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57alheia à atividade industrial, sendo ligada apenas à distinção social e aos privilégios da elite;

No documento As ambiguidades da doutrina (páginas 59-63)

(3) o pouco interesse do empresariado em temas como educação, ciência e tecnologia; (4) a facilidade e suposta liquidez da prática da cópia de modelos de produtos estrangeiros; (5) o imediatismo do empresariado, e a correlata indisposição do mesmo para envolvimentos de longo prazo com pesquisa e desenvolvimento de produtos (leon: 2006).

É preciso considerar ainda que tais fatores podem estar associados a uma diferença es- sencial entre as duas modalidades do design que eram ensinadas no iaC±RGHVLJQJUi¿FRRX visual, e o design de produtos –, das quais a primeira é mais próxima da publicidade, sendo sua implantação mais barata para as empresas (já que poderiam ser contratados consultores ou agências, ao invés de funcionários permanentes), além de mais rapidamente lucrativa. Já o design de produtos é uma atividade ligada à inovação técnica, que exige investimentos de médio prazo com pesquisa e desenvolvimento, a realização de experimentos e modelos, além da disponibilidade para abandonar ou reiniciar projetos.

Três fatores corroboram as hipóteses da autora sobre o fechamento do iaC, em face do desinteresse geral do empresariado paulistano. O primeiro fator diz respeito à continuidade da outra escola mantida pelo masp – a escola de propaganda – que, mesmo tendo se desvinculado do museu, continuou suas atividades sob outros auspícios, tendo se transformado na Escola Superior de Propaganda e Marketing, que atualmente mantém sedes também no Rio de Janei- ro, Porto Alegre e Brasília, oferecendo, inclusive, cursos de graduação em design. Leon ressalta que o mesmo não ocorreu com o curso de desenho industrial do iaC, e que a continuidade e o ÀRUHVFLPHQWRGDHVFRODGHSURSDJDQGDLQGLFDPTXHDVSUiWLFDVGDSXEOLFLGDGHSDUHFLDPPXLWR mais interessantes aos empresários do que as práticas ligadas ao desenho de produtos, pois a compreensão dos mesmos a respeito do design aproximava esta atividade da publicidade, dada a capacidade representacional de ambas as práticas. Segundo esta visão, o que interes- sava mais aos empresários brasileiros dizia respeito ao estilo dos produtos, ao seu estatuto de “adorno moderno” e à viabilização da “imitação construtiva”, prática exercida largamente pelo empresariado brasileiro.

O segundo fator diz respeito à absorção dos designers egressos do iaC-masp quase que tão somente por empresários com sólida formação cultural ou membros de famílias ligadas à cultura, tais como Ademar Manarini (industrial e artista concretista, que levou o design para VXDHPSUHVD(TXLSHVFDDSDUWLUGRFRQWDWRFRPDDUWH -RVp0LQGOLQ LQGXVWULDOHELEOLy¿OR que contratou Alexandre Wollner para desenhar a identidade visual da Metal Leve) e Aldo Magnelli (irmão do artista plástico Alberto Magnelli e proprietário da indústria moveleria Se- curit).

O último fator é fruto de uma comparação entre a experiência brasileira do iaC com o célebre design italino (lembrando que a Itália é a terra natal de Pietro Bardi), cuja explicação QmRUHPRQWDDRHQVLQRSUR¿VVLRQDO WDOFRPRQR%UDVLO HVLPjDVVRFLDomREHPVXFHGLGDHQWUH

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artistas e arquitetos de um lado, e empresários de outro. Essa breve nota, sobre a disposição intelectual e cultural do empresariado italiano para a inovação, aponta, por contraste, para a HVSHFL¿FLGDGHGRPRGHORLPSRVWRSRU%DUGLHP6mR3DXORHWDPEpPSRURXWUDVLQVWLWXLo}HV que serão discutidas a seguir. Trata-se da diferença entre duas dinâmicas distintas: (1) aquela QDTXDORÀRUHVFLPHQWRGRGHVLJQVHGiGHPDQHLUDRUJkQLFDDSDUWLUGDFRQMXQWXUDVHGDV práticas produtivas em curso, sendo gestada nas mentes e mãos de seus efetivos praticantes e (2) aquela levada a cabo por instituições destinadas a impor, de cima para baixo e de fora para dentro, supostas verdades a serem seguidas pelo setor produtivo, para o alcance de um ideal de nação.

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Pouco mais de um ano depois do encerramento das atividades do iaC-masp em São Paulo, tiveram início, em 1953, no Rio de Janeiro, os preparativos para a implantação do ensino regu- lar do design naquela cidade, que, anos mais tarde, redundaram na fundação da Escola Supe- rior de Desenho Industrial (esdi). Em seus primórdios, a iniciativa que deu origem à esdi era vinculada ao campo artístico/museológico, assim como no caso do iaC-masp: trata-se da Escola Técnica de Criação (etC) do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, cujos planos foram conduzidos por suas diretoras executivas, Niomar Muniz Sodré e Carmen Portinho, a partir dos contatos com o artista plástico e designer suíço Max Bill, egresso da prestigiosa Bauhaus47

e um dos principais expoentes da Arte Concreta, que esteve no Brasil em 1953 para participar do júri da II Bienal de São Paulo. Segundo relata niemeyer (1998) Max Bill teria reconhecido no Rio de Janeiro as condições culturais favoráveis à criação de uma escola de artes alinhada com a ideia de progresso, e empenhada em conciliar arte e produção industrial com vistas à elabo- ração de uma estética moderna. Naquele período Bill estava engajado na implantação de outro empreendimento educacional – a Escola Superior da Forma de Ulm48, na Alemanha que, con-

IRUPHYHUHPRVH[HUFHXJUDQGHLQÀXrQFLDQDRUJDQL]DomRGRHQVLQREUDVLOHLURGHGHVLJQ

47. Trata-se da escola de artes, arquitetura e design, que funcionou na Alemanha entre 1919 e 1933, e que se WUDQVIRUPDGRQXPGRVFkQRQHVHVWpWLFRVH¿ORVy¿FRVSDUDRVFDPSRVFRUUHODWRVDRORQJRGRVpFXOR;; 48. A Escola Superior da Forma de Ulm funcionou em Ulm, na Alemanha, entre 1953 e 1968. Foi fundada em memória dos irmãos Hans e Sophie Scholl, que eram membros do grupo antinazista Rosa Branca, e que foram executados pelo regime de Hitler em 1943. Inicialmente idealizada como um instituto de estudos sociais, a Escola de Ulm foi convertida numa escola de design, com vistas a recuperar o ideário humanista da Bauhaus. De acordo com alguns de seus críticos, no entanto, ao longo de seu funcionamento, a Escola de Ulm teria abandonado os preceitos bauhausianos para adotar a razão instrumental como fundamento de seu ensino.

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De acordo com niemeyerDLPSODQWDomRGD(VFROD7pFQLFDGH&ULDomRFRQ¿JXURXVHFRPR

uma oportunidade para o mam-Rio consolidar seu papel ativo no processo da modernização brasileira, tanto em termos estéticos quanto econômicos, o que era de enorme interesse dos intelectuais e empresários ligados à sua fundação e ao seu funcionamento. De acordo com os relatos dessa autora, e também de souza (1996), alguns passos essenciais foram concretizados com vistas à instalação da etC-mam: (1) as adaptações arquitetônicas realizadas no projeto original do museu, inaugurado em janeiro de 1958 por Juscelino Kubitschek; (2) a formu- lação de planos educacionais, para os quais contribuíram os professores da Escola Superior da Forma de Ulm Max Bill e Tomas Maldonado49 – este último contratado pelo mam-Rio

para elaborar uma proposta curricular para a etC; (3) a adoção de critérios de admissão e de concessão de bolsas de estudo, inclusive para alunos de outros países da América Latina; (4) o plano de aproximação da etC-mam com o setor produtivo; (5) a realização de alguns cursos isolados em 1959 e 1960 (comunicação visual, ministrado por Tomas Maldonado50 e por Otl

Aicher51HJUi¿FDH[SHULPHQWDOPLQLVWUDGRSRU$OH[DQGUH:ROOQHUH$ORtVLR0DJDOKmHV 1LH-

meyer menciona a boa receptividade do projeto pela Unesco, então empenhada em fomentar o papel educativo dos museus e a modernização por meio da educação industrial, e a aceitação do projeto da etC-mam pela elite carioca.

No entanto, apesar de todos esses bem sucedidos encaminhamentos, ambos os autores re- latam que o mam5LRQmRWLQKDIRQWHVGH¿QDQFLDPHQWRVX¿FLHQWHVSDUDHTXLSDUDHVFRODHUH- munerar os professores, o que impediu o início de seu funcionamento. Os planos do mam para a Escola Técnica de Criação foram então assumidos pelo Governo do Estado da Guanabara, particularmente por dois de seus membros, interessados no caráter vanguardista da escola: o governador udenista Carlos Lacerda, a quem interessava associar seu mandato a projetos ino- vadores para fazer frente ao tom desenvolvimentista do governo de Juscelino, e o então secre- tário de Educação e Cultura, Carlos Flexa Ribeiro, a quem Carmen Portinho teria atribuído a intenção de ser o futuro governador, e para quem, portanto, seria desejável ter entre suas realizações como político a implantação de um empreendimento de vanguarda tal como uma escola de desenho industrial (niemeyer: 1998, 79-81).

&RQIRUPH¿FDUiPDLVFODURQRSUy[LPRVHJPHQWRGHVWHWH[WR0D[%LOOH7RPiV0DOGRQDGRHUDPGHIHQVRUHV de visões incompatíveis sobre o ensino, a prática e o estatuto cultural do design/desenho industrial.

50. Tomás Maldonado (Argentina, 1921-) é artista plástico, designer industrial e teórico do design; foi um dos diretores da Escola Superior da Forma de Ulm, circunstância que o levou a elaborar suas principais ideias para o campo, e que consistem num dos cânones do pensamento em design do século XX. (Woodham: 2004).

2WO$LFKHU $OHPDQKD IRLXPLPSRUWDQWHGHVLJQHUJUi¿FRDOHPmRIRLXPGRVFRIXQGDGRUHVGD Escola Superior da Forma de Ulm, da qual foi também um de seus diretores; foi autor de projetos visuais para grandes corporações, dentre elas, a Lufthansa. Seu mais importante trabalho foi o sistema de identidade visual para os Jogos Olímpicos de Munique (1972). Foi casado com Inge Scholl, irmã de Sophie e Hans Scholl, os irmãos executados pela Gestapo em 1943, por fazerem questionamentos ao regime nazista, e em memória dos quais foi fundada a referida Escola de Ulm. (Woodham: 2004; lindinger: 1991)

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De acordo com souza (1996), é possível atribuir a Carlos Flexa Ribeiro um papel de grande relevância nesse processo, pois antes de ser secretário de Estado da Educação e Cultura, ele foi Diretor Executivo do mam-Rio , conhecendo assim todos os detalhes do processo de implan- tação da etC-mamLQFOXVLYHDLPSRVVLELOLGDGHGH¿QDQFLDPHQWRGDHVFRODHPORQJRSUD]R

2XWUDSHUVRQDOLGDGHGHJUDQGHLQÀXrQFLDHWDPEpPPHPEURGRFRQVHOKRGRPXVHXIRL Lamartine Oberg, diretor do Instituto de Belas Artes (iba), a quem o Ministério das Relações ([WHULRUHVWHULD¿QDQFLDGRHPXPDLPSRUWDQWHYLDJHPj(XURSDFRPYLVWDVDFRQKHFHU experiências de ensino de design para fundamentar a sua intervenção junto ao mam-Rio (nie- meyer: 1998; souza: 1996). Em tal viagem ele teria sido recepcionado por Tomas Maldonado na Escola Superior da Forma, em Ulm; teria ainda conhecido a Kunstgewerschule (em Zurique, Suíça) e o Royal College of Arts (em Londres, Inglaterra); teria também se reunido com Max Bill. De acordo com souza (1996, 11-12), os argumentos elaborados por Oberg a partir dessa YLDJHPIRUDPHQFDPLQKDGRVD&DUORV)OH[D5LEHLURHDRJRYHUQDGRU&DUORV/DFHUGDLQÀXHQ- ciando a ambos na decisão de darem continuidade, no âmbito do governo estadual, à empreita- da iniciada pelo mam-Rio. Souza sugere que o empenho de Oberg era movido pelo seu interesse em obter o aval governamental para instalar o curso de desenho industrial na instituição que dirigia, pois, uma vez implantado no iba, tal curso garantiria a credibilidade pública da qual a escola não desfrutava.

$LQÀXrQFLDGRUHODWyULRGH/DPDUWLQH2EHUJVREUHRJRYHUQDGRU&DUORV/DFHUGDHRVHFUH- tário Flexa Ribeiro fez com que o iba passasse a ser visto como a instituição mais adequada para implantar o curso de desenho industrial, sendo Oberg nomeado integrante de um grupo de trabalho responsável por discutir a questão, juntamente com os arquitetos Sérgio Bernardes, Maurício Roberto – então presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil – e Wladimir Alves de Souza – então diretor na Faculdade Nacional de Arquitetura.

Niemeyer menciona que, na continuidade do processo, novas viagens foram realizadas por Oberg à Europa e aos Estados Unidos, com vistas a apresentar os planos da nova escola a GLULJHQWHVGHRXWUDVLQVWLWXLo}HVVLPLODUHVEHPFRPRSDUDDQJDULDUDSRLRSROtWLFRH¿QDQFLD- mentos junto à Unesco e outros organismos. Além disso, os preparativos para este curso con- taram com a consultoria de Joseph Carreiro, então diretor da Escola de Desenho Industrial do 0XVHXGD)LODGpO¿DHFRPDDVVHVVRULDGDHPSUHVD&RQVXOWHF52, que desaconselhou o projeto

por considerar prematura a implantação de tal escola diante da precária realidade industrial brasileira, e também por entender que os futuros egressos da escola estariam condenados ao

52. A Consultec foi uma consultoria com ampla penetração na máquina burocrática brasileira; um de seus co- laboradores foi o economista Mario Henrique Simonsen, que foi também Ministro da Fazenda (governo Geisel) e Ministro do Planejamento (governo Figueiredo); a empresa prestava serviços diversos ao poder público e ao setor privado, preparando projetos de lei, acordos comerciais e assessorando políticos e parlamentares com discursos e planos de ação. Em seu livro EsdiELRJUD¿DGHXPDLGpLD, souza (1996) faz uma crítica detalhada ao parecer em questão, apontando várias de suas inconsistências.

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No documento As ambiguidades da doutrina (páginas 59-63)

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