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José Danilo Tavares Lobato

6. Posse como uma situação ou estado

Schroeder pontua que o legislador alemão tem tentado enquadrar a posse nas modalidades de ação e de omissão, mas que não se pode perder de vista que, desde 1904, o conceito de omissão foi retirado do bojo do conceito de ação.92 Por outro lado, as teorias da

ação93 que surgiram posteriormente, por mais amplas que fossem, não abarcaram dentro do conceito de ação a posse como uma situação

88.. Idem, p. 330-331. 89.. Idem, p. 331. 90.. Idem, p. 333. 91.. Idem, p. 333.

92.. Schroeder, Friedrich-Christian. Op. cit., p. 448.

93.. Um panorama das teorias da ação em: loBato, José Danilo Tavares. Há espaço para o conceito de ação na teoria do delito do século XXI? Revista Liberdades, n. 11, São

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ou estado de domínio.94 Assim, configura um erro distinguir, como ação, o foco do legislador no estabelecimento da posse e, como

omissão, o relevo legislativo na manutenção da posse, isso porque o próprio estabelecimento da posse pode resultar de uma omissão – não resistência contra uma imposição de posse –, enquanto que a manutenção da posse pode ter origem numa ação – resistência contra uma tentativa de desapossamento.95 Com maior frequência, a tipificação dos crimes de posse se aproxima do momento em que

a posse é estabelecida, ou seja, pune-se a obtenção do objeto, o que, contudo, não permite que se ceda aos propósitos do legislador de facilitar o trabalho probatório, principalmente, quando a facilitação da colheita da prova busca contornar o ônus processual da efetiva prova da aquisição do objeto.96 Paralelamente, Schroeder retoma uma das críticas feitas por Lagodny e expõe que, mesmo que a posse

seja concebida como a omissão de sua renúncia, essa possibilidade de renúncia deve ser provada. No entanto, isso se transforma em um difícil problema a ser resolvido, já que é impossível de concretizar a conduta devida sem a prévia realização do verbo típico penal, eis que a redação das nucleares dos crimes de posse cria essa dificuldade lógica. Nesse sentido, veja-se o que ocorre com os verbos possuir e ter.

Schroeder concebe a posse como uma situação ou um estado de perigo. Desse modo, entende que uma reinterpretação dos conceitos de ação e de omissão não é adequada à essência do conceito de posse, seja por causa de seu sentido semântico ou porque a razão de sua punibilidade encontra-se na posse como fonte de perigo, sendo certo que o perigo não se localiza na aquisição da coisa ou na sua não abdicação, mas, sim, na posse como um estado ou uma situação.97 Em sua visão, a aquisição e a recusa em abdicar o

domínio do objeto não são os pontos centrais do problema. Em outros termos, para Schroeder, a razão de ser da criminalização dos crimes de posse funda-se no domínio da coisa. A dominação do objeto é que se constituiria como um estado permanente de perigo. Entretanto, a falha da concepção de Schroeder, que a seu ver teria o mérito de evitar buracos de punibilidade, surge justamente da não precisão do perigo.98 Esse defeito teórico cria amplas vias de acesso para o exercício do poder punitivo e, inegavelmente, constitui-se

no grande demérito de sua proposta. No entanto, para justificar o “mérito” de sua proposta, Schroeder propõe o seguinte exemplo, em que inexistiriam ação e omissão: Tício, que se encontra no exterior, é informado por seu vizinho de que, no terreno de sua propriedade,

94.. Schroeder, Friedrich-Christian. Op. cit., p. 448.

95.. Idem, ibidem.

96.. Schroeder, Friedrich-Christian. Op. cit., p. 448.

97.. Idem, p. 448-449. 98.. Idem, p. 449.

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fora depositado um pacote com drogas, contudo, como não havia ninguém que pudesse retirar o pacote do terreno; Tício decide manter a droga em seu terreno.99 Essa digressão serve para que Schroeder afirme o fracasso das tentativas de interpretar a posse como ação e

omissão, com o que, em sua visão, justificaria a permanência da posse, para o Direito Penal, como um estado.100 Desse modo, Schroeder

refuta a proposta de Lagodny de que os crimes de mera posse seriam inconstitucionais por ausência de cobertura dos fins da pena e por infração ao art. 103, II, da Lei Fundamental alemã, e reafirma a jurisprudência da Corte Constitucional Federal alemã de que o princípio nulla poena sine lege, inscrito no citado art. 103, II, impõe a existência de lei penal prévia e não condições sobre a qualidade do comportamento punível pelo Direito Penal.101 Schroeder ainda raciocina sobre a existência de outros tipos penais que incriminem

a mera manutenção de estados ou situações. Nesse sentido, cita, como exemplo, o crime de organização de jogos de azar previstos no § 284, I, em sua modalidade “manter jogos de azar”, e o crime de operação ilegal de instalações técnicas, disposto no § 327, I, 1, em sua modalidade “ter instalações técnico-nucleares”, todos do Código Penal alemão, além do revogado § 143, em sua modalidade “manter um cão perigoso”.102 O pensamento de Schroeder não é algo isolado, tanto que ele recorre a uma resenha de Ernst-Joachim Lampe

sobre as obras Besitz als Straftat de Ken Eckstein e Die Handlungsform der Unterlassung als Kriminaldelikt de Michael Kahlo e a uma conferência de Ulfrid Neumann, com o fim de justificar sua reflexão sobre a existência de outras prescrições penais em que não haveria ação e nem omissão.

No entanto, ao ler a resenha, fica a impressão de que Schroeder deu um alcance hermenêutico à concepção de Lampe maior do que deveria. Há excesso em sua leitura. Lampe faz uma defesa teórica e não prática dos crimes de posse. Em outras palavras, a espécie dos crimes de posse existe dogmaticamente e deve ser objeto de reflexão pela Ciência Penal.103 Até por se tratar de uma resenha,

nela não se apresenta uma nova teoria e nem se sugere qualquer novidade dogmática. Lampe expõe que a posse é o exercício de um domínio sobre o estado ou situação da coisa e que a posse potencial é esse não exercício. Por outro lado, acredita que os crimes de posse

99.. Idem, ibidem. 100 Idem.

101 Schroeder, Friedrich-Christian. Op. cit., p. 449.

102 Idem, ibidem.

103 lampe, Ernst-Joachim. Kahlo, Michael: Die Handlungsform der Unterlassung als Kriminaldelikt, Frankfurt a.M.: Klostermann, 2001 – Eckstein, Ken: Besitz als Straftat, Berlin:

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impliquem a descoberta dos crimes de status.104 Aceitando-se essa categoria de crimes, teoricamente, seria admissível a existência de

crimes cometidos não por meio de um comportamento, mas pela posse de um status social, o que, contudo, não existe de lege lata e, por esse motivo, importa a diminuição da importância prática da espécie delitiva dos crimes de status.105 A participação como membro

de uma associação criminal seria o delito que mais se aproximaria dos crimes de status.106 No entanto, Lampe recusa que o § 129 do

Código Penal alemão se encaixe dentro dessa modalidade típica, uma vez que a lei não se contenta com a mera qualidade de associado, mas exige uma participação na qualidade de associado, do que decorre a necessidade de haver um comportamento humano, posto que sem isso o indivíduo não participa da associação.107

Os exemplos dados por Schroeder nos remetem ao crime de manutenção de casa de prostituição, previsto no art. 229 do Código Penal brasileiro. No entanto, não nos parece que seja correta a afirmativa de que inexiste ação nessas modalidades típicas. A manutenção para ser configurada depende da prática de inúmeros atos, isto é, ações humanas. Por exemplo, no caso do nosso art. 229, para que a casa de prostituição seja mantida, alguém deverá cuidar das providências materiais para que o local funcione e a prostituição possa ocorrer, o que implica a realização de inúmeros atos materiais para gerenciar o empreendimento, como contratação e pagamento de profissionais e fornecedores, administração das receitas e custos etc. O problema está no fato de que a lei não prevê concretamente quais são os atos que configuram a conduta de manter uma casa de prostituição. Nesse tocante, o legislador empregou, como técnica legislativa, uma cláusula geral a ser concretizada pelo Poder Judiciário. Cumpre perceber que não é porque a lei penal se valeu de uma descrição aberta da conduta, que essa não exista. Nisso, está o erro da concepção de Schroeder, que ainda busca relativizar os efeitos de sua concepção, afirmando que o decisivo seria satisfazer o princípio do Estado de Direito da Culpabilidade, que se concretiza por meio do poder de agir de outro modo, da possibilidade de se abdicar da posse do objeto e da necessária existência de dolo ou culpa referida à posse.108

104 lampe, Ernst-Joachim. Op. cit., p. 896.

105 Idem, ibidem. 106 Idem.

107 lampe, Ernst-Joachim. Op. cit., p. 896. Em sentido contrário, encontra-se Pastor Muñoz que desconsidera a crítica de Lampe, aceita acriticamente a categoria dos crimes

de status e a hipótese do crime de associação como o tipo modelo dessa espécie típica e, ainda, afirma a possibilidade de se imaginar outras hipóteses de crimes de status:

Pastor Muñoz, Nuria. Op. cit., p. 15-19.

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