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37valor e, principalmente, aos usos sociais de tais bens em prol da manutenção das diferenças

No documento As ambiguidades da doutrina (páginas 39-43)

HQWUHDVFODVVHVVRFLDLV3DUD3LHUUH%RXUGLHXHVVDVGLIHUHQoDVQmRVmRQHPVLPSOHVQHP¿[DV e nem tampouco imutáveis em termos absolutos, sendo tecidas continuamente por proprie- dades complexas, além de serem alvo de disputas permanentes entre indivíduos e grupos, às vezes mais e às ve-zes menos intensamente, em lutas que ocorrem de maneiras diretas ou indiretas, calculadas ou inconscientes, por meio de estratégias espontâneas ou organizadas, e que podem se dar tanto a partir de atitudes pessoais, pontuais e imediatas, quanto de movi- mentos coleti-vos, cobrindo até mesmo períodos de tempo que atravessam gerações, tal como é o caso, por exemplo, dos pais que investem num determinado modelo de educação para os ¿OKRVEDVHDGRVHPFULWpULRVGRSUHVHQWHGHPDQHLUDDJDUDQWLUOKHVXPDFHUWDSRVLomRVRFLDO no futuro. Como tais dinâmicas acontecem de maneira muldimensional, ininterrupta e sem- SUHHPWHUPRVUHODFLRQDLVQDVVRFLHGDGHVHVWUDWL¿FDGDVFDGDXPDGDVFODVVHVVRFLDLVDOWHUD continuamente suas feições, hábitos e patrimômios tomando como parâmetros (positivos ou negativos) as demais classes sociais, visando a conservação ou melhoria de sua própria posição no espaço social. De acordo com esta visão, o espaço social é, também, um campo de batalhas permanentes nas quais os indivíduos não atuam somente de acordo com seu livre-arbítrio, mas segundo as determinações da classe social na qual nasceram e da própria estrutura das relações entre as classes. Considerando que cada classe atua no espaço social tomando a si própria em referência às demais, e tendo em vista que este é um movimento simultâneo entre HODVpSRVVtYHOD¿UPDUTXHDHVWUXWXUDGDVUHODo}HVREMHWLYDVHQWUHDVFODVVHVVRFLDLVHVWiHP contínuo movimento, segundo o qual uma classe não altera sua própria posição no espaço sem alterar correlativamente as demais, e sem suscitar suas reações. Esta incessante movimen- tação social é motivada pela busca constante por distinção (diferenciação) social.

a

lgunsfundamentosdadistinçãosoCial

Os fundamentos das diferenças entre as classes sociais e entre suas posições relativas no espaço social são explicados a partir de um conjunto complexo de fatores, dentre os quais, o primordial é a posse efetiva de capital e, sobretudo, da combinação entre diferentes tipos de capital, dos quais os mais fundamentais são: (1) o capital econômico (sob a forma de renda ou remuneração dos indivíduos, mas, também, de bens possuídos pelas famílias, como terra, im- óveis ou outros bens); (2) o capital cultural (relativo tanto à educação propriamente escolar e à posse de títulos acadêmicos, quanto à convivência com a cultura, sob a forma de obras de arte, livros, discos, frequência a cinemas, concertos, museus, viagens, domínio de instrumentos mu- sicais, danças ou práticas desportivas, ou ainda conhecimento de idiomas etc) e; (3) o capital

social, relativo à rede de relações sociais mantidas por um indivíduo ou família, que pode ser-

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De acordo com este entendimento, o espaço social que, grosso modo, divide-se entre a classe dominante e a classe dominada, subdivide-se em frações de classe caracterizadas por diferentes combinações dos tipos de capital: “as frações de classe distribuem-se assim, desde

as mais providas, a um só tempo, de capital econômico e cultural, até as mais desprovidas nestes dois aspectos” (bourdieu: 2008a, 108). Esta divisão não é, no entanto, estável em ter- mos absolutos, pois, ao longo do tempo, cada classe social, cada família e cada indivíduo bus- cam manter ou melhorar sua posição no espaço social, aumentando seus patrimônios concreto HVLPEyOLFRDWUDYpVGHHVWUDWpJLDVTXHDOWHUDPFRQWLQXDPHQWH FRPPDLRURXPHQRUH¿FiFLD  sua própria posição, alterando relativamente as posições das demais classes. Tais estratégias, que podem ser conscientes ou insconscientes, coletivas ou individuais, não dizem respeito só a uma classe social em si mesma, mas são relativas: (1) aos capitais possuídos por uma classe, família ou indivíduo num dado momento (os quais se pretende manter ou aumentar); e (2) às relações de força entre as classes sociais, que determinam, em cada momento da história, um maior ou menor equilíbrio na distribuição de capital, através de mecanismos variados, desde os mais explícitos (expressos, por exemplo, no pluripartidarismo, no funcionamento da democracia representativa e na luta dos movimentos sociais) até os mais sutis, levados a cabo, por exemplo, pelos meios de comunicação (já que os veículos de imprensa estão sempre ligados a interesses de classe) e pelos sistemas educacionais (já que os conteúdos transmiti- dos pelas escolas não são exatamente neutros ou universais, e sim determinados pelas classes dominantes pelos canais políticos competentes para tanto).

A combinação entre a quantidade de capital econômico e as diferentes variantes do capital FXOWXUDOHVWiQDRULJHPGRVWUDoRVVHFXQGiULRVFRQFUHWRVHHVSHFt¿FRVGHFDGDXPDGDVIUDo}HV de classe, propriedades tais que se entrelaçam e muitas vezes se determinam mutuamente: por exemplo, a combinação entre certa quantidade de capital econômico e certo tipo de capital FXOWXUDOWHQGHDGH¿QLURORFDOGHPRUDGLDGHXPDIDPtOLD FXOWXUDOPHQWHPRUDUQRVEDLUURVGH Moema ou Barra da Tijuca difere de morar na Vila Madalena ou no Leblon, embora em termos econômicos sejam escolhas equivalentes). Este traço, por sua vez, está ligado ao tipo de consu- mo cultural (como ir aos cinemas de shopping num caso, ou aos cinemas de arte noutro caso), jVHVFROKDVHVSHFt¿FDVGHWXULVPR FRPRDFDPSDUQD&KDSDGD'LDPDQWLQDRXLUj'LVQH\ DR WLSRGHHVFRODIUHTXHQWDGDSHORV¿OKRVRXDRWLSRGHUHVWDXUDQWHHVFROKLGRSHODVIDPtOLDVHP ocasiões festivas.

No entanto, a combinação entre os dois tipos de capital não determina tais propriedades de maneira direta e imediata, mas através do intermédio do habitus, que é uma propriedade fundante enraizada em cada indivíduo e em cada classe social, e que corresponde às disposições profundas para perceber, sentir e agir, funcionando mais ou menos à maneira de um “sistema RSHUDFLRQDO´FRPRXPFRQMXQWRGHSULQFtSLRVJHUDLVDEVWUDWRVHLQFRQVFLHQWHVTXHGH¿QHP os modos como o mundo é percebido por um indivíduo ou grupo, e conduzindo suas ações e escolhas cotidianas, tais como as escolhas alimentares, de vestuário, adereços ou de lazer e

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FRQVXPRFXOWXUDOHWDPEpPDVGHFLV}HVGHPDLRUHQYHUJDGXUDFRPRDVHVFROKDVSUR¿VVLRQDLV

ou matrimoniais, sendo a motivação de fundo de tais escolhas a conservação ou melhoria da posição do indivíduo ou do grupo no espaço social, tanto em termos propriamente econômi- cos, quanto em termos simbólicos/culturais (nogueira e nogueira, 2009). Sendo um conjunto de princípios de enorme envergadura, abrangência e sistematicidade, o habitus funciona, as- sim, como uma “segunda natureza”, originando e coligando todas as práticas dos indivíduos e dos grupos sociais, mesmo aquelas mais aparentemente díspares, tais como a escolha de um shampoo por meio de sua embalagem, a compra de um novo par de tênis, a escolha do destino das férias até as preferênciais musicais e as escolhas matrimonais ou eleitorais.

Embora o habitus se transforme ao longo da vida de uma pessoa, as suas disposições mais elementares, adquiridas durante a infância nos contextos familiar e escolar, são aquelas que ¿FDPPDLVSURIXQGDPHQWHHQUDL]DGDVIXQFLRQDQGRFRPRVXD³VHJXQGDQDWXUH]D´HFRQGX zindo, de maneira invisível, desde as condutas mais corriqueiras (como a forma de segurar os talheres ou as preferências musicais) às suas atitudes mais supostamente racionais e racioci- QDGDV FRPRDVRSo}HVHRSLQL}HVSROtWLFDVRXDVHVFROKDVSUR¿VVLRQDLV ,VWRQmRTXHUGL]HU QRHQWDQWRTXHXPLQGLYtGXRHVWHMD³FRQGHQDGR´GHPDQHLUDGH¿QLWLYDjVGHWHUPLQDo}HV

habitus, posto que elas estão em constante transformação, na medida em que se desenrola a

sua trajetória social: assim, é perfeitamente plausível que um indivíduo seja dotado, ao mesmo tempo, do habitus primário típico da classe mais empobrecida onde nasceu, mas também de um habitusPDLV³UH¿QDGR´SRUWHUIUHTXHQWDGRSRUH[HPSORXPDHVFRODGHHOLWHGDTXDO tenha recebido uma bolsa de estudos, e ainda, de um habitusSUR¿VVLRQDOHVSHFt¿FRSRUWHU frequentado, por exemplo, a faculdade de Engenharia ou Direito ou Letras ou Design. O que ocorre é que, ao longo da trajetória social, o habitus, ao mesmo tempo em que se transforma sutil e lentamente, também determina, de maneira invisível, grande parte das práticas do in- divíduo. Por outro lado, considerando que as disposições do habitusVmRHVSHFt¿FDVHHVSHFL¿- cadoras, e considerando que o capital cultural e econômico possuído por uma indivíduo na sua RULJHPDWUDYpVGHVXDIDPtOLDGHWHUPLQDXPOHTXHPDLVRXPHQRV¿QLWRGHSRVVLELOLGDGHV para suas aquisições culturais e econômicas futuras, pode-se dizer que as probabilidades para o desenrolar de sua trajetória social posterior encontram-se mais ou menos inscritas e mais ou menos limitadas por estes dois aspectos.

Segundo esta interpretação, os indivíduos não se movem no espaço social ao acaso, de acordo com sorte ou azar, mas de acordo com as possibilidades que são inerentes às suas pro- priedades fundantes, ou seja, ao seu habitus primário, seus títulos escolares ou nobiliárquicos e seus capitais de origem. Ou, conforme explica Bourdieu: “a determinado volume de capi-

tal herdado corresponde um feixe de trajetórias praticamente equiprováveis que levam a posições praticamente equivalentes – trata-se do campo dos possíveis oferecido objetiva- mente a determinado agente.” (bourdieu: 2008a, 104).

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Quais seriam as ligações entre o funcionamento do campo do design e a estrutura de clas- ses sustentada pelos diferentes habitus de indivíduos e agrupamentos sociais? Esta é uma das problemáticas discutidas no capítulo conclusivo da tese, a partir do pressuposto de que os bens gerados pela atividade do designer são essenciais para demarcar as diferenças entre as classes, sendo esta determinação assumida e atendida de diferentes maneiras pelas diversas frações do FDPSRRUDGHPDQHLUDDD¿UPDUHRUDGHPDQHLUDDQHJDUHVVHSDSHOVRFLDOGLVWLQWLYRHPSURO de uma sociedade sem distinções, regida pelo princípio modernista (formulado pelo arquiteto Louis Sullivan) segundo a qual a forma segue a função.

Algumas página da revista especializada Arc Design.

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No documento As ambiguidades da doutrina (páginas 39-43)

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