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reflexão2.3 Crítica ao modelo inquisitivo de investigação brasileiro

2.3.1 Lesão ao princípio da paridade de armas

Ao adentrarmos o assunto de uma investigação defensiva, no qual o objetivo seria que o indiciado se defendesse provando sua inocência, confrontaríamos de imediato com certos obstáculos, como é o caso do princípio da paridade das armas, que claramente não foi incluído nessa parte da persecução penal.

O art. 14 do Código de Processo Penal preceitua que “o ofendido, ou seu representante legal, e o indiciado poderão requerer qualquer diligência, que será realizada ou não, a juízo da autoridade”. A nosso ver, o problema do referido dispositivo legal reside no vocábulo juízo.

À luz da Constituição Federal de 1988, o juízo que a autoridade deveria fazer não seria um juízo de valor meramente arbitrário, mas sim de verificar se o meio probatório que está sendo requerido é legal, ou seja, lícito e legítimo. Nesse entendimento, deveria ser feito o juízo da legalidade daquele meio pela autoridade policial que, procederia ou não com tal requerimento. Portanto, o requerimento de alguma diligência somente deveria ser indeferido em caso de ilegalidade, seja porque os meios pelos quais se produziria a prova afrontem a legislação, seja até mesmo em casos de o requerimento ter como objetivo protelar a conclusão do procedimento.

Seria surreal acreditar que esse posicionamento fosse sequer o minoritário.

No sistema processual penal brasileiro, não é isso que vivenciamos. Estamos diante de um sistema desigual entre acusador e acusado. Assistimos ao Ministério Público requerer inúmeras investigações e produções de provas (art. 129, VIII, da Constituição Federal) e à defesa, nada.

Ademais, acompanhamos o Ministério Público estruturar órgãos investigativos e periciais próprios. No Estado de São Paulo, por exemplo, há o Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado) e no Estado do Rio de Janeiro o GAP (Grupo de Apoio aos Promotores) e o Gate (Grupo de Apoio Técnico Especializado).

Se de um lado temos grupos que atuam junto ao Ministério Público, de outro temos o investigado que carece de infraestrutura e que até o presente momento apenas sugere a realização de diligencias à autoridade policial, as quais passarão pelo juízo da autoridade e serão realizadas ou não.

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Como bem assinala Antonio Scarance Fernandes, “no âmbito do processo penal, o princípio da igualdade garante, de um lado, o tratamento paritário aos que se encontram em posições jurídicas idêntica no processo e, de outro, as mesmas oportunidades para as partes comprovarem os seus argumentos”.15

Pertinente o que sustenta Luigi Ferrajoli ao dizer que “para que a disputa se desenvolva lealmente e com paridade de armas, é necessária, por outro lado, a perfeita igualdade entre as partes: em primeiro lugar, que a defesa seja dotada das mesmas capacidades e dos mesmos poderes da acusação; em segundo lugar, que o seu papel contraditor seja admitido em todo estado e grau do procedimento e em relação a cada ato probatório singular, das averiguações judiciárias e das periciais ao interrogatório do imputado, dos reconhecimentos aos testemunhos e às acusações”.16

Certamente o indiciado e seu defensor enfrentam uma desigualdade sem tamanho durante as investigações no inquérito policial.

2.3.2 Lesão ao contraditório e à ampla defesa

O inquérito policial compreende dois tipos de atos: o de investigação e o de instrução.

Entende-se por investigação todo o ato de pesquisar, indagar, buscar informações necessárias para a elucidação de um fato.17

Portanto, compreende-se que, no inquérito policial, os atos de investigação são aqueles com finalidade de procurar o delito e o seus autores, tais como as providências e diligências realizadas pela autoridade policial, como a preservação do local do crime e a busca de vestígios da infração.

Por outro lado, a instrução é aquisição ou transmissão de conhecimentos e, por isso, compreende o conjunto de atos praticados a fim de aparelhar o juiz para julgar. São exemplos os atos probatórios e os periciais.

Assim, o método da investigação deve ser sigiloso para impedir que a diligência seja obstada. Entretanto, a partir do momento em que a autoridade policial reduz a termo a diligência efetuada, passa-se, então, da investigação à instrução.18 O próprio Código de

15.. fernandeS, Antonio Scarance. Processo penal constitucional. 3. ed. São Paulo: RT, 2002. p. 46.

16.. ferraJoli, Luigi. Direito e razão. Teoria do garantismo penal. São Paulo: RT, 2002. p. 490.

17.. apolônio, Luiz. Apud Saad, Marta. O direito de defesa no inquérito policial. São Paulo: RT, 2004. 166.

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Processo Penal, em seu art. 9.º, preceitua que todas as peças devem ser reduzidas a escrito e rubricadas pela autoridade, bem como o § 1.º do artigo seguinte determina que a autoridade faça minucioso relatório do que houver sido apurado e envie os autos ao juiz competente.

Então, impedir que o defensor acesse19 os autos e examine o que foi produzido de provas contra seu cliente é impedir o direito ao

contraditório e à ampla defesa que lhe é assegurado constitucionalmente (art. 5.º, LV, da CF).

Fauzi Hassan Choukr20 alega que na investigação deve haver contraditório e ampla defesa pelo fato de ser o inquérito policial um

processo administrativo preparatório ao exercício da ação penal, no qual existiria conflito de interesses e, portanto, litígios e litigantes. Seguindo o mesmo raciocínio, Rogério Lauria Tucci21 afirma que a contraditoriedade da investigação criminal consiste num

direito fundamental do imputado, direito esse que, por ser “um elemento decisivo do processo penal”, não pode ser transformado, em nenhuma hipótese, em mero “requisito formal”e cuja observância, por isso, se impõe, sob pena de nulidade dos atos procedimentais praticados sem a efetiva assistência do defensor técnico constituído pelo indiciado, particular ou público.