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3. MEIO AMBIENTE DO TRABALHO RURAL E LEGISLAÇÃO APLICÁVEL

3.2 Contextualização

Diante da equiparação de direitos acima mencionada, as normas de saúde e segurança do trabalho, que são as principais leis que regem a garantia de um ambiente sadio e digno, também devem ser respeitadas e aplicadas no setor rural. O mesmo vale aos princípios do direito ambiental que, pelo caráter interdisciplinar da realidade laboral vigente, são aplicados no direito do trabalho com o intuito de garantir um ambiente adequado para que os trabalhadores exerçam suas atividades

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BRASIL. Decreto-Lei n. 73.626, de 12 de fevereiro de 1974. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1970-1979/D73626.htm>. Acesso em: 12.10.2014.

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BRASIL. Presidência da República. Emenda Constitucional n. 28, 25 de maio de 2000. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc/emc28.htm>. Acesso em: 18.02.2015.

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sem que haja prejuízo para suas vidas. Afinal, o homem passa cerca de um terço de seu dia em seu local de trabalho.

Antes de adentrar especificamente no assunto, insta destacar que o termo rural é advindo da questão geográfica, logo, significa campo. O termo agrário, por sua vez, designa as atividades econômicas desenvolvidas na área rural. Dentre essas atividades ali desenvolvidas, podem ser destacadas as mais comuns tais como a lavoura, a pecuária, o extrativismo e a hortifrutigranjeira.

Edson Ferreira de Carvalho define a lavoura como aquela que:

[...] engloba a semeadura, o plantio, os cuidados complementares e a colheita de vegetais destinados à alimentação humana ou animal, bem como, aqueles que servem de matéria-prima à indústria, como, por exemplo, o algodão.148

A pecuária, por sua vez, nada mais é que a criação de animais domésticos cuja finalidade seja de cunho econômico. Já a hortifrutigranjeira abrange a pecuária, porém envolvendo a criação de animais de pequeno porte, além de plantações de frutas e flores. Tem-se, ainda, o extrativismo que se subdivide em animal e vegetal, os quais são a coleta e extração de produtos como a lenha, madeira, ou a captura de animais a exemplo da pesca.

Salienta-se, ainda, que a agroindústria em que o trabalhador labora só é enquadrada como atividade agrária quando não há modificação da natureza do produto in natura e que a atividade agrícola realizada em prédio rústico localizado em perímetro urbano classifique o obreiro como trabalhador rural por mais que não se esteja nessa localidade geográfica.

A última constatação está no fato de que o espaço rural não é o mesmo do urbano. Enquanto neste há a presença maçante de construção devidamente regulamentada de moradias, indústrias, espaços públicos de lazer, vias de tráfegos de pedestres, entre outros, com intensa ocupação humana, aquele, por exclusão, é tudo aquilo que não integra a zona urbana ou o espaço considerado como urbano.

Nesse mesmo sentido entende Frederico Peres, ao considerar rural todo

espaço não urbanizado e de baixa densidade populacional, onde se realizam

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CARVALHO, Edson Ferreira de. Manual didático de direito agrário. 1 ed. (ano 2010), 2 reimpr. Curitiba: Juruá, 2012, p. 65.

atividades econômicas diversas, as quais têm importante função na organização dos grupos populacionais.149

Apesar da coexistência dessas diferenças, as atividades agrícolas praticadas no espaço urbano e as atividades urbanas efetuadas no espaço rural tem se intensificado, indicando que o desenvolvimento do capitalismo está dificultando o entendimento dos conceitos tradicionais do que seja rural e urbano.

Esse é o posicionamento de Janério Manoel Jacinto, César Miranda Mendes e Nestor Alexandre Perehouskei quando afirmam:

O processo de industrialização da agricultura tem eliminado gradativamente a separação entre a cidade e o campo, entre o rural e o urbano, unificando-o dialeticamente. Isto quer dizer que campo e cidade, cidade e campo formam uma unidade contraditória. Uma unidade onde a diferença entre os setores da atividade econômica (agricultura, pecuária e outros, em um; indústria, o comércio, etc., em outro) vai sendo soldada de um lado pela presença, na cidade, do trabalhador assalariado (bóia-fria) do campo. Aliás, as greves dos trabalhadores do campo são feitas nas cidades. De outro lado, pode-se constatar que a industrialização dos produtos agrícolas pode pode-ser feita no campo com os trabalhadores das cidades.150

Em prol desta construção, assim concluem:

A partir das leituras e releituras do rural e do urbano, têm-se chegado a múltiplos debates e conceitos sobre o que é o rural e o que é o urbano. Porém, são inúmeras as dificuldades conceituais e metodológicas impostas, há tempos, aos formuladores de políticas de planejamento público, aos demógrafos e aos pesquisadores de diversas áreas do conhecimento, que encontram inadequações existentes na definição do que seja rural e urbano no Brasil.151

Mesmo não sendo o propósito do trabalho afirmar que as considerações acima são verdadeiras ou falsas, o fato é que as discussões acerca dessa proximidade das atividades rurais e urbanas que muitas vezes se confundem, têm grande reflexo, principalmente porque o artigo 3º da Consolidação das Leis do Trabalho traz semelhanças entre o que se entende por empregado rural e empregado urbano e, somente após uma análise do artigo 7º, b, da mesma

149

PERES, op. cit., p. 1996.

150

JACINTO, Janério Manoel; MENDES, César Miranda; PEREHOUSKEI, Nestor Alexandre. O rural e

o urbano: contribuições para a compreensão da relação do espaço rural e do espaço urbano. Revista

Percurso, v. 4, n. 2, 2012, p. 174. Disponível em: <http://www.periodicos.uem.br/ojs/index.php/Percurso/article/view/18767/10220>. Acesso em: 18.02.2015.

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legislação, é que deflagra-se que a diferença está basicamente na natureza dos serviços executados, que têm de ser da agricultura e pecuária, esforços eminentemente rurícolas.

Todavia, enfatizando estas peculiaridades que deveriam ser predominantemente do trabalhador rural e frente ao que já foi falado sobre a proximidade das atividades rurais e urbanas, fatalmente os trabalhadores de serviços urbanos realizados em empresa rural não seriam trabalhadores rurais e mesmo aqueles que realizassem tarefas rurais para empresas urbanas não seriam também considerados trabalhadores rurais.

Voltando à estratégia inicial, será feito na sequência uma retórica do conceito de empregado e empregador rural.

3.2.1 Conceito de empregado rural e empregador rural

Trabalhador é gênero, do qual inclusive empregado é espécie, podendo-se dizer que todo empregado é um trabalhador, mas nem todo trabalhador é empregado, já que temos no ordenamento jurídico a figura dos avulsos, os autônomos, eventuais, arrendatários, empreiteiros, parceiros, todos disciplinados por legislação apartada.

A Consolidação das Leis do Trabalho, em seu artigo 7º, b, define empregados rurais como aqueles que, exercendo funções diretamente ligadas à agricultura e à pecuária, não sejam empregados em atividades que, pelos métodos de execução dos respectivos trabalhos ou pela finalidade de suas operações, se classifiquem como industriais ou comerciais.

Nesse sentido, define o artigo 2º da Lei 5.889/73 que empregado rural é toda pessoa física que, em propriedade rural ou prédio rústico, presta serviços de natureza não eventual a empregador rural, sob a dependência deste e mediante salário.

Como observa Antenor Pelegrino152, o conceito acima abarca claramente os requisitos da relação de emprego, a pessoalidade, no qual é o próprio empregado contratado quem deve executar os serviços, a habitualidade do empregado na

152

PELEGRINO, Antenor. Trabalho rural: orientações práticas ao empregador. 7ª ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 1997, p. 48.

prestação do serviço, a subordinação às ordens de outrem e ainda o salário, que representa o pagamento pelos serviços prestados.

Complementando o conceito apresentado pela Lei 5.889/73, João Batista de Albuquerque expõe:

Quando a lei fala em propriedade rural, não está a exigir área fora dos perímetros urbanos, mas à destinação do estabelecimento onde o trabalho é executado. Do mesmo modo que prédio rústico não significa rude, grosseiro, tosco, mas apenas prédio do campo, rural, campestre.153

Assim, em síntese, pela definição legal, empregado rural é toda aquela pessoa física que lida com atividades de natureza agroeconômica, retirando daí o seu sustento. Nas palavras de Mônica Maria Lauzid de Moraes:

Isto posto, entendemos por meio ambiente do trabalho rural, o lugar onde o trabalhador está a serviço ou disposição daquele que desenvolve atividade agroeconômica, incluídas as de natureza industrial em estabelecimento agrário (Lei n. 5.889/73, art. 3º, § 1º). Então, o tipo de atividade econômica é fator determinante na caracterização do meio ambiente do trabalho rural, bem como do trabalhador que nele se insere.154

A definição de empegado rural proporciona quase que reflexamente o entendimento acerca do que vem a ser o empregado urbano. Enquanto este é regido por legislação comum, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aquele é regido pela Lei Federal 5.889/73, que estabelece as normas reguladoras do trabalho rural, regulamentada pelo Decreto-Lei 73.626/74, bem como pelo artigo 7º da Carta Magna e inclusive pela Consolidação das Leis do Trabalho, como já mencionado.

Já o empregador rural está definido no artigo 3º da Lei 5.889/73 como sendo a pessoa física ou jurídica, proprietário ou não, que explora atividade agroeconômica, em caráter permanente ou temporário, diretamente ou através de prepostos e com auxílio de empregados.

Ainda no que concerne ao empregador rural, João Batista de Albuquerque salienta que o conceito é bastante elástico, não importando a temporariedade da

153

ALBUQUERQUE, João Batista de. O empregador e o empregado rural. São Paulo: LTr, 1996, p. 22.

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exploração ou a pessoa que está à frente dos negócios, circunstâncias que não desnaturam a condição de empregador rural.155

Portanto, nem sempre o empregador rural é o dono da terra. O empregador pode ser um arrendatário, empreiteiro, que contrata empregados, assumindo os riscos da atividade agroeconômica.

3.2.2 Da afirmação dos direitos dos empregados rurais

Infelizmente muitos dos direitos dos empregados rurais, enumerados na legislação que logo será analisada, não são cumpridos pelo empregador rural, o que fatalmente vem desde o processo histórico que se desenrolou no campo, quando nos primórdios da colonização do país sempre imperou uma estrutura fundiária concentradora e autoritária que se propagou sem qualquer cobrança ou mesmo punição em relação ao respeito desses direitos. Não é a toa que nos dias atuais ainda se verifica a prática de trabalho análogo ao de escravo, situações descritas no tipo penal do artigo 149 do Código Penal, Decreto-Lei 2848/40156, como o trabalho forçado, jornada exaustiva de trabalho e o trabalho degradante, onde são desrespeitadas inúmeras regras que visam à manutenção da vida digna e sadia também no ambiente de trabalho.

É o que sintetiza Saul Duarte Tibaldi:

Em países como o nosso, a realidade reveste-se de um anacronismo singular. Nos rincões agrícolas campeiam, como coisa normal, a miséria, exploração semi-escrava e o trabalho infantil. Modernidade ali, significa, em muitos casos, a singela aplicação de um corpo de leis e de uma estrutura de proteção trabalhista jamais totalmente efetivados.157

E dando continuidade, Tibaldi esclarece:

No campo as dificuldades conjunturais são maiores, assim também as resistências. No plano jurídico brasileiro, verifica-se um acentuado paradoxo que antagoniza os velozes preceitos da modernidade produtiva e a extrema lentidão que caracteriza a solução jurisdicional aplicável às relações laborais no campo.158

155

ALBUQUERQUE, op. cit., p. 23.

156

BRASIL. Decreto-Lei n. 2.848, de 07 de Dezembro de 1940. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848.htm>. Acesso em 10.02.2015.

157

TIBALDI, op. cit., p. 62.

158

E é justamente quando regras como a CLT, a Lei 5.889/73, as normas regulamentadoras do Ministério do Trabalho e do Emprego, bem como as Convenções da OIT ratificadas pelo Brasil são deixadas de lado, que no campo passa a existir uma realidade paralela, em que o princípio da dignidade da pessoa humana parece não mais existir ao passo que princípios como o da proteção estão apenas no papel, que deverá haver uma reação em cadeia principalmente dos trabalhadores nestas condições de risco, sem falar que o Estado é o principal guardião destes direitos.

Oportunamente afirmam Giordani, Martins e Vidotti:

É exatamente o que nos salta aos olhos quando nos pomos a refletir sobre a permanência em nossa sociedade de práticas vinculadas ao chamado trabalho escravo, forçado ou degradante. A sua erradicação, com imposição exemplar de todas as formas de punição previstas pelo nosso ordenamento jurídico para aqueles que com suas práticas vulneram e ignoram o respeito ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana é hoje uma obrigação inadiável para a consolidação efetiva da cidadania em nosso país. 159

O ordenamento jurídico brasileiro possui normas que, na teoria, são de grande valia para a garantia de relações trabalhistas mais justas, em que o obreiro é tratado com dignidade e que seu dispêndio de energia nas atividades laborais não seja prejudicial à sua saúde. É o que se pode observar, por exemplo, no princípio do desenvolvimento sustentável que busca práticas que coloquem em equilíbrio o plano econômico e ao mesmo tempo, o social, cultural, humano e meio ambiente. Tal equilíbrio, sobremaneira, afeta a qualidade, de forma positiva, do local onde o trabalhador desempenha suas atividades. A fim de clarear melhor o que se intenta dizer, tal situação é percebida em uma fazenda onde os agrotóxicos são armazenados em locais abertos. Quando o empregador passa a guardá-los nos locais devidos, não poluindo o ar daquele local, o empregado passa a ser beneficiado com tal situação por não mais estar em contato diário com um ar de níveis tóxicos elevados.

Busca-se evidenciar com tal exemplo que se faz necessária maior aplicabilidade das normas vigentes no país, o que só será alcançado a partir de maior frequência na fiscalização e consequente punição célere e eficaz. É claro que tudo isso envolve questões políticas da nação vez que pressupõe maior número de

159

GIORDANI, Francisco Alberto da Motta Peixoto. MARTINS, Melchíades Rodrigues. VIDOTTI, Tarcio Jose. Direito do trabalho rural. 2. ed. São Paulo: LTr, 2005, p. 27.

auditores fiscais, procuradores do trabalho e juízes do trabalho. Entretanto, o que se busca demonstrar é que, apesar dessa realidade, a legislação brasileira possui normas bastante satisfatórias no que se objetiva: um meio ambiente rural digno.

Assim, asseveram Giordani, Martins e Vidotti:

Muitos têm criticado, no Direito do Trabalho, o seu princípio protetor, dizendo que o mesmo chega a ser um entrave à evolução das relações trabalhistas.

Infundadas as críticas!

A necessidade de proteção aos trabalhadores está na base do Direito do Trabalho e retirá-la significa, simplesmente, fazer ruir todo o arcabouço desse ramo do Direito, mesmo porque, como já referido, a situação dos trabalhadores não mudou a ponto de ser dispensada aludida proteção, pois continuam sem condições de enfrentar o poderio do empregador de trabalho que, assim, pode continuar impondo o modo pelo qual o trabalho será executado, sendo contido, justamente, pelas leis protetoras que se encontram na legislação trabalhista.

Por outro lado, as mais diversas leis, nos mais variados ramos do direito, vêm tendo um lado protetor a uma das partes, num claro reconhecimento do legislador que, regra geral, numa relação jurídica, há sempre uma parte mais fraca que, não sendo protegida, poderá ser explorada e/ou prejudicada [...].160

Diante disso, parte-se para uma análise pormenorizada, à luz da legislação cabível acerca do trabalho rural que inclusive prioriza normas de saúde e segurança aos trabalhadores com intuito de proteger e mesmo prevenir a degradação do meio ambiente do trabalho.