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1. MEIO AMBIENTE E MEIO AMBIENTE DO TRABALHO

1.2 Classificação

1.2.4 Meio ambiente do trabalho

1.2.4.2 Natureza jurídica

1.2.4.2 Natureza jurídica

Com a inserção da relação meio ambiente do trabalho e saúde do trabalhador na Carta Magna de 1988, veio a tarefa de estabelecer suas raízes em algum ramo do direito, seja público ou privado. Por ser um direito fundamental e inerente a todos, deixou a seara privatista, pois definitivamente não está ligado ao contrato de trabalho (direito trabalhista). Embora a matéria apresente cunho de saúde pública, também não está adstrita necessariamente ao ramo de direito público, mesmo porque neste a presença estatal é indispensável e no caso revelado, os interesses são sociais de coletividade ou de grupos intermediários (sindicatos, associações, corporações, partidos políticos, etc) e os danos ultrapassam o caráter individual, por isso surgem os denominados interesses difusos e coletivos, como os impactos ao meio ambiente, à saúde, às relações de consumo. É o que esclarece Júlio César de Sá da Rocha:

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FERNANDES, Fábio. Meio ambiente geral e meio ambiente do trabalho: uma visão sistêmica. São Paulo: LTr, 2009, p. 33.

A classificação dos direitos difusos e coletivos resgata a concepção doutrinária esboçada por respeitados juristas e cientistas sociais de que o binômio público e privado não consegue representar todas as relações jurídicas existentes na contemporaneidade, principalmente aquelas originadas nas relações de massa e nos interesses refletidos nessas demandas.59

Há na verdade o surgimento de um ramo de direito que extrapola as centralidades dos interesses privado e público, um terceiro ramo, os direitos fundamentais de terceira geração que envolvem grupos, classes, comunidades, revelando sua marca metaindividual na titularidade dos sujeitos coletivos e na indivisibilidade de seu objeto, como bem explica Tiago Fensterseifer:

Os direitos fundamentais de terceira dimensão (direitos de solidariedade ou fraternidade) são de titularidade proeminentemente transindividual (difusa e coletiva), revelando um conteúdo altamente humanista e universal. Eles se distinguem substancialmente dos direitos fundamentais de primeira (civis e políticos) e de segunda (sociais, culturais e econômicos) dimensões, que têm, em regra, a sua titularidade individualizada ou ao menos individualizável. A marca distinta dos direitos de terceira dimensão, portanto, reside basicamente na sua natureza transindividual, com titularidade muitas vezes indefinida e indeterminável, o que se revela especialmente no direito ao ambiente, reclamando novas técnicas de garantia e proteção. No entanto, o direito ao ambiente, em que pese a habitual presença do interesse coletivo ou difuso, não deixa de objetivar também a proteção da vida e da qualidade de vida do homem na sua individualidade.60

Diferentemente dos direitos fundamentais de primeira e segunda geração*, nos direitos de terceira geração, direitos de solidariedade e fraternidade, há um deslocamento da titularidade do direito. Agora não é mais o homem no seu pólo individualista o centro das atenções, passa a serem grupos humanos e até mesmo por vezes esta titularidade é indefinida e indeterminável.

Para Ingo Wolfgang Sarlet:

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ROCHA, op. cit., p. 233.

60

FENSTERSEIFER, op. cit., p. 149.

*Os direitos fundamentais de primeira geração (liberdade e igualdade) apareceram no século XVIII, quando se tutelava o direito do homem frente ao Estado, inclusive com a separação das estruturas sociais, a sociedade civil e o poder público, sem falar no aparecimento da liberdade de expressão, motivada pela imprensa, reuniões, manifestações, associações, etc. Já em relação aos de segunda geração (século XIX), há uma íntima ligação com as transformações ocorridas em face dos problemas sociais e econômicos, à época em que as condições de trabalho eram subumanas, quando do desenvolvimento econômico explorador. Foi neste período de intensos desafios humanos que nasce a vontade de se dar lugar ao bem-estar da coletividade, impondo-se ao Estado a preocupação na elaboração de políticas públicas concretas direcionadas à sociedade.

A atribuição da titularidade de direitos fundamentais ao próprio Estado e à Nação (direitos de autodeterminação, paz e desenvolvimento) tem suscitado sérias dúvidas no que concerne à própria qualificação de grande parte destas reivindicações como autênticos direitos fundamentais. Compreende-se, portanto, porque os direitos da terceira dimensão são denominados usualmente como direitos de solidariedade ou fraternidade, de modo especial em face de sua implicação universal ou, no mínimo, transindividual, e por exigirem esforços e responsabilidades em escala até mesmo mundial para sua efetivação.

(...)

Para outros, por sua vez, os direitos fundamentais de terceira dimensão, como leciona Pérez Luño, podem ser considerados uma resposta ao fenômeno denominado de “poluição das liberdades”, que caracteriza o processo de erosão e degradação sofrido pelos direitos e liberdades fundamentais, principalmente em face do uso de novas tecnologias. Nessa perspectiva, assumem especial relevância o direito ao meio ambiente e à qualidade de vida (que já foi considerado como direito de terceira geração pela corrente doutrinária que parte do critério da titularidade transindividual), bem como o direito de informática (ou liberdade de informática), cujo reconhecimento é postulado justamente em virtude do controle cada vez maior sobre a liberdade e intimidade individual mediante bancos de dados pessoais, meios de comunicação, etc., mas que, em virtude de sua vinculação com os direitos de liberdade (inclusive de expressão e comunicação) e as garantias da intimidade e privacidade, suscita certas dúvidas no que tange ao seu enquadramento na terceira dimensão dos direitos fundamentais. De qualquer modo, também com relação aos direitos da assim chamada terceira dimensão importa reconhecer a procedência da lição de Ignácio Pinilla ao descartar a diversificação (e, portanto, a complexidade) destes direitos.61

Em se tratando de meio ambiente do trabalho, a proteção jurídica do meio está efetivamente ligada à saúde do trabalhador, neste caso está a norma vinculada aos interesses difusos e coletivos, mesmo porque o que se quer garantir é o equilíbrio e salubridade do meio para que em consequência seja resguardada a saúde de todo e qualquer trabalhador. Nota-se que a qualidade desse meio ambiente do trabalho a ser protegida é para o uso comum do povo, portanto, não integrante do patrimônio público ou privado, já que todos representam a massa de trabalhadores, o que confere a transindividualidade dos bens difusos, o que sem dúvida é abraçado pelo texto constitucional quando preceitua no artigo 225, caput, que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público

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SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 8. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 58-59.

e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

Segundo Celso Antônio Pacheco Fiorillo e Marcelo Abelha Rodrigues

o direito a uma situação de trabalho (art. 6º - direito ao trabalho - direito social) não possui o mesmo objeto de tutela que o meio ambiente do trabalho. Neste, o objeto jurídico tutelado é a saúde e segurança do trabalhador, qual seja a sua vida, na medida que ele, integrante do povo, titular do direito ao meio ambiente, possui direito à sadia qualidade de vida. O que se procura salvaguardar é, pois, o homem trabalhador, enquanto ser vivo, das formas de degradação e poluição do meio ambiente onde exerce o seu labuto, que é essencial à sua qualidade de vida. Trata-se, pois, de um direito difuso.62

Em sintonia, destaca Raimundo Simão de Melo que,

a proteção do meio ambiente do trabalho está vinculada diretamente à saúde do trabalhador enquanto cidadão, razão por que se trata de um direito de todos, a ser instrumentalizado pelas normas gerais que aludem à proteção dos interesses difusos e coletivos. O Direito do Trabalho, por sua vez, regula as relações diretas entre empregado e empregador, aquele considerado estritamente.63

A Constituição Federal de 1988 abarca a proteção dos direitos difusos quando em alguns artigos, a exemplo do 194, 208, 215 e o próprio 225, reforça o cuidado com os “direitos de todos”. Também a nível infraconstitucional, entre outras, podemos citar a Lei Orgânica da Saúde (LOS), 8.080/199064 quando dispõe em seu artigo 6º, inciso I, “c”, que uma das perspectivas de atuação do SUS é a saúde do trabalhador, abrangendo indeterminado contingente de trabalhadores de variadas categorias, bem como a Lei de Organização da Seguridade Social e seu Plano de Custeio, 8.212/199165 que, em seu artigo 2º, expressa que a saúde é um direito de todos, fiel ao interesse difuso da coletividade.

É de se notar que o Direito Ambiental do Trabalho constitui-se um direito difuso, nas próprias palavras de Raimundo Simão de Melo, senão vejamos:

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FIORILLO; RODRIGUES, op. cit., p. 66.

63

MELO, op. cit., p. 34.

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BRASIL. Presidência da República. Lei n. 8.080, de 19 de setembro de 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8080.htm>. Acesso em: 27.06.2014.

65

BRASIL. Presidência da República. Lei n. 8.212, de 24 de julho de 1991. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8212cons.htm>. Acesso em: 27.06.2014.

o Direito Ambiental do Trabalho constitui direito difuso fundamental inerente às normas sanitárias e de saúde do trabalhador (CF, art. 196), que, por isso, merece a proteção dos Poderes Públicos e da sociedade organizada, conforme estabelece o art. 225 da Constituição Federal. É difusa a sua natureza, ainda, porque as conseqüências decorrentes da sua degradação, como, por exemplo, os acidentes de trabalho, embora com repercussão imediata no campo individual, atingem, finalmente, toda a sociedade, que paga a conta final.66

Ao contrário do direito privado, onde os resultados são percebidos por um grupo fechado, o desequilíbrio no meio ambiente do trabalho afeta uma amplitude indeterminada de trabalhadores, que tem em comum apenas a expectativa do direito ao meio ambiente sadio e equilibrado, o que sem dúvida alguma deduz o seu aspecto difuso.

Nesse sentido, oportuna a opinião de Júlio César de Sá da Rocha:

De certo que o requisito dos efeitos de possíveis danos podem atingir uma determinada categoria (coletiva) ou uma massa indefinida de trabalhadores de diversas categorias (difuso). Entretanto, o meio ambiente do trabalho deve ser sempre tomado como um bem difuso a ser tutelado. Em suma, o Direito Ambiental do Trabalho, quanto à sua natureza jurídica, nasce como disciplina que integra essa categoria de direitos; não se funda na titularidade de situação subjetiva meramente individual. Com efeito, não é supérfluo mencionar que não se ambiciona a realização de um interesse particular; ao contrário, reconhece-se que existe a necessidade de uma proteção metaindividual (tutela coletiva lato sensu).67

Embora ainda longe do esperado, no ordenamento jurídico brasileiro situações de degradação do meio ambiente do trabalho vem sendo desestimuladas com a aplicação das normas vigentes. Apesar das dificuldades reais, seja por falta de fiscalização do poder público, por parte dos empregadores e mesmo dos empregados, há um consenso de que o resultado desta interação transcende o mero aspecto do lugar do trabalho para o campo da dignidade da pessoa humana, fator decisivo para a compreensão dos efeitos de escala global da proteção do meio ambiente do trabalho.

A proteção global está no fato de que o problema não está estagnado, apenas naquele espaço, há grande preocupação atual pois a situação da degradação

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MELO, op. cit., p. 35.

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ambiental e mesmo do meio ambiente do trabalho é uma questão de caráter transfronteiriço, o que muito bem explica Tiago Fensterseifer abaixo:

O direito fundamental ao ambiente, na esteira da sua característica de transindividualidade, apresenta um caráter transfronteiriço ou supra-territorial, o que se dá em razão da globalização da degradação e poluição ambiental, revelando muitas vezes as limitações dos próprios Estados nacionais em lidarem com a questão ecológica. Com tal perspectiva, compreende-se com mais clareza porque os direitos de terceira dimensão, especialmente o direito ao ambiente, são denominados usualmente como direitos de solidariedade ou fraternidade, já que acarretam em implicações de escala global e universal, exigindo esforços e responsabilidades, como apontado em tópico anterior, em escala até mesmo mundial para a sua efetivação.68

Ocorre que alguns danos ambientais excedem o conceito geopolítico de território, podendo gerar consequências em Estados vizinhos, ou até mesmo em âmbito global. A preservação ambiental tem ocupado um papel cada vez mais relevante no cenário internacional contemporâneo, a ponto de que a negociação e implementação de tratados, acordos, convenções e a realização de reuniões internacionais dão contornos a um sistema internacional imerso em conflitos e contradições, pelo que se buscam soluções políticas internacionais capazes de gerir cooperativamente e sustentavelmente o meio ambiente como um todo, em um mundo globalizado.

Também neste aspecto está diagnosticada a situação de degradação do meio ambiente do trabalho, que merece especial atenção frente ao seu caráter supra-territorial, mesmo porque como será visto adiante, inclusive quando do Princípio da Cooperação Internacional, há casos em que pessoas na tentativa de melhores condições de trabalho ou mesmo salário são transferidas para locais distantes, até mesmo outros países e lá, quando se dão conta passam a ser vítimas do descaso com potencial risco à saúde e segurança.

Delimitado o conceito de meio ambiente do trabalho e sua natureza jurídica interligada à terceira geração de direitos, com titularidade transindividual, no capítulo seguinte analisar-se-á o histórico do desenvolvimento das relações de trabalho, situando o princípio da dignidade humana, com especial atenção aos ditames constitucionais que priorizam a saúde do trabalhador no seu meio laboral.

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