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Direito penal dos marginalizados linhas da política criminal argentina*

10. Reconstrução: Estado de Direito e eficiência judicial

Na Argentina, em detrimento das garantias constitucionais dos menos favorecidos, há um movimento político-criminal de promoção, sem qualquer constrangimento, da priorização do eficientismo penal.

A partir da organização e sistemática defesa dessa pauta, obteve-se uma forte influência na formação da política criminal do Estado, principalmente, porque esse movimento não encontra uma séria oposição, como grupo de pressão, dos próprios integrantes dessa parcela da sociedade. De fato, no contrato social celebrado entre burgueses e Estado, que deu origem ao nascimento filosófico do Direito Penal Liberal, esse grupo não estava representado. Nesse ato de fundação, nasceu também o caráter de bode expiatório implícito dos grupos marginalizados, que é algo derivado da necessidade funcional da delinquência. Antes mesmo de serem privados da liberdade pela condenação criminal, os direitos dos marginalizados já se encontram desvalorizados.99 Assim, quando esses indivíduos são presos

e privados de sua liberdade, apenas se tem a continuidade dessas originárias restrições.

97.. Baratta, AlessandroN Funciones instrumentales y simbólicas del Derecho penal: una discusión en la perspectiva de la Criminología crítica. Criminología y Sistema Penal. Trad.

Mauricio Martínez Sánchez. Buenos Aires – Montevideo: B de F, 2004. p. 85. 98.. raguéS I valléS, Ramón. Op. cit., p. 5.

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Com a diagramação das figuras delitivas dentro do espectro dos crimes de perigo abstrato, de posse e permanentes, bem como também dos crimes residuais, a legislação se afasta claramente do ideal proclamado pelo princípio da lesividade e pelo Direito Penal do ato (ação ou omissão).

Outorga-se à polícia administrativa potestades discricionárias nas atividades de inteligência criminal e se promove a deformação e a pauperização dos métodos científicos de investigação, fraudando-se, desse modo, a Criminalística. Uma vulgar Criminologia etiológica100 surge ex ante nos preconceitos policialescos voltados àqueles que, na qualidade de potenciais delinquentes, possuem

determinada imagem de degradação diante dos parâmetros sociais usuais.

Um breve resumo de sua fisionomia: “El delincuente era el ‘otro’, una persona distinta de las demás, en términos cuantitativos, un producto ajeno a la propia sociedad y externo a la misma; procedente, desde luego, de las clases de más baja extracción social. Las causas de comportamiento criminal se buscaron siempre en determinados factores individuales biofísicos y biopsíquicos, sin que sea necesario recordar ahora el conocido estereotipo lombrosiano de delincuente. El crimen aparecía, naturalmente, como comportamiento disfuncional, nocivo, patológico –fruto, incluso, de la propia “patología social”– que la sociedad tenía que extirpar como cuestión de supervivencia”.101

Não é obra da imaginação afirmar que o positivismo criminológico mais duro – o biológico, o do criminoso atávico102– está

imbricado na construção dessas leis. Nesse sentido, manifestou-se o Senador Menem sobre a modificação do art. 189bis do Código Penal argentino: “Quiero hacer una última reflexión sobre el tema de la pena más dura o más blanda. Posiblemente las penas son un poco elevadas. Escuché decir que el que va a cometer un delito no se está fijando en la pena. Hay quienes se preguntan: ¿Acaso ustedes han visto algún delincuente que diga: vamos a ir a robar ¿A ver qué dice el Código Penal…? No es cierto; nadie se fija en eso. Eso en cuanto al sentido disuasorio que puede tener la pena. Pero la pena tiene también un sentido retributivo de castigo. En consecuencia, si bien el que comete ciertos tipos de delito, como los que están hoy en boga, no lo vamos a disuadir de que no los cometerá – si ya tiene en sus genes el hecho de ser delincuente, como decía Lombroso –, se aplicaría aquí el sentido retributivo, ya que lo vamos a sacar de

100 Teorias da “criminalidade” em oposição às da “criminalização” (interacionistas e definitoriais). garcía-paBloS, AntonioN Hacia una revisión de los postulados de la Criminología

tradicional. Anuario de Derecho Penal y Ciencias Penales. Ministerio de Justicia, Madrid, maio-ago. 1983, t. XXXVI, fasc. II, p. 261. 101 garcía-paBloS, Antonio. Op. cit., p. 341.

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circulación para que no siga cometiendo delitos”.103

A presunção de inocência, em seu corolário in dubio pro reo, é afetada quando, sem o indispensável suporte probatório, medidas cautelares coercitivas são postas em prática.

As teorias das exceções às exclusões probatórias logicamente violentam os direitos individuais relativos à privacidade domiciliar e à intimidade corporal.

O rito processual abreviado – fundado no estado de flagrância – afeta os postulados da garantia do juízo prévio. Ao mesmo tempo, debilita a função da dogmática, que é própria da teoria do delito. Hassemer afirma:104 “(…) en mi opinión no son una opción en sentido

verdadero, sino más bien una resignación impuesta por las necesidades del Derecho penal moderno”.

A disjuntiva posta por esse pensamento é clara: com tantas garantias não se pode lograr eficiência na investigação, no esclarecimento e na punição dos crimes cometidos.

De um modo geral, afirma-se105 que, tal como a justiça que se encontra em uma situação de contraposição principiológica perante

a segurança jurídica, o mesmo ocorre com a formalidade da justiça e a eficiência do Direito Penal e do Direito Processual Penal. Um instrumental enérgico é uma típica ameaça, no processo penal, aos direitos do imputado. Se em uma só ideia se reúnem a conformidade ao Estado de Direito e a energia, então, vota-se a favor da eficiência, ainda que de modo inconsciente. O Estado de Direito vive da contraposição entre formalidade da justiça e eficiência. Para que se consiga manter a conformidade ao Estado de Direito, torna-se necessário que se controle e freie o Estado forte e, idealmente, que se seja capaz de quebrá-lo em caso de conflito.

Em minha visão, o binômio Estado de Direito versus eficiência judicial é um falso dilema. Não pode existir eficiência judicial se não houver respeito a todas as garantias que compreendem o Estado de Direito. O garantismo, hoje transformado em discurso de resistência,106 não elabora programas político-criminais, mas se constitui no baluarte em face de possíveis abusos praticados pelo Poder

103 Encontra amparo em: Antecedentes Parlamentarios. La Ley, Buenos Aires, maio, 2004, p. 982. Balcarce, FabiánN Armas, municiones y materiales peligrosos cit., p. 43-44.

104 haSSemer, WinfriedN Rasgos y crisis del Derecho penal moderno cit., p. 247.

105 haSSemer, WinfriedN Lineamientos de un proceso penal en el Estado de Derecho. Críticas al Derecho penal de hoy. Trad. Patricia Ziffer. Buenos Aires: Ad-Hoc, 1995. p. 80.

106 Essa argumentação encontra simpatia em: paredeS caStañón, José ManuelN ¿“Al otro lado del discurso jurídico penal”? Sobre las bases político-criminales de la “modernización”

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Público ao desenvolver tais programas.107 No garantismo, os princípios limitadores da potestade punitiva do Estado estão na frente dos

objetivos político-criminais.108 A violência estatal organizada, que ultrapassa os limites constitucionais, é tão ilícita quanto a violência

delitiva que se proclama reprimir. Nesse caso, é preferível viver órfão de organização a legitimar um Estado “delinquente”.

11. Conclusão

No século XIX, Francesco Carrara escreveu que: “La loca idea de que la medicina debe extirpar todos los morbos conduciría a la ciencia salutífera al empirismo, así conduce al pueblo a tener fe en los curanderos. La loca idea de que el derecho punitivo deba extirpar los delitos de la tierra, conduce en la Ciencia penal a la idolatría del terror y al pueblo, a la fe en el verdugo, que es el verdadero curandero del Derecho penal”.109

Assim como o Direito Penal é a ultima ratio no ordenamento jurídico, a Política Criminal deveria ser o último âmbito político de discussão e somente digno de abertura ante a inevitável necessidade do uso da repressão como meio de contornar o fracasso de outras políticas públicas estatais, por exemplo: as preventivas, educacionais, sociais etc. Importa rechaçar a “(...) elevación acrítica de la idea de seguridad a principio rector de la Política criminal y de la dogmática”.110 O garantismo se transformou em discurso de resistência.

De modo algum, deve ceder frente ao atual Direito Penal de segurança cidadã, cujo nascimento se deu à sombra da sociedade de risco. Em suma, não é certo, como se proclama, que na Argentina faltem diagramas planificados para a política criminal. Em relação à classe social excluída do contrato de fundação do chamado Estado liberal, entendo haver demonstrado que existe uma induvidosa planificação governamental ofensiva aos princípios básicos que regem a dogmática de qualquer Carta Magna vigente no mundo.

A face positiva de promoção dos cidadãos nos sistemas sociais acaba não ganhando forma nesse Estado social ausente, com

107 díeZ ripolléS, José Luis. Op. cit., p. 123.

108 paredeS caStañón, José Manuel. Op. cit., p. 25.

109 carrara, FrancescoN Programa del curso de Derecho criminal dictado en la Real Universidad de Pisa. Trad. Sebastián Soler – Ernesto Gavier – Ricardo Nuñez. Buenos Aires:

Depalma, 1945, III, p. 14.

110 Conferir: navarro cardoSo, Fernando. El Derecho penal del riesgo y la idea de seguridad. Una quiebra del sistema sancionador. Pensamiento penal y criminológico, ano VI,

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isso, termina substituída por uma Criminologia etiológica que se molda em uma Política Criminal instituída a partir da face negativa repressiva e intervencionista desse mesmo Estado social: Direito Penal de autor, olfato policial, presunção de culpabilidade, in dubio pro Estado e processos alheios à garantia do julgamento prévio à condenação. A pena converte-se no substituto dos meios que o Estado deveria ter provido ao cidadão como forma de possibilitar sua participação no sistema social. A suplantação dos meios políticos por meios repressivos da legislação penal tem uma justificativa bastante sutil: “(…) la convicción de que la criminalidad tiene su explicación en la libre voluntad del delincuente, y no en carencias sociales que pueden condicionar su comportamiento”.111 Assim,

mascara-se o necessário enfoque estrutural que está por trás de uma perspectiva volitiva.

Nem se fale na reintrodução desses programas como Política Criminal intrassistemática. O monstro se retroalimenta até se converter em um glutão autoritário. Essa política vem escapando ao controle do discurso jurídico penal e, por consequência, tem posto em sério perigo112 o tradicional trabalho dogmático.113

Não é de tom “liberal” reduzir garantias em um setor do Direito Penal para lograr eficiência na persecução de outros setores. De toda forma, quem preza pelo Direito deve afirmar a existência de prerrogativas individuais e de garantias em qualquer lugar onde haja a violência organizada do Estado.

Em resumo, há uma legislação penal de emergência, uma concepção bélica do Direito Processual e um Direito Penal do inimigo. Em contraposição a esse quadro, nasce o discurso de resistência. A “população” atacada, como de costume, é a dos que menos têm. A guerra começou, ou melhor, continua, mas em um novo cenário.

O estado espiritual do Direito Penal argentino, na teoria e na prática, é muito cruel para os maginalizados.114 Tão cruel, pretendia

111 díeZ ripolléS, José Luis. Op. cit., p. 166.

112 Zaffaroni, Eugenio rNN Política y dogmática jurídico-penal. Crisis y legitimación de la Política Criminal, del Derecho penal y Procesal penal. Córdoba: Advocatus, 2002. p. 52.

113 Sobre o valor da dogmática: gimBernat ordeig, EnriqueN ¿“Tiene un futuro la dogmática jurídicopenal”. Estudios de Derecho Penal. Madrid: Tecnos, 1990, p. 140 e ss.; welZel,

HansN La dogmática en el Derecho penal. Cuadernos de los institutos, n. 116, F.D.C.S., U.N.C., 1972, p. 29 e ss.; friSch, Wolfgang. Comportamiento típico e imputación del

resultado. Trad. Joaquín Cuello Contreras – José Luis Serrano González de Murillo. Madrid/Barcelona: Marcial Pons, 2004. p. 20.

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Panorama dos crimes de posse1