• Nenhum resultado encontrado

reflexãosite, constam obras doutrinárias e julgados relacionados à investigação defensiva, bem como modelos dos principais atos que podem

ser executados ao longo deste procedimento”.27

É certo que a legislação italiana acabou atribuindo ao advogado defensor um direito-dever de buscar por evidências, provas e até laudos técnicos, que favoreçam seu cliente.

Por isso, o defensor italiano deixa de ser um mero espectador passivo da atividade investigatória e passa a ter um papel totalmente contrário, tornando-se uma peça de fundamental importância para o desenrolar das investigações. Digo isso, pois, o defensor, que conduzirá sua própria investigação, buscará elementos que tentarão afastar seu cliente de futura ação penal e que, em contrapartida, forçará a polícia judiciária a realizar as investigações mais a fundo.

3.4 Da possibilidade da investigação defensiva no Brasil

Embora muito se questione a investigação defensiva no processo penal brasileiro, temos que admitir que a legislação não é o maior impeditivo dessa modalidade.

O Brasil promulgou, pelos Decretos 592/1992 e 678/1992, respectivamente, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto de São José da Costa Rica, via de consequência se incorporando ao nosso sistema jurídico interno.

Como ambos os tratados internacionais versam sobre tutela dos direitos humanos, são incorporados com hierarquia de normas constitucionais, como preceitua o art. 5.º, § 2.º, da Constituição Federal.

O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos garante os direitos a: “dispor do tempo e dos meios necessários à preparação de sua defesa” e “obter o comparecimento e o interrogatório das testemunhas de defesa nas mesmas condições de que dispõem as de acusação” (vide art. 14, 3, b e e).

Já o Pacto de São José da Costa Rica prevê “a concessão ao acusado do tempo e dos meios necessários à preparação de sua defesa” e o “direito da defesa de inquirir as testemunhas presentes no Tribunal e de obter o comparecimento, como testemunhas ou peritos, de outras pessoas que possam lançar luz sobre os fatos” (vide art. 8.º, 2, c e f).

reflexão

Frise-se que o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional também foi promulgado pelo Decreto 4.388/2002 e, igualmente aos dois Pactos supracitados, constitui garantias ao acusado.

Em verdade, não há expressa previsão legal que impeça o advogado brasileiro de realizar sua própria investigação, assim como não há para que o Ministério Público proceda paralelamente à sua investigação. Ocorre que, se o advogado realizar sua própria investigação, não contará em hipótese alguma com o auxílio da policia judiciária e, tanto o promotor de justiça quanto o magistrado, poderão desconsiderar a investigação trazida pelo defensor.

Mais ainda, ao analisarmos o art. 396 do Código de Processo Penal, “nos procedimentos ordinário e sumário, oferecida a denúncia ou queixa, o juiz, se não a rejeitar liminarmente, recebê-la-á e ordenará a citação do acusado para responder à acusação, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias”; bem como o art. 396-A “Na resposta, o acusado poderá argüir preliminares e alegar tudo o que interesse à sua defesa, oferecer documentos e justificações, especificar as provas pretendidas e arrolar testemunhas, qualificando-as e requerendo sua intimação, quando necessário”, encontraremos um momento processual no qual o acusado poderá levar a juízo todos os elementos que considerar necessários para evitar o recebimento da acusação, evidenciando a preocupação do legislador em evitar acusações desprovidas de sustentabilidade.

Contudo, esse juízo de prelibação será exercido levando-se em conta, de um lado uma acusação munida de um robusto conjunto de informações, coletados pela autoridade policial sob o auxilio de todo um aparato estatal – realização de diligências, perícias, poder coercitivo, fé pública dos atos praticados, poder de polícia etc. –, que levou à formação da opinio delicti; e, do outro, uma defesa impossibilitada de proceder uma investigação própria de mesma força, seja pela ausência de previsão legal, seja pela impossibilidade de ter em seu auxílio a máquina estatal, a evidenciar a disparidade de armas à míngua dos direitos individuais do cidadão.

Patentes são os dispositivos que garantem o direito ao contraditório e à ampla defesa, não só na ação penal, como também durante o inquérito policial.

Dessa forma, além dos princípios basilares que citamos neste artigo (contraditório, ampla defesa e isonomia), é imprescindível acrescentar o direito do acusado à investigação defensiva, o qual, segundo Diogo Malan,28 fundamenta-se tanto no direito à prova

defensiva quanto à paridade de armas.

reflexão

Assim, para que começasse a se concretizar o direito à investigação defensiva, deveríamos, antes de mais nada exigir duas inovações: a primeira visando alterar o Código de Processo Penal, para que inclua essa possibilidade; a segunda, disciplinando o dever ético de investigação defensiva no Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil.

E ainda, tanto Diogo Malan quanto André Augusto Mendes Machado têm o posicionamento de que a investigação defensiva não seria uma faculdade a ser exercida ou não de forma discricionária de cada advogado, mas sim um poder-dever. Ademais, àqueles que não têm condições de arcar com os honorários advocatícios, socorrer-se-ão aos defensores públicos. Portanto, a dificuldade econômica do imputado não obsta a investigação defensiva, que deverá ser realizada pelo próprio Estado, por meio do defensor público, caso seja necessária para a defesa do imputado, conforme estratégia a ser adotada.

Por fim, necessário citar as principais vantagens globais, trazidas pela investigação defensiva, apontadas por Edson Luis Baldan:29

1. a investigação defensiva obriga o aprimoramento da investigação policial ou do Ministério Público, a fim de que esta possa se opor à investigação realizada pela defesa; 2. fomento ao desenvolvimento das ciências ligadas ao Direito Penal – Criminalística, Criminologia, Medicina Forense; 3. redimensionamento da atuação jurídica do advogado na constituição da prova criminal, antes como mero espectador passivo, agora como produtor dessa prova; 4. obriga a motivação judicial na admissão da acusação com uma análise mais veemente sobre os elementos indiciários e de prova; 5. fortalece a prova criminal, agora produzida tanto por defesa como por acusação de maneira igualitária, favorecendo a busca da verdade real e dando sustentáculo maior à decisão motivada do magistrado.

4. Conclusões

O advento da Constituição Federal de 1988 inaugurou uma nova ordem jurídica no Brasil, pautada nos ditames das liberdades individuais, elevando à condição de cláusulas pétreas um extenso rol de direitos e garantias a preservar aquelas. Rol este que, somado à carga principiológica constitucional, não nos deixa opção outra, senão de entendermos que, no tocante ao Direito Processual Penal, o sistema que rege nossa lei adjetiva deve ser o acusatório.

Contudo, no modelo processual brasileiro estão ainda impregnados alguns aspectos de um sistema puramente repressivo. Isto se verifica não somente por uma legislação infraconstitucional retrógrada, inspirada em um modelo fascista, mas também pela dificuldade

reflexão

de reformulá-la; em que pese as várias alterações recentes, ainda resta um longo caminho. Isso porque essa legislação está legitimada por uma sociedade social e culturalmente imatura, que clama por justiça, quando na verdade espera vingança.

Essa faceta nebulosa do direito processual penal manifesta-se de maneira mais veemente na fase pré-processual, na figura de um inquérito policial inquisitivo que, como já demonstrado, se desenvolve ao arrepio das garantias e direitos fundamentais do cidadão. Ataca frontalmente o contraditório, a ampla defesa – ainda que alguns defendam a existência do exercício do direito de defesa nessa fase, em razão das limitações impostas, não pode ser considerado amplo pelas barreiras impostas, v.g. não haver contraditório – direito à prova, à isonomia – material e formal –, enfim, realiza uma verdadeira devassa na intimidade do averiguado e põe em risco seu status libertadis – garantidos na Lei Maior – à mingua do devido processo legal.

Embora muitos concordem e defendam que o inquérito policial seja sim uma peça meramente administrativa e que há somente o direito à ampla defesa, excluindo o contraditório, esse posicionamento precisa ser revisto à luz do sistema acusatório, e a lei infraconstitucional deve buscar sua fundamentação na lei superior – aliás, assim já propunha o velho Kelsen em sua TPD. Isso porque, mesmo os poucos direitos da defesa já consagrados, por vezes são tolhidos, seja pelas autoridades, policial e judiciária, seja – pasmem! – pelos serventuários da administração pública.

Assim, ainda que estejamos acobertados pelo manto do direito constitucional ao contraditório e à ampla defesa, cotidianamente os defensores de acusados se deparam com situações que não conseguem contornar, devido ao desrespeito do princípio da par conditio. Nesse contexto é que se verifica a possibilidade / necessidade da realização de uma investigação defensiva, parcial, realizada paralelamente àquela estatal, com a mesma força instrutória daquela, de maneira que o acusado não apenas se defenda, mas também possa provar sua inocência.

Muito embora tenhamos argumentado a possibilidade de o acusado requerer diligências à autoridade policial (art. 14 do CPP), não é esse o escopo da investigação defensiva. Nesta, o defensor do acusado conduzirá a sua própria investigação.

Por derradeiro, acreditamos que transpor essa teoria da investigação defensiva ao ordenamento jurídico brasileiro representará uma evolução do sistema atual, tendendo ao abandono de um sistema misto, impregnado de resquícios do sistema inquisitivo, rumo a um sistema acusatório puro. Contudo, irá depender de muitas alterações na legislação, sobretudo infraconstitucional, a exemplo do modelo italiano.

reflexão

Se essa inovação se concretizasse, dar-se-ia paridade de armas ao acusado (em sentido lato), podendo evitar o recebimento da denúncia ou da queixa-crime. Evitar-se-ia que o acusado e seu defensor ficassem estáticos, enquanto uma investigação criminal tomasse os rumos de sua condenação, apenas assistindo ao desenrolar do inquérito policial como mero espectador.

5. Referências bibliográficas

Azevedo, André Boiani e; Baldan, Édson Luís. A preservação do devido processo legal pela investigação defensiva (ou do direito de denfender-se provando). Boletim IBCCrim, ano 11, n. 137 p. 7, 2004.

Baldan, Édson Luís. Investigação defensiva: o direito de defender-se provando. RBCCrim, n. 64, v. 15, p. 270, 2007.

Brito, Alexis Couto de. Processo penal brasileiro. Humberto Barrionuevo Fabretti, Marco Antonio Ferreira Lima. São Paulo: Atlas, 2012. David, René. O direito inglês. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

Fernandes, Antonio Scarance. Processo penal constitucional. 3. ed. São Paulo: RT, 2002. Ferrajoli, Luigi. Direito e razão. Teoria do garantismo penal. São Paulo: RT, 2002. Gomes Filho, Antonio Magalhães. Direito à prova no processo penal. São Paulo: RT, 1997.

_______. Notas sobre a terminologia da prova (reflexos no processo penal brasileiro). In: Yarshel, Flávio Luiz; Moraes, Maurício Zanóide de. Estudos

em homenagem à Professora Ada Pellegrini Grinover. São Paulo: DPJ, 2005.

Machado, André Augusto Mendes. Investigação criminal defensiva. São Paulo: RT, 2010.

Malan, Diogo. Investigação defensiva no processo penal. RBCCrim, ano 20, vol. 96, p. 304, 2012.

Nucci, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal comentado. 11 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT, 2012. Pitombo, Sérgio Marcos de Moraes. Inquérito policial: novas tendências. Belém: CEJUP, 1987.

reflexão