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51O ensino proposto por Bardi no iaC-masp visava o combate aberto à ostentação e ao pe-

No documento As ambiguidades da doutrina (páginas 53-55)

dantismo das elites dominantes, interessadas em manter a distinção entre alta e baixa cultura a seu favor. Um dos questionamentos do casal Bardi dizia respeito ao “puro amor à arte” tal como o percebiam vigorar no Brasil, e que entendiam ser uma versão brasileira do “decaden- tismo europeu”. Eles defendiam a aproximação entre os intelectuais e os problemas da esfera pública, concebendo o masp como uma instituição dedicada a incentivar “uma cultura real-

mente viva, em que povo esteja integrado e, ao mesmo tempo, no sentido de um humanismo verdadeiro, positivo, concreto”, por meio de “uma análise em profundidade da própria vida

da arte compreendida como manifestação da realidade humana como consciência universal” (revista habitat: 1951, 3, 2.). Para o casal, a cultura entendida dessa maneira seria uma das molas centrais do desenvolvimento de um legítimo processo civilizador, crença ligada à fé na WHFQRORJLDHjLQGLIHUHQFLDomRTXDOLWDWLYDHQWUHDVDUWHVSXUDVHDVDUWHVDSOLFDGDVRTXHMXVWL¿- cava a condução dada por eles às atividades e ações do museu, bem como sua compreensão do papel da educação, do desenho industrial46 e da propaganda.

2FDVDO%DUGLFUHGLWDYDjHGXFDomRRSDSHOGHFRPEDWHjLGHLDGHSUR¿VVmRFRPR³FDU- reira”, ou seja, como “instrumento utilitário a ser usado em vista de ambições de dinheiro, de

prazeres de mando”; conforme registram muitos artigos publicados na Revista Habitat, eles

entendiam era preciso combater a cisão profunda entre o povo e a cultura dominante de então – “VXSHU¿FLDOHUXGLWDHURWLQHLUD”, que consistia, “para alguns poucos, na aquisição apres- VDGDGHDOJXPDVQRo}HVVXSHU¿FLDLVTXHOKHVIDFXOWDUmRXPDSUR¿VVmRVRERUyWXORHRWtWXOR de doutor” (revista habitat: 1951, 3, 2).

Este foi o horizonte ideológico sob o qual foi implantada a primeira escola de design do Brasil, primeira instituição a congregar, no país, sob um mesmo rótulo disciplinar, atividades que até então permaneciam desconectadas entre si na prática, como é o caso dos projetos de mobiliário, bens de consumo duráveis, embalagens, produtos editoriais, vitrinismo, moda etc. (niemeyer: 1997; leon: 2006). A escola de desenho industrial do iaC-masp funcionou entre PDUoRGHHR¿QDOGHHIRUPRXDSHQDVGXDVWXUPDVWHQGRHQWUHVHXVHJUHVVRVLQGL- víduos que, anos mais tarde, se tornaram protagonistas na consolidação do campo no Brasil. Entre eles estão Alexandre Wollner, Estela Aronis, Irene Ruchti, Ludovico Martino, Aparício Basília da Silva, Antonio Maluf e Attilio Baschera. Entre os colaboradores da escola estavam o fotógrafo Thomaz Farkas; os artistas plásticos Lasar Segal e Elizabeth Nobiling; e os arquitetos Eduardo Kneese de Melo, Roberto Burle Marx, Lina Bo, Oswaldo Bratke, Rino Levi, Gian Carlo Palanti, Alcides da Rocha Miranda e Jacob Ruchti.

46. A pesquisa realizada nos números iniciais da Revista Habitat (um dos principais veículos de difusão do masp, do iaC e das posições do casal Bardi) sugere que os termos “design” e “desenho industrial” eram utilizados simultanemaente, sem gerar as confusões terminológicas que mais tarde foram e ainda são lamentadas por muitos segmentos do campo.

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Em artigo publicado na terceira edição da revista Habitat (1951) Bardi apresenta o iaC aos leitores, esclarecendo a complexidade, importância e adequação de seu empreendimento tanto para o processo de modernização do país como em termos da melhoria da vida privada dos indivíduos. Em tom pedagógico, ele explica que

O têrmo Desenho Industrial necessita de uma pequena explicação, porquê, atrás dessa denomi- nação aparentemente simples, encontramos um complexo enorme de conhecimentos e aptidões que tornam o desenhista industrial, uma das personalidades mais importantes da vida moderna.

$SDODYUD'HVHQKR±QDDWLYLGDGHGR'HVHQKR,QGXVWULDO±QmRVLJQL¿FDDSHQDVRDWRItVLFRGH GHVHQKDU±VLJQL¿FDSHORFRQWUiULRXPFRQMXQWRGHDWLYLGDGHVSULQFLSLDQGRSHORHVWXGRGRSURE- lema a ser resolvido – atividade crítica e analítica, e terminando pelo projeto da solução técnico- artística.

O desenhista industrial é responsável pelo projeto de todos os objetos – utensílios, móveis, etc, que nos cercam – que são produzidos industrialmente e que formam o ambiente em que vivemos, na rua ou no local de trabalho.

1mRpSRUWDQWRXPH[DJHURD¿UPDUTXHRGHVHQKLVWDLQGXVWULDOpXPDGDVSHUVRQDOLGDGHVPDLV importantes da vida moderna, porquanto é de sua capacidade e formação que depende todo o as- pecto físico de nossa civilização. O desenhista industrial é o artezão do século 20. Porém, enquanto o artezão do passado trabalhava com as mãos, e com ferramentas manuais, produzindo ele próprio os objetos que imaginava – o artezão do século 20 tem por ferramentas as máquinas da indústria moderna, baseado nas possibilidades técnicas das quais precisa imaginar seus produtos.

0DVQmRVmRDSHQDVDVPiTXLQDVTXHLQÀXHPDIRUPDGHXPREMHWRSURGX]LGRLQGXVWULDOPHQWH – a forma de um objeto depende também da função a que se destina, do material em que vae ser H[HFXWDGRH¿QDOPHQWHGDLQWHOLJrQFLDGDFXOWXUDHGDLPDJLQDomRGRGHVHQKLVWDLQGXVWULDOTXH coordenará todos esses fatores no seu projeto.

$OpPGHHVSHFL¿FDUDDWXDomRGRGHVHQKLVWDLQGXVWULDOGHPDQHLUDSUHFLVD%DUGLDFRQFH- bia em estreita associação com outras práticas, todas elas conexas à crença na modernização e QDUHQRYDomRFXOWXUDOD¿P

O homem que trabalha na propaganda, nos vários campos da ideação, do texto, do desenho, da SURGXomRpVHPSUHXPSUR¿VVLRQDOGDFRQVFLrQFLD$VXDUHVSRQVDELOLGDGHpFRQVLGHUiYHOQmR VyFRPRFOLHQWHTXHOKHFRQ¿DXPDGDVVHFo}HVPDLVGHOLFDGDVGRFRPpUFLRFRPRWDPEpPFRP RS~EOLFRTXHQR¿PLQVWLQWLYDPHQWHHSRUXPDIDWDOLGDGHVXSHULRUDFUHGLWDQXPDSURSDJDQGD correspondente a um produto ou a uma idéia adequada, capaz de sustentar uma propalação. (…) Por isso os homens escolhidos pela propaganda – e logo os insensíveis, os apressados, os intri- gantes, os deshonestos, são eliminados – constituem uma classe honrada, que desempenha um trabalho digno de consideração. (revista habitat: 1951, n. 02, 32-33)

Conforme ilustram os dois excertos a seguir, Bardi concebia a prática do design/desenho industrial como uma variante das práticas do arquiteto, e conjugava ambas ao fazer artístico, em sintonia com o ideário das vanguardas, que não reconhecia distinções entre artes puras e

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