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5 A PLURALIDADE DE ORDENAMENTOS JURÍDICOS: A INTER-RELAÇÃO ENTRE

5.3 As normas de Direito Internacional do Trabalho

5.3.1 O princípio da progressividade e o princípio da vedação do retrocesso no Direito Internacional

Internacional do Trabalho

MURADAS, a partir da dinâmica dos tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos (incluídos os trabalhistas), amparada em moderna doutrina defensora e afirmadora dos direitos humanos579 e respaldada por diversidade de documentos normativos

internacionais do trabalho580, difunde o princípio da vedação do retrocesso sociojurídico581 ao

trabalhador no âmbito do Direito Internacional do Trabalho como consectário direito do princípio da progressividade.

Justifica a autora o seu recurso interpretativo para a formulação da reserva implícita do retrocesso sociojurídico do trabalhador na esfera do Direito Internacional do Trabalho: na natureza jurídica dos direitos dos trabalhadores firmados na instância internacional, na razão de ser das convenções internacionais do trabalho (ratio legis), nas finalidades deste espécime normativo (telos) e, especialmente, nas disposições constitucionais da Organização Internacional do Trabalho.582

Dessa forma, assevera e conclui:

Os direitos humanos, com lastro nos valores universais da dignidade da pessoa,

liberdade, igualdade e fraternidade que figuram como conquistas históricas definitivas da humanidade, reclamam uma tutela vigorosa. Relativamente aos direitos econômicos, sociais e culturais exige-se ainda uma realização sempre

progressiva, razão pela qual acerca destes direitos não pode admitir o retrocesso.583

Contudo, o princípio da vedação do retrocesso não se restringe ao domínio do Direito Internacional do Trabalho. No prisma do Direito Constitucional, CANOTILHO formula o princípio da proibição do retrocesso social da seguinte maneira:

579 Exemplificam-se com os seguintes nomes: Cançado Trindade, Nicolas Válticos, Flávia Piovesan, Antônio

Boggiano, Massimiliano Delfino, Celso Lafer e José Joaquim Gomes Canotilho, entre outros.

580 Ilustram-se com alguns documentos internacionais nos quais a autora baseia sua tese de progressividade da

proteção da pessoa humana e da reserva implícita do retrocesso sociojurídico do trabalhador: art. 30 da Declaração de Direitos do Homem, art. 5º do Pacto de Direitos Civis e Políticos (1966), art. 5º do Pacto de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966), Diploma Internacional de Proteção aos Direitos Humanos de Teerã (1968), Diploma Internacional de Proteção aos Direitos Humanos de Viena (1993), art. 29 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, art. 1.1 da Convenção contra a Tortura, art. 41 da Convenção sobre os Direitos da Criança e art. 19, VIII, da Constituição da OIT.

581 Também designado de cláusula de proibição de evolução reacionária, regra do não retorno da concretização,

princípio da proibição da retrogradação. Cf. FILETI, O princípio da..., Jus Navigandi.

582 MURADAS, O princípio da..., p. 126. 583 MURADAS, O princípio da..., p. 126.

O núcleo essencial dos direitos sociais já realizado e efetivado através de medidas legislativas deve considerar-se constitucionalmente garantido, sendo inconstitucionais quaisquer medidas estaduais que, sem a criação de outros esquemas alternativos ou compensatórios, se traduzam na prática numa ‘anulação’, ‘revogação’ ou ‘aniquilação‘ pura e simples desse núcleo essencial. A liberdade do legislador tem como limite o núcleo essencial já realizado.584

Já no âmbito do Direito pátrio, argumenta FILETI:

O princípio tem sede material na Constituição brasileira de 1988, decorrendo dos princípios do Estado social e democrático de direito, da dignidade da pessoa humana, da máxima eficácia e efetividade das normas definidoras de direitos fundamentais, da segurança jurídica e da proteção da confiança, do valor social do trabalho e da valorização do trabalho humano. Além disso, o princípio decorre da imposição constitucional de ampliação dos direitos fundamentais sociais, da redução das desigualdades sociais e da construção de uma sociedade marcada pela solidariedade e pela justiça social. Levam-se em consideração, ainda, a tendência do direito internacional de progressiva implementação efetiva da proteção social por parte dos Estados e o argumento de que a negação do princípio significaria que o legislador dispõe do poder de livremente tomar decisões, ainda que em flagrante desrespeito à vontade expressa do legislador constituinte.585

Aufere-se, então que a “noção de vedação do retrocesso social está de maneira indissolúvel vinculada à noção de progresso, que por sua vez se define como “marcha adiante, movimento em uma direção definida”.586 Além disso, atua inquestionavelmente como limite

material à edição normativa, mormente aquela tendente a precarizar, reduzir ou suprimir direitos humanos.

Por essa razão, comumente são arrolados dois principais conteúdos do princípio da vedação do retrocesso social: o positivo e o negativo. O conteúdo positivo reside no dever de o legislador perseverar no propósito de ampliar, progressivamente e de acordo com as condições fáticas e jurídicas, o grau de concretização dos direitos fundamentais sociais, “não se trata de mera manutenção do status quo, mas de imposição da obrigação de avanço social”.587. O negativo refere-se à imposição ao legislador de, na atividade legiferante,

respeitar a não supressão ou a não redução do grau de densidade normativa que os direitos fundamentais já tenham alcançado por meio do arcabouço normativo-positivo.588

Analisando o princípio da progressividade no domínio do Direito Internacional dos direitos humanos, assinala MURADAS:

584 CANOTILHO, Direito Constitucional, p. 468. 585 FILETI, O princípio da..., Jus Navigandi. 586 MURADAS, O princípio da..., p. 20. 587 Cf. FILETI, O princípio da..., Jus Navigandi. 588 Cf. FILETI, O princípio da..., Jus Navigandi.

[...] o princípio da progressividade dos direitos sociais, concebido no domínio teórico do Direito Internacional dos direitos humanos, enuncia o compromisso

internacional dos Estados promoverem, no máximo de seus recursos disponíveis, a proteção da pessoa humana em sua dimensão econômica, social e cultural. Pelo Princípio da progressividade dos direitos humanos de caráter econômico, social e cultura, vincula-se a atividade legiferante nacional ao progresso ininterrupto das

condições de proteção à pessoa humana na sua dimensão social, sendo juridicamente inviável a eliminação dos padrões sociais já estabelecidos, sem a correspondente criação de um conjunto normativo compensatório e qualitativamente mais vantajoso.589

Demais, vislumbra-se que a ideia de progressividade no campo do Direito do Trabalho atua como diretriz em dois sentidos não excludentes: o horizontal e o vertical. O primeiro é atribuído como função do Direito Individual do Trabalho e o segundo, como função do Direito Coletivo do Trabalho.

A progressividade horizontal em matéria justrabalhista deve ser verificada e perquirida sobremaneira pelo segmento individual do Direito do Trabalho, no sentido de extensão do seu manto tutelar regulamentador a universo cada vez maior de trabalhadores (não apenas aos subordinados clássicos). Nesse aspecto, o princípio da progressividade exercido pelo Direito individual do Trabalho atua na promoção de um mínimo de distribuição de riquezas; na retirada de maior número de pessoas da condição de absoluta miserabilidade, conferindo-lhes um mínimo de civilidade, alcançada por intermédio de também um mínimo poder aquisitivo; e na imposição de freios e limites à justiça cumulativa abusiva da exploração do capital sobre o trabalho.

Por outro lado, a progressividade vertical em matéria justrabalhista deve ser processada e buscada com esmero sobremaneira pelo segmento coletivo do Direito do Trabalho e pelos movimentos reivindicativos sindicais e da negociação coletiva. Nessa dimensão, o princípio da progressividade atua na elevação do patamar heterônomo mínimo, seja em termos quantitativos ou qualitativos de direitos, promovendo, em certa medida, a justiça distributiva e reduzindo a desigualdade socioeconômica entre os homens.

O princípio da progressividade, desempenhado nesses dois sentidos complementares (horizontal e vertical), fomenta que o Direito do Trabalho exerça efetivamente importante função de realização da justiça social e reafirmação da dignidade humana.

O princípio da vedação do retrocesso no Direito do Trabalho, além de ser consectário do da progressividade, tem matizes outras, também de fundo principiológico: o princípio da proteção, o princípio da norma mínima e o princípio da norma mais favorável.

Decorre, primeiramente, do princípio da proteção, que, como visto, é a gênese do Direito do Trabalho, ponto de partida para a formação do Direito do Trabalho, o fio condutor para seu desenvolvimento e motriz para a sua existência, sem o qual o ramo juslaboral perde seu sentido ontológico, teleológico e axiológico.

O princípio da vedação do retrocesso deriva, ainda, do princípio da norma mais favorável, que atua como critério de aplicação das normas do Direito do Trabalho e como limite material dessa normatividade, fixando limites ao detentor do poder normativo na escolha do repertório normativo.

Ele resulta também do princípio da norma mínima, que afiança o entendimento de que as normas do Direito do Trabalho, irrenunciáveis e imperativas, são instituidoras de um rol mínimo de direito deferidos aos trabalhadores, gravados pela inderrogabilidade.

O princípio da vedação do retrocesso também provém da função central desempenhada pelo Direito do Trabalho – a tutela do trabalhador direcionada a imprimir uma melhoria progressiva (ininterrupta e sem retrocessos) das condições de contratação, econômica e social do trabalhador –, que, por sua vez, é auferida do conjunto normativo do Direito do Trabalho, inclusive de procedência constitucional (ilustra-se com os arts. 7º, caput, e 1º, III e IV, da CRFB).

Pode-se enunciar, então, que o princípio da proibição do retrocesso social tem por escopo a vedação da supressão ou da redução de direitos fundamentais econômicos, sociais e culturais já incorporados ao patrimônio jurídico dos homens. Assim, atua na preservação de um patamar jurídico-normativo já conquistado, na defesa contra sua restrição ou supressão arbitrária e despropositada.

Com efeito, ele opera na proteção do núcleo essencial e intangível dos direitos fundamentais, inclusive os trabalhistas, coadunando-se com a tutela à dignidade do homem pugnada pelo Estado Democrático de Direito. Por essa razão, leciona CANOTILHO: “os direitos socais e econômicos (ex: direito dos trabalhadores, direito à assistência, direito à educação), uma vez alcançados ou conquistados, passam a constituir, simultaneamente, uma garantia

institucional e um direito subjetivo”.590

6 AS NORMAS DO DIREITO DO TRABALHO: DETIDO ENFOQUE

NAS PROVENIENTES DOS INSTRUMENTOS DA NEGOCIAÇÃO

COLETIVA DE TRABALHO

Após a compreensão do Direito enquanto ordenamento jurídico, composto por pluralidade de normas oriundas de diversificadas fontes, necessário, neste momento, investigar alguns aspectos das normas jurídicas, a fim de alcançar adequada compreensão daquelas oriundas dos instrumentos decorrentes da negociação coletiva de trabalho.

Em um primeiro momento, são apreciadas as características de “imperatividade” e de “infastabilidade” das normas do Direito do Trabalho, das quais decorre o princípio da

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