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Crimes de posse como espécie de crime permanente e de perigo abstrato

Direito penal dos marginalizados linhas da política criminal argentina*

2. Crimes de posse como espécie de crime permanente e de perigo abstrato

I, p. V.

34.. Lei Nacional argentina 26.628 que regula a associação ilícita terrorista e o financiamento do terrorismo.

35.. alBrecht, Peter-AlexisN El Derecho penal en la intervención de la política populista. La insostenible situación del Derecho Penal. Trad. Ricardo Robles Planas. Granada:

Comares, 2000. p. 471.

36.. haSSemer, WinfriedN Prevención general y aplicación de la pena. Principales problemas de la prevención general. Trad. Gustavo Aboso – Tea Löw. Buenos Aires – Montevideo:

B. de F., 2004, p. 52.

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Há um costume incorrigível de dividir os crimes em comissivos e omissivos, conforme se viole uma proibição (comissão) ou um mandato (omissão própria ou omissão imprópria38). No entanto, tem-se abrandado essa distinção com uma terceira espécie: crimes de

posse. A referida categoria designa os crimes que descrevem expressamente a atividade punível como o “ter” uma coisa incriminada. Os crimes de posse são crimes de perigo abstrato.

De forma gráfica, Hassemer expõe que: “Una sola ojeada a los códigos penales actuales muestra que los delitos de peligro abstracto son la forma delictiva que corresponde al Derecho penal moderno. Los delitos de peligro concreto o la lesión parecen anticuados”.39 Contudo, é incontestável que um programa político fundado na proliferação de crimes de perigo abstrato traz, a reboque,

um problema que Günter Teubner caracterizou como “trilema regulador” (regulatorisches Trilemma): (a) a indiferença recíproca entre Direito e sociedade; (b) a desintegração social mediante o Direito; (c) a desintegração do Direito por meio de expectativas excessivas da sociedade.40

Na Argentina, adotou-se, em âmbito legislativo, certos paradigmas dessa “forma de conduta”, se assim se pode chamar, que são os seguintes:

2.1 Posse e porte de armas

41

O art. 189 bis, inciso 2.º, do Código Penal argentino dispõe que:

“A simples posse de armas de fogo de uso civil sem a devida autorização legal será reprimida com pena de prisão de 6 meses a 2 anos e multa de mil a dez mil pesos. Se as armas forem de uso militar, a pena será de 2 a 6 anos de prisão.

38 Crítico da denominação comissão por omissão: kaufmann, ArminN Dogmática de los delitos de omisión. Trad. Joaquín Cuello Contreras e José Luis Serrano González de

Murillo. Madrid-Barcelona: Marcial Pons, 2006. p. 279.

39..haSSemer, WinfriedN Rasgos y crisis del Derecho penal moderno cit., p. 242.

40..herZog, FélixN Límites al control penal de los riesgos sociales – Una perspectiva crítica ante el Derecho penal en peligro. Anuario de Derecho Penal y Ciencias Penales. Trad.

Elena Larrauri Pijoán y Fernando Pérez Álvarez, jan.-abr, 1993, p. 194-195.

41..Lei Nacional argentina 25.886, art. 1.° (B.O.N., 05.05.2004). É uma promiscuidade legislativa digna de crítica a construção jurídica de que o conhecimento dos fatos a subsumir nos incisos 1.°, 3.° e 5.° do art. 1.º da citada lei, que modificou o art. 189bis do Código Penal argentino, leva a competência para a jurisdição federal nos termos do art. 3.° da Lei Nacional 25.886. Considerações pontuais sobre essas figuras delitivas em: Balcarce, FabiánN iN Armas, municiones y materiales peligrosos en el Código Penal – art. 189 bis.

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O porte de armas de fogo de uso civil sem a devida autorização legal será reprimida com pena de 1 a 4 anos de prisão. Se as armas forem de uso militar, a pena será de 3 anos e 6 meses a 8 anos e 6 meses de reclusão ou prisão.

Se o portador de qualquer das armas referidas nos dois parágrafos anteriores for um possuidor autorizado de arma, a escala penal correspondente será reduzida em um terço em seus patamares mínimo e máximo.

A mesma redução prevista no parágrafo anterior será facultada quando, por circunstâncias do fato e das condições pessoais do autor, resultar evidente a falta de intenção de utilizar as armas portadas para fins ilícitos.

Nos casos anteriores, se determinará, ainda, a inabilitação especial pelo dobro do tempo da condenação.

Será reprimido com uma pena de prisão de 4 a 10 anos quem portar arma de fogo de qualquer calibre e registrar antecedentes penais por crime doloso contra a pessoa ou com o uso de armas ou se encontre gozando de uma medida descarcerizadora ou de uma medida despenalizadora de uma prisão anterior”.

A elevação dos mínimos em abstrato da pena privativa de liberdade do Código Penal incide na aplicação do Direito Processual Penal. Com isso, são subvertidos os sistemas, tanto o nacional, quanto os das províncias, de manutenção – isenção – ou recuperação – descarcerização – da liberdade, já que se impede, por meio da elevação das penas mínimas de diversos crimes, a prognose prevista no instituto da condenação condicional42* destinada aos crimes reprovados com pena privativa de liberdade de até 3 anos (art. 26 do

Código Penal argentino). Além disso, acaba-se automatizando a proclamação da prisão preventiva até o momento da sentença43 (falácia

substantivista). Trata-se de uma substanciação do processo penal por meio da elevação das penas.

Historicamente, com a introdução desses tipos penais, o legislador nacional, que está atento ao sistema federal argentino em que os Códigos de Processo Penal são da competência dos Estados locais (salvo o Código de Processo Penal federal), enquanto o Código Penal compete à União, vem manipulando as instituições processuais. Assim e de modo paralelo, propicia-se o aprofundamento da crise do suposto federalismo argentino e, também, o renascimento do punitivismo.44

42..* (N.T) Trata-se de uma espécie de sursis que, junto à suspensão da pena, revoga a própria condenação, caso o condenado cumpra as condições impostas judicialmente. 43.. Essa manipulação foi denunciada na Alemanha por: volk, Klaus. La dogmática clásica de la Parte General ¿Amenazada de extinción?. La verdad sobre la verdad y otros

estudios. Trad. Eugenio Sarrabayrouse. Buenos Aires: Ad-Hoc, 2007. p. 159.

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2.2 Posse de entorpecentes

45

O art. 14 da Lei nacional 23.737 de jurisdição federal prevê que:

“Será reprimido com prisão de 1 a 6 anos e multa de 300 a 6.000 austrais46* quem tiver em seu poder entorpecentes. A pena

será de 1 mês a 2 anos de prisão quando, por sua escassa quantidade e demais circunstâncias, houver indicações inequívocas de que a posse é para uso pessoal”.

Os crimes de posse vêm sendo submetidos a uma constante retórica. Na opinião de importantes juristas, os crimes de posse não passam de um retrocesso legislativo que serve para reprovar um estado prévio à lesão do bem jurídico.47 Assim, se tem afirmado que a

expressão “ter” não descreve qualquer forma de conduta humana.

A proibição genérica de possuir objetos perigosos persegue fins que hipoteticamente põem em perigo um bem jurídico, de modo que a proibição penal acaba sancionando com base em uma mera suspeita.48

Em termos gramaticais, “ter” e “possuir” são verbos que tendem a expressar uma atividade. No entanto, o uso linguístico percebe os verbos “ter” e “possuir”, antes de mais nada, como relações de determinada classe entre uma pessoa e uma coisa. Exemplifica

Struensee: “A” tem uma casa, um carro, uma empresa e etc. Adverte Struensee que as palavras “ter” e “possuir” podem também expressar que certas propriedades ou capacidades correspondem a uma determinada pessoa: “A” tem/possui humor, compreensão, um extraordinário conhecimento da língua castelhana, um grande talento musical ou bom gosto. Ambas as palavras descrevem também relações entre pessoas: “A” tem/possui uma mulher e dois filhos, todavia, não tem/possui pais vivos. Ressalte-se ainda que esses verbos podem ser usados para caracterizar a estima, seja positiva ou negativa, que se professa por alguém ou por uma coisa, por exemplo, quando se diz que “A” tem/possui o afeto de sua família, o respeito de seus colegas, a confiança de seus colaboradores e poucos inimigos. Nenhum desses significados indica, nem remotamente, uma conduta, o que há muito tempo foi observado por Struensee. Na

45.. Crítica pontual em: falcone, Roberto; capparelli, FacundoN Tráfico de estupefacientes y Derecho penal. Buenos Aires: Ad-Hoc, 2000. p. 169-171.

46..* (N.T) Austral foi a moeda adotada na Argentina entre os anos de 1985 e 1991.

47.. Conferir: neStler, CorneliusN El principio de protección de bienes jurídicos y la punibilidad de la posesión de armas de fuego y de sustancias estupefacientes. In: La insostenible

situación del Derecho Penal. Trad. Guillermo Benloch Petit. Granada: Comares, 2000. p. 65.

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linguagem da lei civil, as palavras “ter” e “possuir” referem-se à relação de domínio e não a uma atividade.49

Ainda na trilha dos passos de Struensee, percebe-se que os verbos “ter” e “possuir” apenas adquirem o sentido de “fazer” quando houver: (a) a aquisição da posse por meio de uma ação; (b) uma ação de resistência contra a perda da posse; (c) o emprego ou a utilização da coisa. De todo modo, a aquisição da coisa precede ao seu ter. A preservação tampouco descreve material e linguisticamente uma conduta que possa ser caracterizada como um mero ter. Por último, pontue-se que subsumir o emprego do objeto incriminado na posse conduz a intrincadas dificuldades nas regras do concurso de crimes, posto que, por exemplo, a utilização de armas já está abarcada por outros numerosos tipos penais. A partir da sensibilidade linguística, parece ser altamente questionável conceber o emprego, o uso e a utilização de uma coisa como subcasos de um “ter comissivo”.50

Além disso, esclarece Struensse que “ter” e “possuir”, como exercícios do poder de fato sobre uma coisa, descrevem a relação de coordenação entre uma coisa e uma pessoa e, assim, pressupõem evidentemente que a pessoa não tenha descartado a coisa. Contudo, esse poder não pode ser materialmente concebido como a omissão de se abandonar a posse.51

Em síntese, racionalmente cabe ao legislador declarar puníveis somente ações apreensíveis, como a aquisição não permitida de armas. Além disso, pode ser necessário criar tipos omissivos de contornos bem definidos. Em contrapartida, um tipo de posse não permitida, que em sua literalidade declara punível um mero estado e que nem por via interpretativa passa de uma figura amorfa, não deveria existir.52

Segundo a concepção dominante, os tipos de posse formam parte dos crimes permanentes. Nesses, o ilícito se intensifica, por um atuar ou um omitir posterior do autor, na medida da intervenção provocada no bem. Dessa feita, a conduta delitiva se prolonga na conduta seguinte, na qual é possível a participação,53 que impede a prescrição e etc. Concordo com Struensee que essa definição é mais

49.. Nesse ponto, sigo o pensamento de: StruenSee, EberhardN Los delitos de tenencia. Problemas capitales del Derecho penal moderno. Trad. Fernando Córdoba, Buenos Aires,

1998. p. 107-112 e nesta edição de Liberdades. 50.. Idem, ibidem.

51.. Idem.

52.. grünwald Apud Struensee. Op. et loc. cits.

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precisa. Isso porque, para que se admita que um delito permanente se baseie expressamente em uma conduta posterior, falta aclarar que a conduta posterior deve realizar o mesmo tipo penal comissivo ou um delito omissivo impróprio correspondente.54 Nos crimes de

posse, essa classificação pressupõe que, no “ter”, seja vista a conduta delitiva do autor.

Fiandaca e Musco expõem que: “actualmente la doctrina dominante rechaza la denominada concepción bifásica del delito

permanente, según la cual la fase de la llamada instauración se realiza con una acción y aquella del mantenimiento con una omisión. En efecto, se reconoce que también la fase de la instauración puede ser realizada con una omisión, mientras que se admite que el estado antijurídico puede ser mantenido, con acciones positivas”.55

Em resumo, essa técnica de tipificação se afasta indiscutivelmente do Direito Penal do fato (ação ou omissão).