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163Um dos legados deixados pela Bauhaus e pelos ateliês artísticos Vkuthemas/ Vkthein diz

No documento As ambiguidades da doutrina (páginas 165-167)

respeito às possibilidades efetivas de transformação da sociedade por meio da associação entre ciência, tecnologia e arte. Somados à ideologia vitoriana do conforto doméstico burguês (cris- talizada nas coleções de museus de design), os ideais utópicos dessas vanguardas do design se converteram em preocupações que continuam atravessando, mesmo que sutil e timidamente, HPHVPRTXHGHPDQHLUDVWUDQV¿JXUDGDVDVIRUPXODo}HVVXEVHTXHQWHVSDUDDVSUiWLFDVGRGH- sign, o que se constitui, ao mesmo tempo, num tributo à tradição modernista (mesmo que mo- tivado apenas por um interesse genealógico postiço), numa crença profundamente enraizada no inconsciente coletivo do campo, e ainda numa possibilidade efetiva, já que muitas práticas do designer podem, concretamente, subsidiar e viabilizar as melhorias propostas em todos os kPELWRVGHFODUDGRV VRFLDODPELHQWDOFRJQLWLYRSVLFRELR¿VLROyJLFRRUJDQL]DFLRQDOHWF 

No entanto, conforme professa a própria doutrina do campo, as práticas em questão rara- PHQWHDFRQWHFHPVHPTXHGHWHUPLQDo}HVH[WHUQDVHVWHMDPDEDOL]iODVHDGH¿QtODVPHV- mo que minimamente, sejam essas determinações oriundas da indústria, do empresário, do mercado, do usuário, do interlocutor (tal como nomeada pelo Design Social), de um Estado democrático ou totalitário etc. Efetivamente, um designer pode se dedicar a projetos de pró- teses diversas, que venham ampliar positivamente as potências do corpo humano em muitos VHQWLGRV(IHWLYDPHQWHXPGHVLJQHUSRGHSURMHWDUPHQVDJHQVLQVWUXo}HVLQIRJUD¿DVVLJQRV interfaces etc. que permitam que um enorme contingente de indivíduos se relacione de ma- QHLUDYLiYHOFRPRFRPSOH[RHQWRUQRXUEDQRFRPRFDRVLQIRUPDFLRQDORXFRPXPVHP¿PGH máquinas complexas que povoam o cotidiano. Efetivamente, um bom projeto pode dar origem DDUWHIDWRVEDUDWRVH¿FLHQWHVVHJXURVGXUiYHLVHFRPDOWRQtYHOGHDGDSWDELOLGDGHDVHXVXVRV previstos e ainda pouco onerosos em termos de gasto energético e de impacto ambiental. No entanto, um designer também pode realizar projetos de armas de fogo cuja empunhadura seja mais adequada aos usuários, ou cuja matéria-prima não seja detectada por sensores; pode re- DOL]DUSURMHWRVH[WUHPDPHQWHVR¿VWLFDGRVGHLGHQWLGDGHFRUSRUDWLYDSDUDHPSUHVDVTXHVHXWL- lizam de trabalho infantil ou que incidem sobre o meio-ambiente de maneira predatória, sem que estes componentes sejam considerados no trabalho projetual, ou até mesmo sejam delib- HUDGDPHQWHRFXOWDGRVSHODIRUPXODomRGHXPDUHSXWDomRS~EOLFD¿GHGLJQDSRUPHLRGDVHVWDU- tégias do branding. Esses são apenas dois exemplos, dentre muitos possíveis, cujos propósitos, conjuntura ou contexto podem ser severamente questionados em termos ético-políticos.

Assim, cabe perguntar: é realmente possível que o designer venha a transformar positiva- mente a realidade por seus próprios meios, movido somente por uma força vontade corpora- tiva, promovendo o desenvolvimento humano e a igualdade social? Seriam suas competências HVSHFt¿FDVYROWDGDVDSURPRYHUSUHFLVDPHQWHREHPFRPXPHDSURVSHULGDGHKXPDQD"2XOKH seria possível apenas promover o bem-estar, o conforto e as boas condições materiais de vida somente às parcelas solventes da sociedade, capazes de remunerar não somente o trabalho do designer, mas todo o sistema que de produção de artefatos e dispositivos? Seria o designer um

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agente essencialmente dotado de capacidades intelectivas capazes de instalar socialmente, e sem intermediários políticos, formas de consumo mais sustentáveis e novos mundos, mais de- sejáveis, agradáveis, amigáveis e legítimos? Ou seria o designer, ele mesmo, um intermediário de competência técnico-artística e cultural a serviço do poder político em voga (tal como ilus- WUDPPXLWDVHYLGrQFLDVKLVWyULFDV VHMDHVVHSRGHULGHQWL¿FDGRFRPDVRFLDOGHPRFUDFLDFRP o desenvolvimentismo, com os partidos verdes, com o neoliberalismo ou com totalitarismos de esquerda ou direita? E mais: seriam estranhas às atividades do designer as operações típicas da HFRQRPLDYXOJDUDWUDYHVVDGDVSHORVLQWHUHVVHVGRVDJHQWHVHPHGLDGDVSHODVWURFDV¿QDQFHLUDV e pelos direitos autorais? Seria a realidade do mercado passível de ser colocada à parte?

6HDUHVSRVWDDHVVDVSHUJXQWDVIRVVHD¿UPDWLYDLVVRVLJQL¿FDULDTXHXPGRVFRPSRQHQWHV GDUDULGDGHHVSHFt¿FDGDDWLYLGDGHGRGHVLJQHUVHULDHVVHQFLDOPHQWHSROtWLFRGRWDQGRTXDOTXHU um de seus praticantes do capital do poder necessário à condução dos projetos de acordo com sua própria ética e procedimentos, supostamente mais adequados aos problemas humanos do que outros. No entanto, conforme argumenta o historiador Adrian Forty, embora uma parte GDKLVWRULRJUD¿DGRGHVLJQWUDWHGHGLVVHPLQDURPLWRGDDXWRQRPLDFULDWLYDVHJXQGRRTXDO o designer é senhor e soberano de suas produções, a elaboração e implantação das mesmas é tributária de decisões que não lhes competem integralmente. Ou seja: embora os designers de- tenham o capital intelectual que os habilita a propor novas e melhores sistêmicas, novos e mel- KRUHVDUWHIDWRVQRYRVHPHOKRUHVXVRVGDWHFQRORJLDRXQRYDVHPHOKRUHVFRQ¿JXUDo}HVGRHV- paço construído, o poder efetivamente capaz de implantar tais melhorias é de natureza política HHFRQ{PLFDHQmRHVWiSUHVVXSRVWRQDVFRPSHWrQFLDVHVSHFt¿FDVGRGHVLJQHUHQTXDQWRWDO

Diante dessa constatação, é preciso indagar em que medida as prescrições para o de- sign – em particular aquelas mais moralmente guarnecidas, elaboradas no interior do campo acadêmico – não estariam ocultando, inclusive de seus próprios formuladores, a desconfor- tável condição estrutural de instrumentalidade desta prática, capaz de atuar não exatamente em favor do “bem”, e nem exatamente em favor do “mal”, mas em prol de um “fazer bem feito”, ou seja, em prol da formulação engajada de quaisquer interfaces, que possibilitem a quaisquer usuários a consecução de quaisquer tarefas, por meio do uso de quaisquer artefatos e sistemas, independente da natureza moral ou da destinação social dos mesmos.

É preciso indagar se as declarações de neutralidade política que caracterizam os campos intelectuais (incluído aí o campo do design) não estariam encobrindo a participação – direta ou indireta – de seus agentes nas muitas dinâmicas sociais que se valem dos bens simbólicos para demarcar diferenças de classe, mantendo assim, em última instância, as classes domina- das em seus lugares subalternos e servis, por meio dos racismos de classe (bourdieu: 2008a) sustentados pelas noções de bom-gosto e de mau-gosto, e que são tão caras ao campo estuda- do. É preciso perguntar se as noções de bom gosto, que já foram centrais para a determinação das competências do designer, foram efetivamente superadas pela emergência dos relativis- mos culturais e do advento do pós-moderno (ortiz: 1992; broWn e venturi: 2003), ou se elas

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