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2. PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE DO TRABALHO

2.1 Histórico da degradação do meio ambiente do trabalho

2.1.3 As respostas ideológicas

As grandes mudanças no mundo do trabalho, porém, estavam reservadas para o nevrálgico período que antecedeu o século XX e a primeira Grande Guerra. No Reino Unido e na França, em 1871 e 1884, respectivamente, foi reconhecida a legitimidade das associações e sindicatos de trabalhadores. A reunião dos trabalhadores era amparada pelas legislações ao redor do mundo e inclusive o Papa levantava a sua voz contra a exploração do homem pelo homem:

É dever da autoridade pública subtrair o pobre operário à desumanidade de ávidos especuladores, que abusam, sem nenhuma discrição, das pessoas como das coisas. Não é justo nem humano exigir do homem tanto trabalho a ponto de fazer pelo excesso da fadiga embrutecer o espírito e enfraquecer o corpo. A atividade do homem, restrita como a sua natureza, tem limites que não se podem ultrapassar. (...) Não deve, portanto, o trabalho prolongar-se por mais tempo do que as forças permitem. Assim o número de horas de trabalho diário não deve exceder a força dos trabalhadores, e a quantidade do repouso deve ser proporcionada à qualidade do trabalho, às circunstâncias do tempo e do lugar, à compleição e saúde dos operários. 78

Com a carta “Rerum Novarum”, sobre a condição dos operários, Leão XIII inaugurava uma série de pronunciamentos oficiais da Igreja Católica em defesa da classe trabalhadora. Rejeitando o sistema proposto por Karl Marx e Friedrich Engels, que ficou conhecido como socialismo – e que inspirou muitíssimos sindicatos ao redor do mundo, especialmente após a primeira Guerra Mundial –, o Pontífice não se furtava de condenar com dureza os exageros de um sistema iníquo, que deixava o homem à mercê da miséria e da exploração abusiva do capital. A solução apresentada no documento, que inspirou sobremaneira o Direito do Trabalho no mundo, era que o Estado deveria intervir sempre que fosse conveniente, a fim de assegurar à classe proletária as condições básicas para trabalhar com dignidade e justiça.

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Entre outros pedidos, o Papa reivindicava para os trabalhadores a fixação de um salário justo, que, não se limitando ao pactuado, cobrisse integralmente as necessidades do operário para o seu próprio sustento e o de sua família; recordava a necessidade do poder público proteger as mulheres e as crianças de ofícios que maculassem sua natureza mais frágil; além de apoiar a reunião dos trabalhadores nas associações e sindicatos, para a defesa de seus interesses sociais.

Uma posição mais radical era postulada pelos chamados socialistas. Já no início do século XIX, começava a surgir, entre alguns industriais, uma mentalidade reformadora. Os primeiros a idealizarem uma sociedade de iguais foram Saint-Simon, Charles Fourier e Robert Owen. Seu projeto, no entanto, era, no dizer de Marx, puramente utópico79, pois concebia um ideal, mas não designava os meios para alcançá-lo: era essencialmente filantrópico e, em certo sentido, ingênuo;

procuram atingir seu objetivo por meios pacíficos e tentam abrir caminho ao novo evangelho social por meio da força do exemplo, por meio de pequenas experiências que naturalmente sempre fracassam80.

Ao contrário, o pensamento marxista ficou conhecido por socialismo científico, pois não só olhava para um futuro socialmente transformado, como apontava os meios de ação para chegar a ele. Partindo do pressuposto de que a história da humanidade é a história da luta de classes, Marx pregava abertamente a tomada dos meios de produção da burguesia pelo proletariado: O proletariado usará sua

supremacia política para arrancar pouco a pouco todo o capital à burguesia, a fim de centralizar todos os instrumentos de produção nas mãos do Estado, isto é, do proletariado organizado em classe dominante81. Depois, então, em lugar da antiga sociedade burguesa, com suas classes e seus antagonismos de classes, surge uma associação em que o livre desenvolvimento de cada um é a condição para o livre desenvolvimento de todos82: e este é o estágio que ficou conhecido como comunismo, que seria a existência de uma sociedade sem classes sociais.

Diametralmente oposta à concepção marxista é, como já mostrada, a concepção trabalhista inspirada na doutrina social da Igreja. No dizer de Leão XIII, é

impossível que na sociedade civil todos estejam elevados ao mesmo nível; e ainda: Foi ela [a natureza], realmente, que estabeleceu entre os homens diferenças tão

79

MARX, Karl. Manifesto do Partido Comunista. São Paulo: Editora Escala, 2009, p. 98.

80 Ibidem, p. 97. 81 Ibidem, p. 81. 82 Ibidem, p. 83.

multíplices como profundas (...), de onde nasce espontaneamente a desigualdade das condições83. A proposta comunista era descartada, então, como impossível, dadas as diferenças inatas existentes entre os homens.

Foi com base especialmente nessas duas concepções – uma, vislumbrando uma sociedade futura sem classes, e a outra, considerando que o homem deve

aceitar com paciência a sua condição84 – que se firmou a reunião dos trabalhadores após a primeira grande guerra. A primeira culminou, em muitas nações, nos conhecidos regimes socialistas, que, ao invés de conduzir os seus povos à tão sonhada igualdade social, levou-os a fossos e mais fossos de cadáveres, desalmados por um poder estatista centralizador e autoritário. A segunda, tendo ajudado na criação de uma legislação trabalhista, constitui com razão, no parecer do Silva, o Direito do presente, pois (...) procura conciliar o capital e o trabalho, em

benefício não só dos trabalhadores e dos empresários, como de toda a coletividade, que tem, em ambos, o fundamento do progresso85. Falando ainda da doutrina social cristã, comenta Silva que:

o Direito do Trabalho está impregnado dessa doutrina, pois sendo uma solução de compromisso entre o Capitalismo e o Socialismo, repele a luta de classes e o predomínio de uma sobre a outra; preconiza a intervenção do Estado para resguardar a dignidade humana do trabalhador, estabelecendo regras especiais de proteção ao menor e à mulher que trabalham, de proteção dos assalariados em geral contra os acidentes do trabalho e doenças profissionais; procura também garantir um salário justo e suficiente para atender às necessidades da pessoa do empregado e de sua família, um horário razoável de trabalho com intervalos de repouso diários, semanais e anuais, sem prejuízo da remuneração, assegurando o direito à organização sindical livre e até mesmo à greve, desde que não cause danos materiais às instalações das empresas, nem ameace o direito à propriedade, à vida e à segurança da coletividade, etc. É pois, como a doutrina social cristã, moderadamente intervencionista, estimulando, outrossim ao invés da luta de classes, o entendimento entre elas, como revela o fato da conciliação das partes em conflito ter um papel destacado no processo do trabalho, sobretudo no Brasil.86

83

LEÃO XIII, op. cit., p. 429.

84

Idem.

85

SILVA, José Ajuricaba da Costa e. Rerum novarum e direito do trabalho. In: Revista do Tribunal

Superior do Trabalho, Brasília, v. 61, p. 53, 1992. Disponível em: <http://www.tst.jus.br/documents/1295387/74fbdbf8-971d-48e1-8bcf-6c5823bb5298>. Acesso em: 18.02.2014.

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Evitando um juízo material sobre a questão, a linha adotada pelo Direito do Trabalho moderno é a que mais se adequa a uma sociedade praticamente dominada pelo sistema econômico capitalista e, ao mesmo tempo, consciente, com matizes diferentes ao longo da história e ao redor do mundo, da necessidade de preservar a dignidade do trabalhador. Só um método conciliatório pode unir em tantos ordenamentos jurídicos as duas idéias, sem que se instaure na sociedade algo semelhante ao estado de natureza hobbesiano: bellum omnium contra omnes.