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3. MEIO AMBIENTE DO TRABALHO RURAL E LEGISLAÇÃO APLICÁVEL

3.4 Violações normativas mais comuns na atividade rural

3.4.1 Direito ao lazer

Direito ao lazer pressupõe o tempo livre, o tempo de não trabalho, o qual o ser humano utiliza na realização das mais diversas atividades que lhe deêm prazer, desde a convivência familiar, prática de esportes, atividade artística, intelectual e até mesmo não fazer nada, usar o tempo apenas para descansar.

Nas palavras de Amauri Mascaro Nascimento:

O lazer atende à necessidade de libertação, de compensação da vida contemporânea e é uma resposta à violência que se instaurou na sociedade, ao isolamento, à necessidade do ser humano de encontrar-se consigo e com o próximo, sendo essas, entre outras, as

causas que levam a legislação a disciplinar a duração do trabalho e os descansos obrigatórios.214

Complementando, José Afonso da Silva entende de forma mais ampla que

lazer seria entrega à ociosidade repousante. Recreação é entrega ao divertimento, ao esporte, ao brinquedo. Ambos requerem lugares apropriados, tranquilos num, repletos de folguedos e alegrias em outro.215

Sendo uma das conquistas do homem, inclusive pelo degradante processo histórico da exploração pelo trabalho, o direito ao lazer foi elencado inicialmente no rol dos direitos humanos, já que no âmbito internacional, segundo preconiza o artigo 24 da Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU de 1948, todo ser humano tem assegurado o direito ao repouso e lazer, com a limitação razoável das horas de trabalho e férias remuneradas periódicas216.

Neste sentido conclui Alexandre Lunardi que:

O direito ao lazer ingressa no rol dos Direitos Humanos, ou seja, aqueles que a comunidade internacional considera como inerentes a todas as pessoas, indispensáveis para a dignidade humana e fundamentais para a existência da liberdade, da justiça e da paz no mundo.217

Já no plano nacional, a Constituição Federal de 1988 positivou o direito ao lazer no artigo 6º, inserido na estrutura constitucional, como direito fundamental e social. Logo, todos os cidadãos brasileiros têm direito à educação, à saúde, à alimentação, ao trabalho, à moradia, ao lazer, à segurança, à previdência social, à proteção à maternidade e infância e à assistência aos desamparados.

Beatris Francisca Chemin reafirma que o direito ao lazer é para todo e qualquer cidadão, dado seu aspecto de direito social:

Pensa-se o direito ao lazer como contraponto ao tempo de trabalho, mas inclusive como um tempo livre para exercer o descanso ou atitudes outras de vida que possam envolver a cultura, a educação, a

214

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho. 24 ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 488.

215

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional positivo. 19ª ed., rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 318.

216

ONU. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Biblioteca Virtual de Direitos Humanos.

Universidade de São Paulo USP. Disponível em:

<http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Declara%C3%A7%C3%A3o-Universal-dos-Direitos-Humanos/declaracao-universal-dos-direitos-humanos.html>. Acesso em: 12.10.2014.

217

LUNARDI, Alexandre. Função social do direito ao lazer nas relações de trabalho. São Paulo: LTr, 2010, p. 26.

vivência familiar, ou o exercício de atitudes prazerosas e criativas. Seu conteúdo possui importância igualitária à saúde, à educação, à segurança, ao trabalho e aos outros direitos sociais estampados no mesmo dispositivo constitucional.218

Importante frisar que o direito ao lazer está insculpido no artigo 6º da Constituição, sendo que este, como já esclarecido acima, na estrutura constitucional está inserido no Título II, que versa sobre os Direitos e Garantias Fundamentais, bem como no Capítulo II, que trata dos Direitos Sociais, o que confirma que o lazer é reconhecido no ordenamento jurídico brasileiro como um direito fundamental, pertencente à categoria de direitos sociais de segunda geração e ainda tutelado em mesmo grau que o direito do trabalho.

Existe uma relação de complementação entre o direito do trabalho e o direito ao lazer, mesmo porque este último se aplica a várias áreas que não só a do trabalho. Em relação ao trabalho, o lazer está configurado de forma mais expressiva nas normativas relacionadas à limitação da jornada de trabalho, mesmo que por via reflexa, fato destacado por Alexandre Lunardi:

Contudo, como mencionado, verifica-se que, ainda que indiretamente, os dispositivos legais que em geral regulam o descanso do empregado, os intervalos intra e entrejornada, os especiais, as ausências justificadas, o repouso semanal remunerado, as férias anuais, são normas que acabam por formar o núcleo das normas positivas de direito fundamental relacionadas ao lazer nas relações de trabalho, uma vez que novas normas de tutela direta não foram positivadas.219

Um exemplo prático da inserção do lazer nas relações de trabalho, mas de forma a caracterizar tão somente a limitação do tempo de trabalho, é a disposição dos incisos XIII (duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho); XIV (jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva); XV (repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos); XVI (remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em cinqüenta por cento à do normal) e XVII (gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal), todos do artigo 7º da CF.

218

CHEMIN, Beatris Francisca. Constituição e lazer: uma perspectiva do tempo livre na vida do

trabalhador brasileiro. Curitiba: Juruá, 2005, p. 176. 219

E mais uma vez Alexandre Lunardi ressalta:

Observando-se esses dispositivos, conclui-se que a intenção do legislador foi a de estabelecer um limite para a jornada de trabalho, e não proporcionar a tutela direta do lazer. Estes incisos foram estabelecidos na intenção de evitar a fadiga dos trabalhadores, de proporcionar um tempo de trabalho e consequentemente um tempo residual que seria destinado às outras atividades da pessoa, principalmente ao descanso. Caso contrário, se a intenção fosse a proteção direta do direito ao lazer, o legislador teria estabelecido o inverso, isto é, um tempo mínimo de lazer e subsidiariamente o tempo de trabalho.220

Dando continuidade à integração do direito ao lazer no ordenamento jurídico brasileiro, além do artigo 6º, há ainda outros artigos da constituição que fazem referência ao lazer, como o inciso IV do artigo 7º, que estabelece que salário mínimo deve atender, dentre outras necessidades básicas, ao lazer. O artigo 217, § 3º, trata da responsabilidade do Estado como incentivador do lazer, como forma de promoção social. E o artigo 227 destaca o dever da família, da sociedade e do Estado em assegurar lazer às crianças e adolescentes.

Especificamente quanto a responsabilidade do Estado no incentivo ao lazer, Sandra Regina Pavani Foglia observa que também a coletividade tem a mesma obrigação.

O direito ao lazer é uma conquista histórica. Há, todavia, necessidade de uma construção da cultura do direito ao lazer. Isso porque não é só do poder público a obrigação de oferecer políticas públicas para a efetivação do direito ao lazer. Outros atores participam dessa cultura acerca do exercício do direito ao lazer, como a família, a comunidade, o sindicato, amigos, dentre outros, e principalmente, a escolha pessoal.221

No que concerne às violações ao direito de lazer, importante ressaltar que acontece tanto na seara urbana, quanto na rural, todavia, nesta última, o fato é mais corriqueiro, o que sem dúvida alguma privilegia a degradação do meio ambiente do trabalho e em consequência afeta a saúde física e até mental dos trabalhadores.

Uma situação bem visível é a interferência das atividades de produção no tempo livre do trabalhador, posto que além do tempo vinculado à atividade de produção na empresa, há ainda aquele vinculado a uma atividade obrigatória, não

220

LUNARDI, op. cit., p. 27.

221

FOGLIA, Sandra Regina Pavani. Lazer e trabalho: um enfoque sob a ótica dos direitos

só pela lei, como o voto, o comparecimento em agências bancárias para pagamento de impostos, como pela própria empresa, quando determina o acompanhamento a um curso profissionalizante, o que de fato é de interesse da empresa, ou mesmo quando o trabalhador precisa de atendimento médico. Fora esses casos, há ainda o tempo livre do trabalhador.

O que vem acontecendo é que esse tempo livre está sendo reduzido e fica ainda menor quando os trabalhadores se dispõem à qualificação através da educação, que hoje também é considerado como tempo vinculado a uma atividade obrigatória, já que a educação é garantia de uma melhor qualidade de vida. Disso tudo resulta que cada vez mais está havendo na sociedade o extermínio do tempo de lazer, o que fatalmente está não só desrespeitando a Carta Magna, como também degrada o meio laboral, já que resulta em trabalhadores mais cansados, desanimados, com humor alterado, etc., o que é claro poderá, sem sombra de dúvida, desencadear acidentes e mesmo doenças ocupacionais.

Na tentativa de melhor expor a realidade dos trabalhadores quanto a redução de seu tempo livre, Alexandre Lunardi, relata:

Algumas considerações podem ser realizadas: tendo oito horas vinculadas ao trabalho, oito horas vinculadas ao sono, ao descanso, quando se trata de tempo livre, em princípio está se falando de somente oito horas diárias. Contudo, dessas oito horas, em média, em uma cidade grande, duas delas estão vinculadas ao transporte de ida e volta do trabalho, outras duas estão relacionadas com a alimentação diária, ou seja, em teoria, tem-se apenas quatro horas que poderiam ser dedicadas ao lazer.222

Um outro ponto que revela evidência de violação normativa do direito ao lazer no setor rural, está no fato de que muitas das atividades desenvolvidas requerem que o obreiro resida na propriedade do empregador. Em geral, tais funcionários desempenham suas atividades durante a semana e aos finais de semana retornam às suas casas e outros acabam por ali residir com toda sua família.

Ocorre que tais situações nem sempre são benéficas ao trabalhador rural, visto que estar no local de trabalho vinte e quatro horas por dia faz com que haja uma confusão entre o que é denominado de ambiente familiar e ambiente laboral. Tais conceitos acabam se emaranhando, tanto pelo patrão, quanto pelo subordinado, o que ocasionalmente gera falta de privacidade familiar, abuso das

222

horas de trabalho, desrespeito ao descanso semanal remunerado bem como na qualidade física do local de moraria.

Assim, o direito ao lazer deve ser usufruído pelos trabalhadores, em especial os trabalhadores rurais, mesmo porque suas atividades são exaustivas e necessitam manter saudáveis o corpo e a mente, pois só desta forma terão garantidos o meio ambiente ecologicamente equilibrado, propenso à sua saúde e segurança.

Nesse sentido adverte Otávio Amaral Calvet:

Deve-se atentar para a orientação da conduta do empregador nas relações trabalhistas, no ensejo de que esse respeito as determinações legais relativas à duração do trabalho, jornada, repouso e descansos estabelecidos, bem como incentive os trabalhadores a práticas que desenvolvam o lazer.223

O respeito pelo direito ao lazer gera efetivação dos direitos sociais e fundamentais, assim como a criação de maiores espaços de tempo, valorização da qualidade dos períodos de lazer e mesmo o rompimento com o trabalho mecanizado, valoriza a dignidade da pessoa humana.

A análise a seguir, demonstra outras violações e como elas ocorrem no meio ambiente do trabalho rural, afetando de forma direta os trabalhadores.