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71e tinha em Bill um de seus principais formuladores; em termos políticos, a Gutte Forme pode

No documento As ambiguidades da doutrina (páginas 73-77)

ser vista como uma “moral dos objetos”, pois ela se dirigia criticamente ao styling que, por sua vez, era a prática americana de estilização dos objetos destinada a seduzir os consumidores e alavancar as vendas. As formas dos objetos desenhados segundo os princípios do styling eram acusadas pelo defensores da Gutte Forme de serem arbitrárias, desonestas, ligadas ao efemêro e à moda e destinadas tão somente à obtenção dos lucros de vendas.

A estética da Gutte FormeDVVRFLDGDDRVIXQGDPHQWRVSUHWHQVDPHQWHFLHQWt¿FRVGHSUR- jeto, defendidos pelos sucessores de Max Bill em Ulm, formaram a base da terceira fundamen- tação do design praticada na esdiHTXH¿FRXFRQVROLGDGDDSyVD$VVHPEOpLD*HUDOGH Como herança dos anos iniciais, sobrou o “legado” da falta de engajamento dos professores teoristas ao projeto da escola, que impediu que as atividades de projeto fossem desenvolvidas sobre uma sólida base teórico-crítica: esse foi um dos fatores que conduziu à adoção do forma- lismo racionalista e da prática do projeto como eixo condutor predominante das atividades da escola. Souza aponta também que o choque entre as diversas visões do vínculo entre sociedade, design, economia, política e tecnologia não foi produtivo como poderia ter sido, pois cada um de seus formuladores compreendia seu próprio ponto de vista como sendo universal e incom- patível com os demais. Assim, a forma de se fazer e ensinar o design que passou a predominar na esdiDSyV¿FRXFDUDFWHUL]DGDSRUXPDSROLWLVPRHPIDYRUGHXPFLHQWL¿FLVPRVX- SRVWDPHQWHQHXWUREDVHDGRQD¿ORVR¿DUDFLRQDOLVWDQRDQWLFRQVXPLVPRHQDFRPSUHHQVmR da estética do objeto como uma questão secundária, sendo essa uma posição formalista, que conduziu a um academicismo estilístico, segundo visão de muitos críticos da escola carioca.

Muitos são os ataques desferidos contra a esdi, por parte de designers e outros críticos, que imputam à escola a responsabilidade pela inconsistência atual da identidade do design EUDVLOHLUR1RFDStWXOR¿QDOGHVWDWHVHWDLVFUtWLFDVVHUmRUHWRPDGDVHVLWXDGDVHPUHODomRDRV debates atualmente em voga no campo acadêmico do design.

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Além do iaC-masp e da esdi, outro empreendimento é apontado como pioneiro na insta- lação do campo design no Brasil: trata-se do ensino de desenho industrial implantado, em 1962, no curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, iniciativa resultante GDDPSODUHYLVmRHPSUHHQGLGDQDTXHODHVFRODHTXH¿FRXFRQKHFLGDFRPR5HIRUPDGHRX Reforma Artigas, em referência ao arquiteto e professor João Baptista Villanova Artigas, um de seus principais formuladores.

De acordo com pereira (2009), a Reforma de 62 resultou de um processo que vinha ocor- rendo desde os anos 40, relativo ao descolamento da prática e da educação em arquitetura dos

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domínios das Belas Artes, por um lado, e da Escola Politécnica, por outro. Trata-se do processo de autonomização daquele campo em relação aos domínios das artes e da engenharia, com YLVWDVjFRQVWLWXLomRGHXPFDPSRSUR¿VVLRQDOSUySULR&RQIRUPHUHODWDRDXWRUWDOSURFHVVR WLQKDFRPRGLVFXVV}HVFHQWUDLVDUHGH¿QLomRGRSDSHOGRDUTXLWHWRQDVRFLHGDGHEUDVLOHLUDTXH então dava passos importantes no processo de modernização, e a correlata discussão sobre a formação e a organização institucional mais adequadas a essas mudanças. Tais debates estiver- am fortemente ligados às discussões travadas na Europa por meio das vanguardas artísticas, FXMDVH[SUHVV}HVHLQÀXrQFLDVPDLVHYLGHQWHVQR%UDVLOIRUDPRSHQVDPHQWRGH/H&RUEXVLHU e as proposições da Bauhaus. Conforme se verá, no contexto da fau-usp, a prática do desenho industrial foi assumida como um desdobramento lógico da prática dos arquitetos.

Tanto no Brasil quanto na Europa, o debate versava sobre o papel da arquitetura e do desenho industrial num mundo em vertiginosa transformação, tanto em termos sociais, políti- cos e econômicos, quanto estéticos e tecnológicos. Politicamente, a implantação do ensino de desenho industrial na fau tinha como um de seus pressupostos o fomento à indústria na- cional, em oposição à instalação de indústrias estrangeiras no país. Conforme ressalta arantes (2004), a compreensão de Artigas a respeito, quando de sua atuação na Reforma de 62, estava alinhada a tal debate:

[Para Artigas] não era apenas o habitat que precisava ser reinventado, mas todos os objetos deveri- am ser redesenhados, seguindo as leis da produção industrial. Diante do esforço para o desenvolvi- mento das forças produtivas em nosso país, o desenho industrial tornava-se, assim, uma necessi- dade premente. (…) A tarefa do desenho industrial seria, assim, parte do projeto progressista da burguesia que, cumprida sua fase heróica, delegaria a um corpo técnico o trabalho de revolucionar RVPHLRVGHSURGXomRHLQRYDURVSURGXWRVGHQWUHHOHVRVDUTXLWHWRVHPDLVHVSHFL¿FDPHQWHRV designers. (arantes: 2004, 30)

Ao contrário do que ocorreu na esdi, o modelo de ensino então elaborado na fau resultou de debates travados pelo próprio corpo docente, não resultando de imposições externas e nem da adoção de experiências pedagógicas preexistentes. Em geral, os seus professores compreen- diam que a arquitetura, o urbanismo, o desenho industrial e a comunicação visual eram mo- dalidades concretas e particulares da modalidade geral da prática do projeto, noção concebida como uma forma de pensamento que interligava todas as práticas particulares mencionadas, VHQGRFRQVLGHUDGRHVWHRGRPtQLRHVSHFt¿FRGDDWXDomRGRDUTXLWHWR pereira: 2009). Segundo o arquiteto Lúcio Grinover, o ensino praticado na fau tinha como fundamento fornecer aos alunos os aportes metodológicos adequados à prática do projeto, independente da natureza objetiva dos bens projetados (cadeiras, colheres, edifícios ou mensagens visuais). O depoi- mento de Grinover indica o início da disputa entre os desenhistas industriais (formados pela esdi) e os arquitetos-designers (formados pela fau) que, mais tarde, entre os anos 60/70, mo- WLYRXDIXQGDomRGHGXDVDVVRFLDo}HVSUR¿VVLRQDLVSLRQHLUDV±Dabdi e a apdins. De acordo com Pereira, a

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visão [corrente na fau-uspHUD@GHTXHTXDOTXHUSUR¿VVLRQDOSXGHVVHDWXDUQDiUHDPDVFRPDUHV-

salva de que entre todos, o arquiteto, por sua formação mais ampla, teria as melhores ferramentas intelectuais e práticas para o exercício do desenho industrial. (pereira: 2009, 96)

Conforme veremos, foram muitas as comparações entre o funcionamento da esdi e da fau-usp. No entanto, é importante considerar que, quando da implantação do ensino de de- senho industrial na fau, os seus professores já se encontravam integrados entre si pela con- vivência em torno do curso de Arquitetura e Urbanismo sendo que, na esdi, ao contrário, o corpo docente foi mobilizado a partir de imperativos externos advindos do Governo do Estado da Guanabara, com vistas a colocar em prática, desde o princípio, um modelo de ensino que até então não tinha precedentes no Brasil. A diferença entre essas duas conjunturas torna impro- cedente grande parte das comparações feitas entre as duas escolas pioneiras. Não obstante, são IUHTXHQWHVDVGLVSXWDVHQWUHDUTXLWHWRVHGHVLJQHUVSHODOHJLWLPLGDGHGRH[HUFtFLRSUR¿VVLRQDO No que se refere à fau, um dos pressupostos do ensino então oferecido era a recusa do estatuto cultural do arquiteto-designer enquanto “inventor”, ou enquanto um “gênio cria- tivo” a desempenhar sua livre expressão individual movido pela intuição. Por isso, a formação GDTXHOHVSUR¿VVLRQDLVHUDEDVHDGDQDUDFLRQDOLGDGHHFRQWUiULDDRHVSRQWDQHtVPRGRVXMHLWR naquela proposta, o chamado desenho da matemática57 era preferencial em relação ao chama-

do desenho artístico. Na fau os primeiros projetos desenvolvidos nas aulas de Desenho In- dustrial não eram sequer pensandos em função da relação homem-objeto, mas em função da sua viabilidade produtiva e de sua acomodação posterior em sistemas complexos (tal como a adequação de um objeto ao seu transporte ou armazenamento). Por isso, algumas noções eram centrais no desenvolvimento dos projetos, tais como as ideias de módulo, sistema componível e composição modular, todas elas ligadas à problemática da forma, e não exatamente do valor de uso ou da identidade cultural.

Na prática, o ensino do desenho industrial na fau-usp foi implantado por meio da oferta de quatro disciplinas – a chamada Sequência de Desenho Industrial – que eram obrigatórias em todos os seus anos de formação. Seus programas incluíam a teoria e a prática do desenho (técnico, de observação, perspectiva e demais modalidades pertinentes), o estudo dos métodos produtivos, além das propriedades estéticas (textura, cor, proporções etc) e funcionais das for- mas. Em cada uma das disciplinas, os alunos projetavam objetos e sistemas de uso concretos, sendo a última etapa da Sequência dedicada a um projeto avaliado com o mesmo rigor que os trabalhos de conclusão de curso, tanto pelos professores, quanto por representantes do meio empresarial, com os quais a fau mantinha relações institucionais. Aqui cabe uma comparação entre a fau-usp e a esdi: enquanto na escola paulista o encadeamento entre os diversos con- teúdos e aportes teóricos se dava no interior de uma única disciplina, de maneira a fornecer

57. Trata-se de um método projetivo disseminado pelo designer Andries van Onck em mini-cursos ministrado na fau-usp e na fiesp em 1965, e assimilados por vários professores daquela faculdade.

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os subsídios aos projetos executados, na esdi, como já vimos, os conteúdos eram ministrados FDGDTXDOHPXPDGLVFLSOLQDHVSHFt¿FDVHPTXHKRXYHVVHXPYtQFXORLQVWUXPHQWDOGLUHWRFRP os projetos que eram desenvolvidos ao mesmo tempo, o que dava origem às já discutidas ten- sões entre teoristas e práticos. Assim, o estabelecimento dos conteúdos variava de acordo com o funcionamento de cada um dos modelos curriculares, o que permitia uma maior integração no caso da fau.

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Embora vigorasse na fau um consenso geral a respeito da primazia do arquiteto para DSUiWLFDGRGHVHQKRLQGXVWULDOGXDVSRVLo}HVDQWDJ{QLFDVHVWDYDPHPSHUPDQHQWHFRQÀLWR naquela escola: em linhas gerais, uma delas concebia o arquiteto-designer como um intelectual da cultura, enquanto a outra o considerava como um técnico, cuja formação deveria atender DRVGHVD¿RVLPSRVWRVSHODLQGXVWULDOL]DomRSHODPRGHUQL]DomRGDVFLGDGHVHSHORFUHVFLPHQWR populacional.

A vertente que considerava o arquiteto-designer fundamentalmente como um intelectual GDFXOWXUDWLQKDHQWUHVXDVLQÀXrQFLDVRSHQVDPHQWRGRDUTXLWHWRHXUEDQLVWD/XFLR&RVWD que, ao longo de sua trajetória, conseguiu conciliar a adesão à arquitetura moderna com o reconhecimento da importância estrutural da tradição artenanal brasileira. Faziam parte dessa corrente os professores do Departamento de História da Arquitetura e Estética do Projeto e os estudantes ligados ao Gfau (o Grêmio da fau). A atuação desses agentes foi dedicada a conec- tar os estudantes ao passado de seu próprio território/cultura, e não somente a uma tradição transmitida pelos livros de história. Na prática, eles se empenhavam em compreender a cultu- UD WHFQROyJLFD DQ{QLPD EUDVLOHLUD SRU PHLR GD LGHQWL¿FDomR GH SRU H[HPSOR FRQVWUXo}HV vernaculares de interesse histórico. Além disso, conforme defende o professor Julio Katins- ky, citado por pereira (2009), as disciplinas de História deveriam também associar a prática do desenho industrial à problemática do trabalho humano, “mostrando como a evolução do

domínio tecnológico repropõe por meio da organização do trabalho as relações entre os ho- PHQV´. Katinsky acreditava que, “à medida que evolui o domínio tecnológico humano, na mes- ma proporção ocorre um reequilíbrio das relações de trabalho, e de uma nova solidariedade entre os homens” (katinski apud pereira: 2009, 177).

Além das disciplinas de História, outra expressão desse esforço intelectual foi a criação do Centro de Estudos Folclóricos pelo Gfau, dedicado a investigar técnicas construtivas nativas. No contexto da fau-usp a noção de “folclore” dizia respeito a uma identidade cultural brasileira preexistente, que deveria ser descoberta, compreendida e valorizada como uma herança cul- tural/tecnológica, e cujo reconhecimento não deveria ter um caráter ufanista ou demagógico.

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No documento As ambiguidades da doutrina (páginas 73-77)

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