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históriaentre os torturadores na Lista de Prestes: Otávio Medeiros, ligado ao CCC (Comando de Caça aos Comunistas) e à TFP (Tradição,

5. Lei de Anistia

Anistia se relaciona com esquecimento, apesar de comumente associarem ao perdão. Fernando Ferraz de Castro Remígio explica: “No que se refere à Anistia Política, ela é comumente associada a perdão, possivelmente porque impede a punição de quem praticou crimes políticos. Na realidade, ela visa à solução de um conflito surgido em consequência de um momento de grave perturbação institucional, geralmente provocado pela deflagração de revoltas e insurreições no âmbito interno de um Estado. Quando resultam em golpes de Estado, como é o caso do Brasil, o fim desses regimes autoritários não acontece de um momento para outro”.25

Remígio propõe uma terceira natureza ao conceito de anistia. Para ele, não se pode considerar como perdão nem como esquecimento: “Regulada pela Lei n. 10.559/02, ela não se encaixa nem no esquecimento, nem no perdão. Na realidade, o Estado reconhece o passado (verdade e memória), recuperando o status jurídico profissional do anistiado (reparação), em razão dos prejuízos suportados por razões políticas. Cabe esclarecer que, de acordo com os princípios da Justiça de Transição, não há que se falar em anistia, mas sim em reparação, verdade e memória”.26

Assim, o Estado assume a responsabilidade pelos atos praticados e pela reparação das vítimas, tanto economicamente quanto reconhecendo que determinada pessoa foi vítima de desparecimento forçado.

A Lei 6.683/1979 (Lei de Anistia) foi promulgada durante a ditadura militar no Brasil e concede anistia à maioria dos crimes de natureza política realizados durante o regime. Rocha de Assis Moura, Coelho Zilli e Monteconrado Ghidalevich esclarecem: “Em agosto do mesmo ano, após ser aprovada pelo Congresso Nacional, a Lei de Anistia foi promulgada. Além de anistiar os autores de crimes políticos, permitindo, assim, o retorno daqueles que haviam sido exilados, as interpretações que prevaleceram levaram à consagração da impunidade dos responsáveis pela prática de tortura, prisões ilegais e desparecimentos forçados”.27

25.. remígio, Rodrigo Ferraz de Castro. Democracia e anistia política: rompendo com a cultura do silêncio, possibilitando uma justiça de transição. Revista Anistia Política e Justiça

de Transição. Brasília: Ministério da Justiça, n. 01, 1.º semestre de 2009, p. 188.

26.. Idem, 188-189.

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Dessa forma, foram beneficiados pela interpretação ampla da lei: aqueles agentes torturadores, responsáveis pelas práticas atentatórias aos direitos humanos durante o regime de exceção. Não se tomou nenhuma medida de natureza penal. Assim, o Brasil passou a usar os dispositivos alternativos para superar o passado, criando a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP) e a Comissão da Anistia.

A CEMDP foi criada pela Lei 9.140/1995, vinculada à Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República. A lei apresentou uma lista com 136 nomes de desaparecidos, reconhecendo-os como mortos. Além disso, a CEMDP se incumbiu da tarefa de solucionar outros casos de desaparecimento e mortes, sendo ampliada posteriormente “para abranger os casos de suicídios decorrentes de sequelas psicológicas resultantes de atos praticados por agentes públicos”.28

A Comissão da Anistia foi fruto da efetivação da anistia política prevista no art. 8.º do ADCT. Instalada pela Medida Provisória 2.151/2001 e transformada na Lei 10.559/2002, preocupa-se com a reparação econômica a quem sofreu perseguição política, ficando impedido de exercer atividade econômica entre 18 de setembro de 1946 e 5 de outubro de 1988. A Comissão de Anistia “reconheceu a anistia post mortem de Carlos Marighella, ex-deputado federal, cassado em 1947, e preso político em 1932, 1936 e 1937”.29 Foi

assassinado pelo DOPS em 4 de novembro de 1969.

Sobre a Lei de Anistia, é importante realçar a discussão suscitada pela Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n. 153. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) protocolou a ADPF, em 2008, contestando a validade do primeiro artigo da Lei de Anistia. A OAB sustentou que a interpretação desse artigo não é clara, questionando a validade da concessão de anistia aos agentes do Estado, conforme explica Cynthia Amaral Campos: “Para a Ordem, seria irregular estender a anistia de natureza política aos agentes do Estado, pois, conforme a entidade, os agentes policiais e militares da repressão política não teriam cometido crimes políticos, mas comuns. Isso porque os crimes políticos seriam apenas aqueles contrários à segurança nacional e à ordem política e social (cometidos apenas pelos opositores ao regime)”.30

28.. amBoS, Kai; malarino, Ezequiel; elSner, Gisela (Ed.). Op. cit., p. 185.

29.. Disponível em: <http://blog.justica.gov.br/inicio/tag/dops/>. Acesso em: 15 nov. 2012.

30.. campoS, Cynthia Amaral. ADPF 153 questiona constitucionalidade da Lei de Anistia para crimes cometidos no período da ditadura militar. Disponível em: <http://lfg.com.br/

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A ADPF 153 foi julgada improcedente em 29 de abril de 2010, ficando decidido que a Lei de Anistia abrangeria os crimes praticados pelos agentes do Estado. Segundo Kátia Rubinstein Tavares: “A decisão, em resumo, fundamentou-se no entendimento de que a Lei 6.683/79 é compatível com a Constituição Federal de 1988 e a anistia por ela concedida foi ampla e geral, alcançando os crimes de qualquer natureza praticados no período compreendido entre 1964 e 1979, por ter sido sua publicação um acordo político entre a sociedade civil e o governo desse período. Entendeu-se, ainda, que o § 1.º do art. 1.º da Lei de Anistia definiu os crimes conexos como sendo as infrações de qualquer natureza que estivessem relacionadas à prática por motivação política, ou seja, incluindo os delitos comuns. Após fazer alusão a crimes políticos e conexos existentes na concessão de anistia por vários decretos, observou-se que as expressões delitos conexos e políticos tiveram uma conotação no sentido do momento histórico da lei. Aduziu-se que o legislador realmente teria procurado estender a conexão aos crimes praticados pelos agentes públicos e aos que lutavam contra o governo de exceção”.31

Há um questionamento muito forte em relação ao julgado pelo Supremo Tribunal Federal. Não há possibilidade de conexão da tortura como crime político. Tortura é um crime contra a humanidade; assim, não cabe anistia nem prescrição. Luiz Flávio Gomes

defende essa posição: “(...) os crimes contra a humanidade (como é, v.g., o crime de tortura durante o período ditatorial), assim como os crimes de genocídio e contra a paz não podem ser considerados como crimes comuns (ou políticos), sendo por isso insuscetíveis de anistia ou prescrição, tal como já decidido pelas instâncias internacionais de direitos humanos”.32