• Nenhum resultado encontrado

99como iniciativas de caráter ecológico, fornecendo um fundamento anacrônico à ideologia da

No documento As ambiguidades da doutrina (páginas 101-105)

qualidade de vida ímpar oferecida por Curitiba aos seus moradores. No discurso disseminado pela prefeitura, todos os aspectos da cidade eram ecológicos, dos ônibus aos parques, passando pela menta-lidade que conduzia a administração pública.

Um dos aspectos dessa construção discursiva diz respeito à coleta seletiva do lixo, que teve início com os programas Lixo que não é lixo e Câmbio Verde, sendo este último lançado para viabilizar a coleta de lixo pelos próprios moradores, em particular nas “áreas de favela, ribeir- inhas, invadidas, de risco ou de difícil acesso, habitadas via de regra, por comunidades com renda familiar de até 2 salários mínimos” (oliveira: 2001, 103). De acordo com as regras do programa, os detritos coletados eram trocados por alimentos hortícolas, resultantes de uma VXSHUVDIUDHQWmRRFRUULGDHFXMRHVFRDPHQWRWLQKDVLGRGL¿FXOWDGRSRUXPVXUWRGHFyOHUD que fez a população, amedrontada, consumir menos hortaliças. De acordo com Oliveira, em- bora os problemas atendidos pelo programa Câmbio Verde, em sua origem, fossem de caráter sanitário, anos mais tarde a coleta seletiva passou a ser apresentada pela prefeitura como des- tinada a “estabelecer bases para a sustentabilidade da vida no planeta” (2001, 103).

O processo de construção da identidade de Curitiba como modelo de urbanidade e capital HFROyJLFDWHPXPDIRUWHOLJDomRFRPRHVWDEHOHFLPHQWRGHXPDLQWHUSUHWDomRHVSHFt¿FDGD noção de design, e está ligado objetivamente à realização de dois eventos desse campo – ambos em suas edições inaugurais e ambos sediados naquela cidade. Trata-se da 1a Bienal Brasileira

de Design (realizada em 1990) e do 1o Ndesign – Encontro Nacional dos Estudantes de De-

VLJQ UHDOL]DGRHP HYHQWRVTXHFRQWULEXtUDPSDUDD¿UPDURXWUDUHSXWDomRGDFLGDGHGH &XULWLEDDGH³FDSLWDOGRGHVLJQ´HStWHWRFRQ¿UPDGRDQRVPDLVWDUGHSRURFDVLmRGD%LHQDO

100

Brasileira de Design 2010, a qual contou a mostra Design urbano: uma trajetória, dedicada à atuação de Lerner enquanto arquiteto, designer e político.

A 1a Bienal Brasileira de Design foi realizada sob a tutela de duas Secretarias de Estado

– Cultura, Ciência e Tecnologia e Desenvolvimento Econômico –, sendo Álvaro Dias (PST) o governador à época. O seu patrono político, porém, foi o prefeito Jaime Lerner (PDT) – então em sua terceira gestão –, que tratou de difundir a associação entre as noções de “cidade” e “design”, negando o cânone moderno-funcionalista em favor de uma visão supostamente mais KXPDQL]DGD&RQIRUPHD¿UPD/HUQHUQR&DWiORJRGDPRVWUD

Cidade e design são indissociáveis. Voltados ao novo, ao lúdico das muitas convivências, porque nem as cidades existem estritamente para o racional, nem o design foi inventado exclusivamente para a exatidão das funções a que serve. Ambos – cidade e design – costumam extrapolar suas frias funções, para ganhar sua dimensão real, que é a dimensão do lúdico, do poético e do ousado. Curitiba e design voltam-se um para o outro, na busca de novas soluções para os velhos sonhos. (bienal brasileirade design: 1990, xiii)

No mesmo catálogo, o professor Ivens Fontoura, então vinculado à ufpr, presidente do &RQVHOKR'LUHWRUHFXUDGRUGD%LHQDOD¿UPDRHVWDWXWRDRPHVPRWHPSRWpFQLFRHFRQ{PLFR e cultural do design:

'H¿QLWLYDPHQWHRGHVLJQID]SDUWHLQWHJUDOGRSURFHVVRSURGXWLYRDLQGDTXHHTXLYRFDGDPHQWH seja visto por parcela da sociedade apenas na relação estética e formal do produto. O design é mais que isto, é fator de desenvolvimento, extrapolando na razão direta em que também atua no uni- verso cultural. (bienal brasileirade design: 1990, xiii)

Aquela edição da Bienal contou com duas categorias de premiação – uma para produtos industrializados e outra para projetos de estudantes – que incluiam as subcategorias projetos editorias, identidades corporativas, equipamentos agrícolas, hospitalares, cutelaria, eletrodo- PpVWLFRVLQVWUXPHQWRVPXVLFDLVWr[WHLVEULQTXHGRVPyYHLVSURGXWRVSDUDGH¿FLHQWHVHQ- tre outros, totalizando 33 categorias. Contou também com uma sala destinada a homenagear Aloísio Magalhães, considerado um dos pioneiros do campo, devido à sua atuação como de- signer nos anos 60 e 70. Durante a premiação, a Bienal promoveu ainda diversas palestras e seminários com personalidades ligadas a escolas estrangeiras, tais como John Wood (Royal College, Londres), Luiz Alfredo Rodrigues Morales (Universidad Autonoma Metropolitana, México) e Alexandro Rodrigues Musso (Universidad Catolica Valparaiso, Chile).

Além de aspirar a periodicidade daquele evento, Ivens Fontoura, seu principal idealiza- dor, propôs a criação de um museu especializado (o Memorial Brasileiro do Design), destinado então a ser o primeiro do gênero da América Latina e a abordar o design enquanto “cultura material” e “fonte de conhecimento”. De acordo com Fontoura, a

101

DUWHVGDFLrQFLDHGDWHFQRORJLDHQ¿PQRkPELWRGRFRPSRUWDPHQWRKXPDQRHVXDPDQHLUDGH

PRGL¿FDURHQWRUQR « $%LHQDOpWDPEpPXP&HQWURGH'RFXPHQWDomRFRPIDUWRPDWHULDOSDUD consulta e pesquisa, cumprindo, portanto, uma de suas tarefas mais importantes ao propiciar, ao ORQJRGRWHPSRDSRVVLELOLGDGHGHVHWUDoDUXPSHU¿OGRGHVLJQEUDVLOHLUR'HVWDIRUPDRPDLV representativo da cultura material do país estará gradativamente compondo o acervo do Memorial Brasileiro do Design. (…) O referido Memorial terá seu embrião a partir da primeira edição da Bi- enal, ainda em 1990, iniciando, primeiramente, com os produtos e projetos premiados (…) (bienal

brasileirade design: 1990, xiii)

Os preparativos para a 1a Bienal contaram com a colaboração de alguns estudantes da ufpr

ligados a Fontura, que passaram a planejar, em meio àquele processo, o encontro estudantil que aconteceria um ano mais tarde. Tais estudantes estavam então movidos pelo entusiasmo da Bienal e também pela interdição sofrida no 5o endiTXDQGRIRUDPSURLELGRVSHORVSUR¿V-

sionais de votar as deliberações daquele encontro. Em grande medida, o 1o NDesign foi fruto

dos dois eventos anteriores (a 1a Bienal e o 5o endi) e sua realização foi tributária da crença

então vigente na ideologia urbano-ecológica de então. O encontro aconteceu em julho de 1991, reunindo cerca de 700 estudantes de quase todas as faculdades do Brasil; em sua programação DFRQWHFHUDPR¿FLQDVJUXSRVGHWUDEDOKRDSUHVHQWDomRGHSURMHWRVDFDGrPLFRVHWDPEpPD Repentina74, atividade que passou a ser realizada em todas as edições posteriores do encontro

HVWXGDQWLOSRUVHUFRQVLGHUDGDXPH[HUFtFLRTXHUH~QHD³VHULHGDGH´GDSUiWLFDSUR¿VVLRQDO e a irreverência das vivências estudantis. O tema da Repentina de 1991 fornece dados sobre a ligação do encontro estudantil com a Curitiba-ecológica, a começar pela participação do próp- rio prefeito Lerner, que deu início aos trabalhos; durante a atividade, os estudantes foram instados a projetar brinquedos com detritos recicláveis (o chamado “lixo que não é lixo”), que seriam mais tarde reproduzidos na Fábrica de Brinquedos de Lixo que não é Lixo, entidade mantida pela prefeitura na qual crianças carentes aprendiam a confeccionar brinquedos com detritos, em atividades ditas de educação ambiental. Tanto a equipe da prefeitura quanto os organizadores do NDesign acreditavam que aquela era uma iniciativa com viés social, voltada a “sensibilizar a sociedade para o Design enquanto solução para problemas de cunho social

e ecológico” (revista ndesign: 1991, 24).

O vínculo entre os estudantes e o poder público paranaense, sob o enfoque da mística da cidade-modelo, é assumido explicitamente nos relatos da Revista NDesign75, publicada pelos

organizadores do evento para registrar as atividades daquela semana de julho de 91. Alguns artigos da revista são marcados por uma crença devocional (bourdieu: 2008b) à cidade e ao seu prefeito, convidado para proferir a palestra de abertura do evento, estando presente tam- bém na solenidade de encerramento. De acordo com a Revista NDesign, o evento “aconteceu

numa cidade que privilegia a relação entre homem e natureza [e] … reaproveita seu lixo, tem abundantes áreas verdes e inova no Design urbano” (revista ndesign: 1991, 04).

102

HVWXGDQWHVFRQIRUPHGHIHQGHRDUWLJR/LomRGHSUR¿VVLRQDOLVPR³os estudantes viraram a

mesa´DRUHDOL]DUXPHQFRQWURTXHGHL[DULDHQYHUJRQKDGRVRVSUR¿VVLRQDLV'HDFRUGRFRPR depoimento de Ivens Fontoura, tratou-se de “XPDUHFRQTXLVWDGRPRYLPHQWRHVWXGDQWLO´H XPDOLomRSDUDDGHVPRELOL]DGDFODVVHSUR¿VVLRQDOSRUPHLRGRTXHVWLRQDPHQWRGDV³HQWL- GDGHVSUR¿VVLRQDLVH>GD@SUySULDLQVWLWXLomRQDFLRQDOGRVGRFHQWHVGHGHVLJQ” (Revista De-

sign & Interiores n. 25, p. 79).

A periodicidade anual desse evento – infálivel até o ano de 2012 – é considerada por mui- tos um grande exemplo de articulação e boa vontade dos membros recém-chegados ao campo, impressão reforçada pela realização de eventos de caráter regional, que passaram a ocorrer na medida em que o ensino superior da área se expandiu. Além dos encontros, o segmento estu- dantil do campo mantém também uma ampla rede de comunicação e um complexo sistema de representação, por meio do Conselho Nacional de Estudantes (CoNE), instituído em 1996, en- carregado de conduzir a atuação de centros acadêmicos e comissões organizadoras dos even- WRVSRUPHLRGDPDQXWHQomRHGRDSULPRUDPHQWRGD3DXWD1DFLRQDO8QL¿FDGD 318 

a

nos

90 -

expansãodoensinosuperior

Ao longo dos mais de vinte anos em que vem sendo realizado, o encontro estudantil vem apresentando dimensões cada vez maiores: o evento de 2010, por exemplo, reuniu em Curitiba cerca de 5.000 estudantes, contra os 700 inscritos no encontro de 1991, realizado na mesma cidade. A quantidade cada vez maior de participantes, por sua vez, não deriva exatamente de um interesse crescente do alunado na universidade, em política estudantil ou na discussão so- EUHVHXVIXWXURVUXPRVSUR¿VVLRQDLV$DGHVmRYHUWLJLQRVDDWDLVHYHQWRVSRGHVHUSDUFLDOPHQWH compreendida em face da multiplicação de cursos superiores no país, que somavam aproxi- madamente 29 em 1991, 36 em 1993 (aend-br: 1993) e cerca de 40 cursos em 1997 (Couto: 2008, 26).

Atualmente é difícil precisar quantos cursos da graduação funcionam no Brasil, embora o Ministério da Educação disponibilize dados a respeito na internet, por meio do Sistema e- Mec76, no qual é possível saber sobre cursos ativos ou extintos, bem como sobre as instituições

de ensino cadastradas no país. A consulta realizada ao Sistema e-Mec em 04 e 06 de dezem- bro de 2011 indicou um total 30777RIHUWDVGHEDFKDUHODGRVHPGHVLJQHD¿QVGLVWULEXtGRVGD

seguinte maneira: dez bacharelados em Desenho Industrial e 63 bacharelados em Design, ca- dastrados por instituições públicas de ensino e 34 bacharelados em Desenho Industrial e 200 bacharelados em Design, cadastrados por instituições privadas.

Esses dados não podem ser entendidos sem algumas considerações: em primeiro lugar, desde a publicação das Diretrizes Curriculares para os cursos de Design pelo Ministério da

103

No documento As ambiguidades da doutrina (páginas 101-105)

Outline

Documentos relacionados