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3. MEIO AMBIENTE DO TRABALHO RURAL E LEGISLAÇÃO APLICÁVEL

3.4 Violações normativas mais comuns na atividade rural

3.4.3 Escravidão contemporânea

3.4.3.1 Modos de execução da prática de redução à condição análoga de

O primeiro modo de execução da prática de redução de uma pessoa à condição análoga de escravo, definida no artigo 149 do CP, é o trabalho forçado, que vem revelando novas e sombrias faces ao longo dos anos.

No Brasil, apesar da ratificação das Convenções 29 e 105, a Constituição Federal, no artigo 5º, inciso XLVII, alínea c, prescreve a proibição do trabalho forçado, inclusive para efeito de cumprimento de pena, como um dos direitos e garantias individuais e coletivos.

O conceito de trabalho forçado esta intimamente ligado à definição da Convenção 29, que em seu artigo 2º, 1, expõe que trabalho forçado ou obrigatório compreenderá todo o trabalho ou serviço exigido de uma pessoa sob a ameaça de sanção e para o qual não se tenha oferecido espontaneamente.

Assim, nas palavras de José Claudio Monteiro de Brito Filho:

O trabalho forçado é aquele prestado por trabalhador a tomador de serviços em caráter obrigatório, quando não decorrer da livre vontade

250

do primeiro, ou quando a obrigatoriedade for consequência, por qualquer circunstância, da anulação de sua vontade.251

Portanto, o trabalho é forçado quando ele for exigido sob ameaça e contra a vontade do trabalhador. Mas vale registrar que pode acontecer do trabalhador no início manifestar seu consentimento e ao se deparar com a verdadeira situação imposta, sua manifestação de vontade tende a ser eivada de vício, já que a oferta feita pelo tomador de serviços foi ilusória. Todavia, a maioria destes trabalhadores só conseguem compreender a emboscada, quando já se encontram em locais muito distantes, para onde se deslocaram, e lá, acabam, sobre fortes pressões e até mesmo ameaças (físicas e mentais), executando os serviços.

Nesse sentido vale ressaltar o conceito mais abrangente de trabalho forçado, adotado por Ricardo Emílio Medauar Ommati:

Diante do exposto, é possível pensar no trabalho forçado como todo trabalho exigido de um indivíduo sob ameaça de sanção e para o qual ele não se apresentou espontaneamente ou todo trabalho exigido de alguém sob ameaça de punição, após ele ter incorrido em vicio de consentimento quanto à aceitação do serviço, motivado por falsas promessas do beneficiário direto ou indireto do trabalho ou mesmo após ter ajustado livremente o serviço.252

Dessa forma, sempre que o trabalhador estiver impedido de deixar o serviço haverá trabalho forçado, mesmo quando o mesmo tiver ajustado livremente a prestação do trabalho ou incorrido em vício de consentimento em função de falsas promessas do beneficiário direto ou indireto do seu labor.

Um outro ponto desse modo de execução de extrema importância é a ameaça realizada para a consecução do trabalho forçado, sendo certo que na maioria dos casos as ameaças saem do plano teórico para o prático, mediante as mais variadas punições, dentre elas, violência (física, mental e até sexual), prisão ou confinamento, ameaças de morte, inclusive aos familiares das vítimas, confisco de documentos e até punições financeiras, como o não pagamento do salário ou perda deste, vinculada a ameaças de demissão, etc.

O problema do trabalho forçado é generalizado no mundo atual, com crescimento no contexto do processo de globalização, onde cada vez mais o ser

251

BRITO FILHO, op. cit., p. 76.

252

OMMATI, Ricardo Emílio Medauar. O trabalho escravo como negação da condição do empregado

e de pessoa humana. Revista da Ordem dos Advogados do Brasil, Rio de Janeiro, ano 34, n. 78,

humano deixa de ser a principal referência para o progresso, em face dos interesses econômicos de pequenas, médias, grandes e modernas empresas, nacionais e multinacionais que também fazem parte do grupo que facilita este processo de degradação do trabalho humano.

Foi justamente para chamar a atenção do mundo que a OIT revelou com grande preocupação o número de casos envolvendo o crime de trabalho forçado:

Em 2005, o Diretor Geral da OIT lançou o seu segundo Relatório Global sobre o trabalho forçado (OIT, 2005), que evidenciou que esse é um problema contemporâneo de dimensões mundiais, que afeta quase todos os países e todos os tipos de economias. Os resultados dessa estimativa indicaram a existência de, pelo menos, 12,3 milhões de vítimas. Dessas, 9,8 milhões eram exploradas por agentes privados e se dividiam entre 1,4 milhões vítimas de exploração sexual e 7,8 milhões vítimas de exploração econômica não sexual. Os 2,5 milhões restantes eram pessoas forçadas a trabalhar para o Estado ou grupos militares rebeldes.253

A situação acima relatada é alarmante, principalmente considerando que há normatização a respeito do assunto, o que pressupõe é claro, ausência de efetividade das mesmas, o que deverá ser ultrapassado já que para enfrentar essas práticas modernas, necessário, empenho, determinação e estratégias envolvendo a comunidade internacional em conjunto com governos, organizações de empregadores e até mesmo de trabalhadores.

O segundo modo de execução da prática de redução de uma pessoa à condição análoga de escravo, arrolada no artigo 149 do CP, é a jornada exaustiva de trabalho.

O trabalho humano é considerado o fator decisivo para o desenvolvimento dos povos e geração de riquezas, todavia, deverá se desempenhado de uma forma que não exceda os limites da força humana, a ponto de causar sérios problemas de saúde, situação que inclusive respalda o direito constitucional de repouso.

A discussão sobre limitação da jornada de trabalho é algo que vem desde as primeiras reivindicações proletárias, alcançando ao longo do tempo a posição de direito humano, já que assegurada nos documentos de direito internacional, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas de 1948, que no seu artigo XXIV estabeleceu a toda pessoa o direito ao repouso e

253

ABRAMO, Laís; MACHADO, Luiz. O combate ao trabalho forçado: um desafio global. In: NOCCHI, Andrea Saint Pastous; VELLOSO, Gabriel Napoleão; FAVA, Marcos Neves. Trabalho escravo

lazer, com limitação razoável das horas de trabalho e férias periódicas remuneradas e, o Protocolo de San Salvador de 1988, da Organização dos Estados Americanos-OEA que especificamente nos artigos 7º, 10º e 11º, assim prescreveu:

Artigo 7º. Os Estados Partes neste Protocolo reconhecem que o direito ao trabalho, a que se refere o artigo anterior, pressupõe que toda pessoa goze do mesmo em condições justas, eqüitativas e satisfatórias, para o que esses Estados garantirão em suas legislações, de maneira particular: e. Segurança e higiene no trabalho; g. Limitação razoável das horas de trabalho, tanto diárias quanto semanais. As jornadas serão de menor duração quando se tratar de trabalhos perigosos, insalubres ou noturnos; h. Repouso, gozo do tempo livre, férias remuneradas, bem como remuneração nos feriados nacionais.

Artigo 10. Toda pessoa tem direito à saúde, entendida como o gozo do mais alto nível de bem-estar físico, mental e social.

Artigo 11. Toda pessoa tem direito a viver em meio ambiente sadio e a contar com os serviços públicos básicos.254

No campo nacional, a limitação da duração do trabalho está estipulada como um direito fundamental expresso na Constituição Federal no artigo 7º, inciso XIII (jornada de trabalho de oito horas e duração semanal de quarenta e quatro horas, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho); inciso XIV (jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva); inciso XV (repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos); inciso XVI (remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em cinquenta por cento à do normal) e inciso XXII (redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança).

Com visto, há uma preocupação mundial e mesmo aqui no Brasil, quanto à duração da jornada de trabalho, para que esta não ultrapasse os limites permitidos e passe a ser exaustiva, configurando o crime do artigo 149 do CP.

Apesar da dificuldade em se aferir os critérios objetivos para delimitação do que seria jornada de trabalho exaustiva, já que este termo comporta vários enquadramentos, é fato que ao menos quatro elementos estão presentes, entre eles, a existência de uma relação de trabalho, o estabelecimento de uma jornada que ultrapasse os limites legais estabelecidos, a capacidade dessa jornada motivar

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OEA - Organização dos Estados Americanos. Protocolo de San Salvador. Disponível em: <http://www.cidh.oas.org/Basicos/Portugues/e.Protocolo_de_San_Salvador.htm>. Acesso em: 01.03.2015.

problemas de saúde física e mental do trabalhador e por último, que a imposição dessa jornada seja contra a vontade do trabalhador.

É nesse sentido que José Claudio Monteiro de Brito Filho afirma que jornada exaustiva, para os fins do artigo 149 do Código Penal, deve ser definida como:

Jornada de trabalho imposta a alguém por outrem em relação de trabalho, além dos limites legais estabelecidos na legislação de regência, e/ou capaz de causar prejuízos à saúde física e mental, e decorrente de uma situação de sujeição que se estabelece entre ambos, de maneira forçada ou por circunstâncias que anulam a vontade do primeiro.255

Na mesma linha, Guilherme de Souza Nucci expõe:

A jornada exaustiva se caracteriza pelo trabalho diário que foge às regras da legislação trabalhista, exaurindo o trabalhador, sendo que, para que se configure, é preciso que o patrão submeta (ou seja, exija, subjugue, domine pela força) o seu empregado a tal situação.256

Apenas para constar, apesar das definições acima, merece destacar que a principal atenção está para o fato de que a situação – jornada de trabalho exaustiva – desrespeita normas internacionais e nacionais que prestigiam a saúde e segurança laborais, a dignidade e a vida privada do trabalhador, todas elevadas à categoria de direitos fundamentais e humanos. É o entendimento de Cícero Rufino Pereira que anota:

Jornada exaustiva é aquela trabalhada além da jornada legal permitida, levando o trabalhador à extrema fadiga. Por exemplo, as jornadas de até 18 horas de trabalhos diários impostos aos trabalhadores na época da Revolução Industrial européia do século XIX. A jornada exaustiva expõe o trabalhador à falta de segurança e riscos para sua saúde, eis que o trabalho desenvolvido em longas jornadas deixa o ser humano com os reflexos e raciocínio mais lentos, submetendo o obreiro a riscos de acidentes e a problemas de saúde relacionados à fadiga. A vida social e familiar do trabalhador submetido à jornada exaustiva também ficam prejudicadas, pois por causa do excesso do trabalho, o obreiro se afasta da convivência com seus familiares, bem como da participação em eventos sociais ou políticos em sua comunidade. (...) Assim, todas as formas de redução do trabalhador à condição análoga à de escravo, dentre elas a jornada exaustiva, ocasiona o desrespeito aos direitos mínimos

255

BRITO FILHO, op. cit. p. 77.

256

NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. 9 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 691.

para o resguardo da dignidade do obreiro, bem como se constitui conduta criminosa.257

Enfim, jornada de trabalho exaustiva é o extrapolamento do tempo legal de duração de um trabalho, sob os mandos do empregador ou quem o represente, podendo causar os mais diversos efeitos na saúde do trabalhador, seja, física ou mental.

Passando agora para o terceiro modo de execução da prática de reduzir alguém à condição análoga à de escravo, temos o trabalho em condições degradantes, conceito de categoria axiológica aberta, que depende da apreciação subjetiva do intérprete e do aplicador da norma. Todavia, há um ponto em comum, o trabalho degradante avilta a dignidade da humana, já que a expõe da forma mais cruel possível, como se fosse uma coisa.

A par disso, Denise Lapolla de Paula Aguiar Andrade entende:

Que trabalho degradante é aquele que priva o trabalhador de sua dignidade, que o despreza como sujeito de direitos, que o rebaixa e deteriora sua saúde. É aquele desenvolvido sob péssimas condições e com remuneração incompatível, sem as garantias mínimas à segurança e saúde do trabalhador e com limitação à alimentação e moradia.258

É também o pensamento de Guilherme de Souza Nucci, quando diz que para

haver condições degradantes de trabalho é preciso que o trabalhador seja submetido a um cenário humilhante de trabalho, mais compatível a um escravo do que a um ser humano livre e digno.259

De forma mais abrangente Luis Antônio Camargo de Melo pontua a caracterização do trabalho degradante da seguinte forma:

O trabalho degradante é caracterizado por péssimas condições de trabalho e de remuneração, como utilização de trabalhadores intermediados por gatos ou cooperativas de mão-de-obra fraudulentas; utilização de trabalhadores arregimentados por gatos em outras regiões; submissão de trabalhadores a precárias condições de trabalho, pela ausência de boa alimentação e água potável ou pelo seu fornecimento inadequado; fornecimento de alojamentos sem as mínimas condições de habitação e sem instalações sanitárias; cobrança pelos instrumentos necessários à

257

PEREIRA, Cícero Rufino. Efetividade dos direitos humanos trabalhistas: o Ministério Público do

Trabalho e o tráfico de pessoas. São Paulo: LTr, 2007, p. 59-60. 258

ANDRADE, op. cit., p. 11-16.

259

prestação dos serviços e pelos equipamentos de proteção individuais, como chapéus, botas, luvas, caneleiras, etc.; não fornecimento de materiais de primeiros socorros; fornecimento de transporte inseguro e inadequado aos trabalhadores; e descumprimento generalizado da legislação de proteção ao trabalho, como ausência de registro do contrato na CTPS, não realização de exames médicos admissionais e demissionais e não pagamento de salário ao empregado.260

Dos aspectos apresentados acima por Luis Antônio Camargo de Melo, merece destaque a questão da locomoção dos trabalhadores, em especial os rurais, que em grande maioria precisam percorrer longas distâncias, onde sequer tem transporte público, com opção do transporte arranjado pelo tomador de serviços, este, sem condições adequadas, não atendendo às normas legais, já que quase na totalidade dos casos é precário, sem falar que em muitas situações, este transporte não chega ao local exato da prestação dos serviços, tendo os trabalhadores que dali por diante, atravessar estradas de barro, matas e até rios para chegar ao destino. Enfim, todas estas realidades configuram formas de degradação do trabalho, já que expõe o trabalhador desnecessariamente à condições subumanas.

Fazendo um relato do que presenciou num alojamento de trabalhadores que estavam à disposição de uma grande usina açucareira e alcooleira em Campos dos Goytacazes/RJ, Wilson Prudente destaca:

Eram 31 homens acondicionados em beliches, umas sobre as outras. Os trabalhadores chegavam da roça às dezessete horas e havendo um único banheiro e um único chuveiro, os últimos da fila, só conseguiriam jogar uma água no corpo por volta das 22 horas. Antes disso, porém, a água da caixa, que era pequena, já havia terminado ... Os últimos da fila, só poderiam pensar em banho no final da tarde do dia seguinte ... As paredes do quarto estavam visivelmente manchadas de sangue, dada a voracidade dos mosquitos e pernilongos ... Não era possível ficar dois minutos naquele ambiente, sem te que estar batendo as mãos para todos os lados, como forma de se livrar dos insetos ... Ora, um alojamento, onde permanecer por cinco minutos é razão de grande sofrimento, então para quem nele tem de dormir todos os dias, trata-se efetivamente de tortura ...261

260

MELO, Luis Antonio Camargo de. As atribuições do Ministério Público do Trabalho na prevenção e

no enfrentamento ao trabalho escravo. v. 68, n. 4, São Paulo: LTr: Legislação do trabalho, 2004, p.

425-432.

261

PRUDENTE, Wilson. Crime de escravidão: uma análise da Emenda Constitucional 45 de 2004, no

tocante às alterações da competência material da Justiça do Trabalho, e do novel status constitucional dos tratados internacionais de direitos humanos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p.

Diante dessa realidade brasileira impossível não se abalar com as diversas maneiras em que o trabalho se dá de forma degradante, impulsionando o trabalhador, principalmente aquele totalmente carente de tudo, que muitas vezes não tem outra saída, a se submeter àquela realidade desumana, quando, é claro, não é totalmente obrigado a trabalhar naquelas condições.

Portando, como bem afirma Laura Vasconcelos Neves da Silva:

Logo, não se há de duvidar que, quando a lei penal tipifica o crime de redução à condição análoga à de escravo, ao dispor sobre condições degradantes, está-se referindo ao exercício do labor de forma aviltante, infamante, que envilece e torna desprezível a própria condição humana do campesino.262

Em face do que até agora foi dito há de se considerar que o trabalho em condições degradantes é caracterizado por condições subumanas de trabalho e de vivência, onde há inobservância das normas mais elementares de segurança e saúde no trabalho, aqui em especial ressalta-se a NR 31, já citada, que trata diretamente das normas de segurança e saúde a serem observadas no contexto dos trabalhadores rurais que, uma vez não respeitadas, acaba expondo diretamente os trabalhadores a riscos à sua saúde (mesmo mental) e integridade física, principalmente pela ausência do fornecimento ou fornecimento inadequado de alimentação, alojamento e água, somado a outras atitudes como o não pagamento de salários ou sua retenção, submetendo os trabalhadores a tratamentos cruéis, desumanos ou desrespeitosos, capazes inclusive de gerar assédio moral e/ou sexual sobre a pessoa do obreiro ou de seus familiares.

Enfim, todas estas práticas desenvolvidas pelo empregador ou seus prepostos, flagrantemente, violam as legislações nacional e internacional, com ataque direto ao princípio da dignidade da pessoa humana, por impor condições laborais inaceitáveis, com o único propósito de obter provento às custas do sofrimento de outros.

É o que entende Laura Vasconcelos Neves da Silva:

As situações de trabalho escravo constituem violação da dignidade do ser humano trabalhador. Além disso, demonstram que os serviços

262

SILVA, Laura Vasconcelos Neves da. As relações de trabalho rural nas usinas de cana-de-açúcar e

o trabalho decente. Dissertação de Mestrado/ Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

sob a orientação do Prof. Luiz de Pinho Pedreira da Silva – Salvador: 2008, p. 73. Disponível em:<https://repositorio.ufba.br/ri/bitstream/ri/8831/1/LAURA%20VASCONCELOS%20NEVES%20DA %20SILVA%20-%20Disserta%C3%A7%C3%A3o.pdf>. Acesso em: 01.03.2015.

prestados não têm valor para os empresários gananciosos, que agem sem escrúpulos de majorar os seus lucros. Para estes, o ser humano que exerce o labor é tão somente um meio que lhes garante mais riquezas.263

No que tange ao aspecto normativo, no âmbito internacional, o trabalho degradante é tratado pelo Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, que no seu artigo 7º preconiza que, ninguém poderá ser submetido à tortura, nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes. No mesmo sentido, a Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969, dispõe em seu artigo 5º, 1 e 2, que toda pessoa tem direito a que se respeite sua integridade física, psíquica e moral e que ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes.

Os instrumentos internacionais são categóricos em afirmarem que o trabalho escravo, em todas as formas de exploração e aviltamento da pessoa humana, inclusive com sua submissão a trabalhos executados de forma totalmente degradante é uma grave forma de violação de direitos humanos.

De fato, tratar uma pessoa como se ela fosse um objeto, é destituí-la de valor intrínseco, subtrair sua dignidade e negar todos os direitos, situação que muito se assemelha à triste e intolerável história do Nazismo, como bem foi lembrado por Flávia Piovesan:

A luz da universalidade dos direitos humanos, o trabalho escravo viola sobretudo a idéia fundante dos direitos, baseada na dignidade humana, como um valor intrínseco à condição humana. Lembre-se que esta concepção emergiu como resposta à barbárie totalitária do Nazismo, que, com base na teoria da supremacia racial, tornou pessoas supérfluas, esvaziadas de qualquer dignidade e respeito. Em reação à coisificação de pessoas e ao extermínio atroz dos campos de concentração, há a virada Kantiana, no sentido de resgatar a dignidade humana como um valor fonte, pelo qual as pessoas devem ser tratadas como um fim em sim mesmo, e jamais como um meio ou objeto a ser arbitrariamente usado para este ou aquele propósito. As pessoas são dotadas de dignidade, na medida em que têm um valor intrínseco, sendo a autonomia a base da dignidade humana, estando intimamente relacionada com a concepção de liberdade. O trabalho escravo surge como a negação absoluta do valor da dignidade humana, da autonomia e da liberdade, ao converter pessoas em coisas e objetos.264

263

SILVA, Laura Vasconcelos Neves da. Op. cit., p. 76.

264

PIOVESAN, Flávia. Trabalho escravo e degradante como forma de violação aos direitos humanos.