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155contra as classes dominadas, e que intrínseca a essa sistêmica, deve ser alvo de adaptações

No documento As ambiguidades da doutrina (páginas 157-163)

GLVFXUVLYDVTXHSHUPLWDPFDPXÀiODQHXWUDOL]iODHQROLPLWHLQYHUWrODFRQIRUPHLOXVWUDP os argumentos de faggiani e nojima (2006), registrados no artigo Luxo e design: um esforço

de progresso, apresentado no 7o Congresso P&D.

Nesse artigo, as autoras defendem a ideia de que os artefatos de luxo, dada a sua alta com- petitividade, podem ser viabilizadores do progresso e do “desenvolvimento econômico de uma

nação”, na medida em que a produção de tais bens gera mais empregos, melhora a distribuição

de renda e a valorização identitária da região onde são produzidos. No que diz respeito aos benefícios gerados pelos objetos de luxo aos seus usuários, as autoras assinalam aqueles de ordem subjetiva/psicológica, como a valorização da auto-estima e da individualidade, o “sen-

timento de prazer da alma´HD¿UPDomRGDSHUVRQDOLGDGH(ODVVHEDVHLDPQRVDUJXPHQWRVGH Gilles Lipovetski, para quem o luxo é um mecanismo de humanização, na medida em que at- ende a complexidade existencial de nossas necessidades (“o luxo torna-se produto de primeira

necessidade para toda a sociedade´ $VDXWRUDVD¿UPDPDLQGDTXHQRFHQiULRJOREDOL]DGR

RVLJQL¿FDGRVRFLDOGROX[RYHPVHQGRUHQRYDGRHGHPRFUDWL]DGRQmRVHQGRPDLVVLQ{QLPR de espetáculo ou de escândalo. Por isso, elas defendem o “luxo acessível”, modalidade que HQJOREDDUWHIDWRVTXHSRGHPVHUFRPSUDGRVSRUXPDSDUFHODVLJQL¿FDWLYDGDVRFLHGDGH LGHQ- WL¿FDGDSHODVDXWRUDVFRPDFODVVHPpGLD SRUPHLRGHUHFXUVRVGHFUpGLWREDQFiULRRXPHVPR GRVDFULItFLR¿QDQFHLURHPSUROGDD¿UPDomRVRFLDO'HDFRUGRFRPDVDXWRUDVRVDUWHIDWRVGR luxo acessível se caracterizam por expressarem o prestígio de determinadas marcas, a original- idade, a excelência e outros atributos diferenciais, e que venham a conferir aos seus compra- GRUHVD³VHQVDomRGHD¿UPDomRGDSHUVRQDOLGDGHHGHDSUR[LPDomRDR~QLFRHGLIHUHQFLDGR´R que está na base de um “ritual diário de busca em alcançar um novo estilo de vida” (faggiani e nojima: 2006, s/p).

No que diz respeito à aproximação entre o luxo e o design, as autoras argumentam que essas duas noções já foram alvo de grandes mal-entendidos, por serem tomadas como sinôni- mos, mas que, atualmente, a distinção é clara, sendo o design “a essência dos produtos de

luxo”, além de uma ferramenta estratégica para a compreensão das expectativas dos consumi-

dores deste segmento e para o seu atendimento, mediante a oferta de produtos que sejam aptos a se converter em referências universais, intemporais e eternas – as supostas características do luxo. Em síntese, as autoras associam os artefatos e o consumo de luxo à melhoria social pela via de sua democratização, ou seja, pelo reconhecimento que todos têm direito ao luxo; ao mesmo tempo, elas defendem que os projetistas desses artefatos não projetam apenas “coisas”, PDVWDPEpPFRPSRUWDPHQWRVHVLJQL¿FDGRVRTXHRVVLWXDQXPFDPSRGHJUDQGHUHOHYkQFLD social, cultural e psicológica.

Já os defensores do legado esdiano/modernista dirigem críticas contundentes à associação positiva entre design e luxo, conforme ilustra a tese de doutorado do professor Frank A. Barral

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'RGG  QDTXDOVmRGLVFXWLGDVDVLQÀXrQFLDVFRQVLGHUDGDVQHJDWLYDVGDELEOLRJUD¿DHVSH- cializada em design, por apresentar uma “KLSHUWUR¿DQDUHSUHVHQWDomRGHFHUWRVSURGXWRVGH design e rarefação na de outros” (dood: 2011, 6). Em sua pesquisa, o autor dedicou-se a iden- WL¿FDUDVLPDJHQVUHFRUUHQWHVQXPDGDGDVHOHomRELEOLRJUi¿FDSDUDFRPSUHHQGHUGHTXHPD- QHLUDHODVFRQWULEXHPSDUDJHUDUHQWHQGLPHQWRVHTXLYRFDGRVVREUHDSUiWLFDSUR¿VVLRQDOGR designer, representando apenas os seus potenciais de mercado, e não os potenciais ligados ao que ele propõe como o “bom atendimento” das “necessidades humanas”. Para dar sustentação jVXDKLSyWHVHRDXWRUUHFRUUHXDYiULDVGH¿QLo}HVGHGHVLJQHODERUDGDVSRUWHyULFRVHSUR¿V- sionais de renome internacional92TXHLGHQWL¿FDPHVVDDWLYLGDGHFRPDFDSDFLGDGHKXPDQDGH

ordenar o caos e projetar “formas, interfaces, relações estruturais e soluções” para problemas HVSHFt¿FRV2SHVTXLVDGRUHYRFDWDPEpPRV³GH]SULQFtSLRVGRERPGHVLJQ´93 elaborados em

2003 pelo designer alemão Dieter Rams (por ocasião dos 50 anos da empresa Braun, do qual foi um dos principais colaboradores), o que sugere a associação entre boa forma e ética pública. O autor lamenta ainda a “boutiquização” do design, que teria sido transformado em “µDOJRHQ- JUDoDGR¶µXPDH[SHULrQFLD¶RXµRPDLRUEDUDWR¶” (bonsiepe apud dood: 2011, 29), criticando a ligação vigente do conceito de design ao consumo conspícuo: para esse pesquisador estaria em curso um processo de degeneração do conceito de design, em grande parte alimentado por livros que, ao serem ilustrados inadequadamente, estariam omitindo importantes dimensões da atividade de projetar ou dos atributos dos objetos, tais como planejamento, segurança ou conforto. Para o autor, “há um descolamento entre aquilo que mostram as imagens [dos livros investigados por ele] HXPDSDUFHODVLJQL¿FDWLYDGRXQLYHUVRGHSURGXWRVPHQFLRQDGRVGH necessidade e de usos” (dood: 2011, 150).

Visando garantir a consistência política de sua posição, o autor evoca diversas situações de miséria e privação, gerando um efeito de contraste entre as ilustrações glamourizantes dos livros em questão e um cenário social dramático, sobre o qual ele enfatiza: a quantidade de mortos por acidentes de trabalho no país; a baixa avaliação do Brasil no Programa Internac- ional de Avaliação de Alunos do ensino fundamental; as penúrias sofridas pelos trabalhadores da agricultura brasileira ou por outros trabalhadores urbanos privados de sono apropriado; a crescente população de idosos, supostamente desatendida pelos designers; as populações at- ingidas por catástrofes naturais; a pobreza extrema de 5,8 bilhões de habitantes do planeta; a concentração de riqueza nas mãos de poucos indivíduos; a subnutrição infantil; as vítimas de minas terrestres; as vítimas da malária; as vítimas da seca. Para o autor, todas essas realidades estariam sendo desconsideradas como alvos da ação dos designers, desinteresse explicado por

92. Os autores evocados por Frank Barral em sua tese foram, notadamente, Richard Buchanan, Gui Bonsiepe, Charles Eames e Tomás Maldonado.

93. De acordo com Dieter Rams, “o bom design é inovador (…); tem qualidades estéticas (…); faz com que um

produto seja útil (…); torna um produto compreensível (…); não é obstrutivo (…); é honesto (…); tem vida longa (…); é consistente até o último detalhe (…); é amigável em termos ambientais” (rams apud dodd: 2011, 26)

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livros ilustrados de design estariam se prestando à formação de uma ideologia segundo a qual as injustiças sociais existentes no mundo de hoje em nada se relacionam com o universo do de- sign. Para Frank Barral, seria condenável que alguém possa pensar “em produtos de consumo,

em luxo, arte (comercial) e moda” (dodd: 2011, 34) diante de tal cenário. Por isso, ele coloca em questão o trabalho de designers que projetam objetos com “motivações semióticas”, ou que atuam na fronteira entre a arte e o design, como é o caso do francês Philipe Starck, criador da OXPLQiULD$.FXMRSHGHVWDOWHPDIRUPDGHXPIX]LOODUJDPHQWHXWLOL]DGRSRUWUD¿FDQWHV nos morros do Rio de Janeiro ou por soldados mirins em Moçambique. Para Frank Barral trata-se de um design de “gosto duvidoso”, “um produto de marketing para manter em evi-

dência o nome de seu criador, o que ajuda a vender escovas de dente, cadeiras e aquecedores de mamadeira de sua criação (…). É o choque a serviço da autopromoção” (dodd: 2011, 34).

Acima, à esquerda, luminária AK-47, desenhada por Philipe Starck; abaixo, utensílios domésticos com ³GHVLJQGLYHUWLGR´GDLWDOLDQD$OHVVL à direita, artefatos da empresa alemã Braun, expressão consagradas do moderno design funcionalista. Na página seguinte, cartaz da exposição promovida pelo Cooper-Hewitt Museum, e o colorido ralador de queijo, da Alessi.

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Ainda com vistas à legitimar suas críticas, o professor Frank Barral menciona a série de exposições 'HVLJQIRUWKH2WKHU, promovidas pelo Cooper-Hewitt National Design Mu- seum (Nova Iorque), que tratam de divulgar projetos desenvolvidos por designers, engenhei-

ros, arquitetos e empreendedores sociais, visando o atendimento de populações carentes ou vítimas de desastres e guerras. A alusão de Barral ao Cooper-Hewitt Design Museum levanta uma questão central para as dinâmicas do campo: qual seria a contribuição dos museus espe- FLDOL]DGRVHPGHVLJQQDGLVVHPLQDomRGRVVLJQL¿FDGRVS~EOLFRVGHVWDDWLYLGDGHHQDIRUPX- lação da crença partilhada internamente, pelos agentes do campo? Seria a abordagem denun- cista do Cooper-Hewitt Museum uma regra, ou trata-se de um iniciativa isolada? Esta é uma problemática debatida pela pesquisadora Ethel Leon em sua tese de doutorado (2013), na qual dedicou-se a compreender o sentido da musealização do design, e particularmente das inicia- tivas do Idi/Mam-Rio, da fiesp e do Museu da Casa Brasileira.

1DSHVTXLVDHPTXHVWmRDDXWRUDD¿UPDTXHDGHVSHLWRGHLQLFLDWLYDVGLVVRQDQWHV WDLV como a mencionada acima, do Cooper-Hewitt Museum), as coleções permanentes de diver- sos museus especializados94 enfocam prioritariamente artefatos e sistemas típicos do espaço

privado, sejam itens do lar ou objetos de uso/consumo individual, nos quais a noção pre- dominante é a “domesticidade”, sendo este conceito ligado tanto ao espaço doméstico em si, quanto aos usos privados/íntimos dos artefatos musealizados. Leon lembra que a associação entre design e domesticidade remonta ao século xix, quando as primeiras coleções de objetos utilitários foram formadas na Inglaterra, buscando promover a educação/reforma do gosto do público consumidor.

94. Museu de Arte Moderna e Cooper-Hewitt, em Nova York; Centro Georges Pompidou e Museu de Artes Deco- rativas de Paris, em Paris; Pinakothek der Moderne, em Munique; Museu Victoria e Albert e Museu de Design em Londres, Design Center em Copenhagen; Museu da Casa Brasileira, em São Paulo.

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$DXWRUDD¿UPDTXHRYtQFXORGHVLJQGRPHVWLFLGDGHHVWiOLJDGRjD¿UPDomRGDVLGHLDV

higienistas (forty: 2007; leon: 2013), ligadas ao corpo e à saúde, e às transformações então perpetradas na organização da vida privada das camadas médias da sociedade britânica, no período vitoriano. Trata-se da ascensão do modo de vida burguês e das mudanças relativas à organização da família, na qual a mulher passava a exercer o papel de gestora da casa, prove- dora da educação da prole e guardiã da saúde de todos, o que requeria uma infraestrutura PDWHULDOHVSHFt¿FDQRkPELWRGRODUVHQGRHVWHRHVSDoRGHVWLQDGRjUHDOL]DomRGDIHOLFLGDGH FRQMXJDOHIDPLOLDUJDUDQWLGDSHORDPRUPDWHUQRSHORVODoRV¿OLDLVHSDUHQWDLVHSHODSURWHomR ensejada no seio da família. Neste paradigma, o lar passou a representar o refúgio no qual o homem (o marido) encontraria proteção e repouso em relação às agruras do mundo exterior, sendo a decoração e os artefatos do lar itens essenciais para a realização desta visão de mundo. Leon lembra que, além de representar o espaço protegido do mundo exterior, a moradia bur- guesa também passou a ser o palco de um novo tipo de sociabilidade, no qual a família recebia seus convidados para saraus e reuniões, num cenário que deveria estar organizado, dividido e DGRUQDGRGHDFRUGRFRPHVVHV¿QVHWDPEpPGHDFRUGRFRPDGLYLVmRGRWUDEDOKRGRPpVWLFR entre a sala de jantar (espaço social, ocupado pelo casal, sua prole e convidados) e a cozinha ou o quatro de engomar (espaço dos serviçais, destinado à realização de tarefas penosas). No que diz respeito ao higienismo, ela destaca a ascensão do banheiro como peça mais moderna da moradia, espaço de privacidade, individualidade e atenção ao corpo, no qual se realizava a as- sociação entre higiene e saúde, em torno de artefatos desenhados especialmente para amparar DVSUiWLFDVtQWLPDVD¿QV

A autora explica que, por trás da maioria dos objetos que vem sendo consagrados pelos acervos de design desde o século xix, em museus e outras instituições similares, existe outro FRQFHLWRXQL¿FDGRUDOpPGDGRPHVWLFLGDGHWUDWDVHGDQRomRGHFRQIRUWRHPVXDDFHSomR moderna, de bem-estar físico e material, sendo esta disseminada tanto por meio dos artefa- WRVREMHWLYDPHQWHGHVHQKDGRVFRPWDO¿QDOLGDGH SURPRYHUFRQIRUWREHPHVWDUHIDFLOLGDGHV diversas), quanto por uma série de progressos técnicos, incorporados em equipamentos e sistemas cuja presença nos é atualmente tão corriqueira, que tendemos a naturalizá-las (tais como talheres, itens do mobiliário, o sistema de água, aquecimento, gás, iluminação pública etc.)

A indagação de Leon à musealização dos artefatos do campo do design se dirige, num primeiro momento, à primazia conferida pelos museus aos bens domésticos e de uso privado; mas se dirige, sobretudo, às simbolizações políticas operadas por meio dos objetos musealiza- dos. A autora aponta que, embora as ideias de domesticidade e conforto, implicadas na maioria das coleções de design, venham a sugerir o contrário, essas escolhas não são desprovidas de VHQWLGRSROtWLFRHHVWmROLJDGDVjD¿UPDomRGHXPPRGHORGHRUJDQL]DomRVRFLDOTXHGHSHQGH do consumo das famílias para se manter operativo. Neste sentido, Leon aponta, por exemplo, que o “conforto do lar” se constituiu, durante a Guerra Fria, num “campo de batalha entre o

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modelo norte-americado e o soviético” (leon: 2013, 78). Para a autora, o que está por trás da KHJHPRQLDGDGRPHVWLFLGDGHHGRFRQIRUWRHQTXDQWR¿OWURVFXUDWRULDLVGDVFROHo}HVGHGHVLJQ não é exatamente o elogio do bem-estar, mas sim a manutenção de um modelo societário que depende do consumo familiar e individual para se perpetuar. Dentro deste modelo, o papel desempenhado pelas famílias é o de unidades de rendimento (na medida em que elas for- necem ao sistema a sua força de trabalho) e unidades de consumo, na medida em que “a casa

unifamiliar se tornou o alvo das indústrias de bens de consumo, cada vez mais próximas do mundo da moda, no lançamento sazonal de produtos”, se constituindo como a “unidade- destino dos diferentes serviços ofertados por empresas estatais ou privadas, como luz, água, gás, telefone” (leon: 2013, 72). Isso exige que o consumo seja sempre estimulado, seja pelos PHLRVSXEOLFLWiULRV H[SOLFLWDPHQWHGHVWLQDGRVDHVVH¿P RXQHVWHFDVRSHORVSURFHVVRVGH DUWL¿FDomR95 dos objetos e sistemas, que são levados a cabo pela musealização de determinadas

categorias de bens (e não de outras), conferindo a nobreza cultural necessária para mascarar a arbitrariedade ou a conspicuidade de grande parte das práticas consumidoras.

$QRomRGHDUWL¿FDomRTXHpGLVFXWLGDHPPDLRUSURIXQGLGDGHQDWHVHGH(WKHO/HRQGL]UHVSHLWRjWUDQVIRU- mação de pessoas, coisas e práticas não-artísticas em pessoas, coisas e práticas tidas como “artísticas”, cujo estatuto é transformado por intermédio da atuação de agentes socialmente reconhecidos para realizar esta operação. Trata-se de um conceito desenvolvido no âmbito da Sociologia da Arte pelas sociólogas Roberta Shapiro e Natalie Heinich.

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