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161Consideraçõesfinais

No documento As ambiguidades da doutrina (páginas 163-165)

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Assim como diversas abordagens apresentadas ao longo desta tese, as duas últimas – a que adere ao luxo e a que o combate – creditam ao design a capacidade de promover o desen- volvimento humano e social, seja por meio da distribuição da riqueza gerada pela produção de bens de luxo, seja pelo provimento de recursos técnicos, destinados a minimizar o sofrimento real de indivíduos e populações vitimados pela miséria, pela fome, pela guerra, por mutilações em decorrência do trabalho, pela falta de moradia digna, assistência à saúde, acesso à escola, ao trabalho e à renda. O mesmo pode ser dito das abordagens ecologistas, culturalistas, emo- cionalistas ou ergonomistas (grosso modo, aquelas voltadas ao desenho de postos de trabalho e artefatos mais adequados a viabilizar a execução de tarefas sem lesionar os corpos dos usuári- os). E também das abordagens museológicas, tal como discutidas no capítulo anterior, que associam o design ao conforto doméstico e ao bem-estar individual.

Cada uma dessas tomadas de posição enfatiza algum tipo de benefício humano suposta- mente promovido pela atuação direta do designer, seja em termos da economia energética nos sistemas produtivos, da proteção ambiental decorrente de escolhas de matérias-primas menos poluentes, da saúde física e psíquica dos usuários dos artefatos projetados, do bem-estar exis- tencial, emocional e corporal promovido por objetos e próteses em geral, ou da partilha social GDDUWHSRUPHLRGDGLVVHPLQDomRGHEHQVXWLOLWiULRVGRWDGRVGHDOJXPFRH¿FLHQWHTXHVH possa chamar de “artístico”, ainda que sejam simples adornos corporais. Algumas proposições – em particular as ligadas ao Design Social – ampliam essa ênfase, ao não associar o benefí- cio da atuação do designer propriamente aos sistemas e artefatos projetados, mas ao próprio processo de elaboração dos projetos, mediante a participação ativa dos usuários nas decisões projetuais, o que promoveria a recuperação de uma cidadania que é supostamente desconsi- derada pelas teorias e práticas de raiz modernista.

Qual seria a origem desse professar de potenciais positivamente transformadores por parte dos formuladores do campo do design, e que lhe atribuem um caráter que tende ao re- ligioso? Conforme sugerido por leon (2013), uma das origens dessa crença é a ideologia do conforto/bem-estar burguês, forjada, cristalizada e disseminada pelas coleções de design de museus e institutos que se ocupam de reunir acervos de objetos. Sabe-se que a história do de- sign registra episódios nos quais se debateu intensamente o vínculo entre as práticas de projeto HDWUDQVIRUPDomRSRVLWLYDGDVRFLHGDGH&RQIRUPHUHJLVWUDPPXLWDVREUDVGDKLVWRULRJUD¿DGR

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campo, a primeira dessas formulações aconteceu na Inglaterra, na segunda metade do século xix, e foi protagonizada por William Morris e John Ruskin. Como se sabe, eles se empenharam na crítica à produção industrial de bens, alegando que a divisão do trabalho subjacente a esse sistema gerava não somente infortúnios aos operários – outrora artesãos, agora despossuídos do controle de seus ofícios pela instituição do sistema fabril – mas também produzia um ac- ervo de objetos desprovidos das qualidades formais/artísticas que seriam fundamentais para XPD ERD LQÀXrQFLD QDYLGD GH VHXV SRVVXLGRUHV RX XVXiULRV paim: 2000). Eles defendiam o retorno aos meios de produção medievais, por entenderem que a organização do trabalho artesanal em guildas era capaz de harmonizar a boa forma dos objetos com as boas condições de trabalho e de vida de seus produtores (paim: 2000), dotando os artefatos de uma espécie de espiritualidade.

No entanto, foi na Bauhaus (Alemanha, 1919-1933) e nos ateliês artísticos Vkuthemas/ Vkthein (Rússia, 1920-1930) que foram mais intensamente gestadas as associações entre as práticas do design e as expectativas de uma transformação social plena e positiva, e que con- tinuam a perpassar diversas prescrições contemporâneas para as práticas do design. A Bau- haus e os ateliês Vkuthemas-Vkthein foram escolas de artes, ofícios, arquitetura e design, ati- vas na Europa, no período entre-guerras, cujo funcionamento se deu de acordo com os ideais revolucionários vigentes, em sintonia profunda com o desejo de construção de uma sociedade sem classes marcada pela igualdade entre os homens, utopia na qual a indústria e a tecnologia teriam um papel essencial na produção de condições materiais de vida ideiais para todos em meio à realidade urbana e aos paradigmas políticos que estavam então sendo estabelecidos (droste: 2002; miguel: 2006). Como se sabe, os membros daquelas escolas estiveram empen- hados explicitamente em colocar as práticas de projeto – que até então eram um amálgama de práticas de artistas, artesãos e arquitetos – a serviço do socialismo e da disseminação da arte no cotidiano da classe trabalhadora por meio do desenho de artefatos a serem reproduzidos em escala industrial a custos muito baixos, ao contrário da cara e restrita produção material gerada por Ruskin e Morris em seus ateliês de produção artesanal, cerca de oito décadas antes. Além de aceitarem a irreversibilidade do sistema industrial de produção, os protagoni- stas dessas escolas tinham posições políticas claramente colocadas, e não as dissociavam de VXDVDWLYLGDGHVHVSHFLDOL]DGDV±QRkPELWRGDVDUWHVGDSUiWLFDWLSRJUi¿FDGDWDSHoDULDGD marcenaria, da arquitetura etc. –, assumindo explicitamente que tais práticas não poderiam ser realizadas de maneira politicamente neutra, mas sim vinculadas a uma opção política que era elaborada e manifesta enquanto tal. Não por acaso ambas as escolas foram fechadas por motivações políticas (respectivamente por Hitler e Stalin), e também tiveram suas histórias DWUDYHVVDGDV SRU TXHUHODV LGHROyJLFDV LQWHUQDV GHQWUH DV TXDLV R FRQKHFLGR FRQÀLWR HQWUH o social-democrata Walter Gropius (primeiro direitor da Bauhaus) e o arquiteto comunista Hannes Meyer (seu sucessor), por conta das críticas desferidas pelo segundo à atuação geral do primeiro, tida como burguesa e anti-revolucionária (meyer: 1972).

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No documento As ambiguidades da doutrina (páginas 163-165)

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