoria geral do..., p. 498.

534 Quanto à origem da corrente monista com primazia do direito interno, segundo MURADAS, remonta a Hegel, a

“ideia de supremacia da vontade do Estado no direito internacional pode ser inferida na passagem dos Princípios

da filosofia do direito de Hegel. Leia-se: “Porque os Estados, em sua situação recíproca de independência, são como vontades particulares, porque a validade dos tratados assenta nessas vontades, e porque a vontade particular de um todo é, em seu conteúdo, o bem desse todo; é esse bem que constitui a lei suprema do seu comportamento para com outrem, tanto mais que, por um lado, a ideia de Estado se caracteriza pela supressão do contraste entre o direito, como liberdade abstrata, e o bem, como conteúdo particular realizado, e por outro lado, o reconhecimento inicial dos Estados é dado como realidades concretas”. HEGEL, Princípios da filosofia..., §336 apud MURADAS, O princípio da..., p. 110.

535 ÁLVARES DA SILVA, A convenção 158 da OIT, p. 24.

536 Art. 102, III, b, da CRFB: “Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição,

cabendo-lhe: III - julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida: b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal”.

defendido pela teoria monista com primazia do direito interno, haverá prevalência do direito interno.

Quando, todavia, as normas internacionais dispuserem sobre direitos humanos (aqui incluindo os trabalhistas), terão o status de norma materialmente constitucional, acarretando, por conseguinte, sua aplicabilidade imediata e a natureza de cláusula pétrea (cf. art. 60, §4º537, da CRFB), à semelhança da teoria monista com primado do direito

internacional.

É de destacar que essa interpretação específica e diferenciada para o caso dos tratados e convenções internacionais que versam sobre direitos humanos538 decorre do art. 4º,

II539, da CRFB, que estabelece a prevalência dos direitos fundamentais para a República

Federativa do Brasil, e do art. 5º, §2º, da CRFB, que prescreve: “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.”

Contudo, o Supremo Tribunal Federal rejeita expressamente a aplicabilidade imediata dos tratados internacionais e o status de norma constitucional, ainda os que versem sobre direitos humanos, exigindo, para que eles tenham vigência interna, a incorporação conforme os ritos previstos na Carta de 1988.540

Colocando de certa forma um fim nesta discussão, a EC 45/2004 acrescentou o §3º ao art. 5º da CRFB, prescrevendo: “os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.”

Em um primeiro momento, a interpretação do citado dispositivo constitucional foi no sentido de ter atribuído força à teoria monista mista (a sustentada pelos constitucionalistas), posto que somente quando as normas internacionais versarem

537 Dispõe o §4º do art. 60 da CRFB: “Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I -

a forma federativa de Estado; II - o voto direto, secreto, universal e periódico; III - a separação dos Poderes; IV - os direitos e garantias individuais”.

538 BARZOTTO conceitua direitos humanos “como o reconhecimento de direitos à pessoa enquanto pessoa,

derivados da dignidade própria da condição humana. Direitos humanos dos trabalhadores, por conseqüência, são os fundados na dignidade da pessoa humana nas suas dimensões jurídicas, políticas e econômicas.” BARZOTTO, Direitos humanos e..., p. 21.

539 Art. 4º, II, da CRFB: “A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos

seguintes princípios: II - prevalência dos direitos humanos”.

540 Cf. Recurso Extraordinário 80.004/SE, DJ 29.12.1977; Habeas Corpos 72.131/RJ, DJ 01.08.2003; Habeas

sobre direitos humanos poderão ser equivalentes às emendas constitucionais, passando a ser não só “materialmente” constitucional, mas também “formalmente” constitucional, ainda, com a alteração subordinada ao art. 60, §4º, da CRFB (cláusula pétrea).

Entretanto, os efeitos da positivação desse dispositivo restringiram a interpretação progressista há muito afiançada pelos doutrinadores defensores dos direitos humanos. Ora, diante dessa alteração constitucional, somente os tratados aprovados depois da EC 45/04 é que poderão ser equiparados às emendas constitucionais e, mesmo assim, desde que atendidas as formalidades de incorporação no direito interno (aprovação em dois turnos, com três quintos, em cada Casa do Congresso Nacional). Dessa forma, ao invés de a alteração constitucional a priori atribuir força constitucional às normas internacionais sobre os direitos humanos, independentemente de formalidades específicas de aprovação, de fato, dificultou a atribuição de status constitucional a esses tratados.

Então, necessário sintetizar como os tratados e convenções internacionais podem incorporar-se ao ordenamento interno, de acordo com a forma como foram aprovados pelo Congresso Nacional e segundo entendimento do STF.

Em se tratando de normas internacionais que versem sobre direitos humanos, primeira hipótese: se aprovados em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equiparados à emenda constitucional, formal e materialmente, e com alterações subordinadas ao art. 60, §4º, da CRFB (cf. §3º, art. 5º, CRFB). Isso, indubitavelmente, atribui força ao entendimento de que a Constituição de 1988 é da modalidade aberta.

Segunda hipótese: se o tratado internacional não alcançar o quórum de aprovação necessário à aquisição do status de emenda constitucional e for aprovado pela maioria simples, conforme recente decisão do STF541, terá o caráter supralegal.542

Explica-se: será hierarquicamente superior às normas infraconstitucionais e inferior à Constituição da República. Dessa maneira, afasta-se a possibilidade de uma norma interna posterior suspender a eficácia de um tratado de direitos humanos anteriormente incorporado na ordem interna (claro, quando este mais tutivo).

541 STF, RE-466343; RE-349703; HC-87585, Sessão de 3.12.2008.

542 Salienta-se que a tese da supralegalidade dos tratados internacionais ratificados pelo Brasil já foi positivado

na ordem jurídica pátria, conforme se aufere do art. 98 do Código Tributário Nacional: “Os tratados e as convenções internacionais revogam ou modificam a legislação tributária interna, e serão observados pela que lhes sobrevenha”.

Relevante mencionar que esse status de supralegalidade é atribuído às normas internacionais que versem sobre direitos humanos, mesmo que aprovadas pelo Congresso Nacional anteriormente à introdução do §3º ao art. 5º da CRFB.

Quanto aos demais tratados internacionais ratificados pelo Brasil que não versem acerca dos direitos humanos, eles são incorporados à ordem jurídica nacional

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