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2. PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE DO TRABALHO

2.1 Histórico da degradação do meio ambiente do trabalho

2.1.5 Perspectivas atuais

No cenário atual, faz-se mister destacar que, independentemente do ofício envolvido, o meio ambiente do trabalho deve gozar da devida proteção por sua dimensão subjetiva, visando, em última instância, assegurar o interesse humano.

Assim relata Rubens Migliaccio Filho:

O fundamento para determinar o valor do trabalho não é o tipo de trabalho que se realiza, e sim o fato de que quem o executa é uma pessoa. As fontes de dignidade do trabalho devem buscar-se, principalmente, não em sua dimensão objetiva, e sim na sua dimensão subjetiva. O valor do trabalho não reside no fato de que se façam coisas, mas de que são coisas feitas pelo homem.88

Todavia, os vários avanços no âmbito do Direito do Trabalho, sempre na perspectiva da dignidade da vida humana, não foram suficientes para impedir o surgimento de novos problemas, as grandes questões deste século relacionadas ao meio ambiente do trabalho, em especial o rural, a saber: a mecanização da

88

MIGLIACCIO FILHO, Rubens. Reflexões sobre o Homem e o Trabalho. Revista de Administração

de Empresas, v. 34, n. 2, mar-abr, 1994, p. 22. Disponível em: <http://rae.fgv.br/sites/rae.fgv.br/files/artigos/10.1590_S0034-75901994000200004.pdf>. Acesso em: 28.02.2014.

agricultura e o largo uso dos agrotóxicos e seus efeitos na estrutura natural e humana, contextos da exploração econômica provocada pelo sistema capitalista, que determina a constância e a força com que acontecem e influenciam a degradação do meio ambiente do trabalho.

Seus defensores alegavam que os avanços não só aprimoravam a produção agrícola, como contribuíam para a própria humanidade, oferecendo-lhe a possibilidade de um acesso mais amplo aos meios para seu sustento básico, como a alimentação, o que foi possível graças a alguns fatores, tais como o uso de

sementes de alto rendimento, fertilizantes, pesticidas, irrigação e mecanização89, considerados, com razão, os fundamentos da Revolução Verde*.

Há ainda que se considerar como prolongamento da Revolução Verde a grande inovação da ciência e da técnica, tendo o homem colocado sua capacidade intelectual em favor do desenvolvimento de pesquisas e estudos na intenção de alcançar melhorias na rentabilidade agrícola, como foi o caso dos transgênicos, que mesmo hoje suscitam muitas polêmicas em todo mundo, em razão da incerteza sobre o que pode acontecer no organismo humano caso haja o consumo de produtos derivados da alteração genética.

Uma outra novidade da modernização da agricultura que também merece destaque são as ferramentas da agricultura de precisão, nova forma de gerir a produção agrícola.

Segundo Tânia Rabello:

Agricultura de precisão é a gestão da variabilidade, é o conhecimento e a consideração de todo o potencial produtivo do solo. É a aplicação pontual no solo, de insumos em taxas variáveis, aplicando a quantia certa no local certo. É a consideração de todo o potencial produtivo da terra. Para a sua implantação faz-se necessário equipamentos de precisão, com utilização de sistema de posicionamento global, popularmente conhecido por GPS e software para mapear a fertilidade da área. A mão de obra necessita ser especializada para operar os equipamentos de precisão. A liberação de insumos no solo é feita conforme programação, baseadas em mapas de produtividade

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PENNA, Carlos Gabaglia. A revolução verde é insustentável, 2009. Disponível em: <http://www.oeco.com.br/carlos-gabaglia-penna/21480-a-revolucao-verde-e-insustentavel>. Acesso em: 18.03.2014.

*Esse acontecimento, do qual muito se fala, iniciou-se como fruto dos dispêndios econômicos da família Rockefeller, em parceria com o governo mexicano. A idéia surgiu de um comentário casual lançado pelo então vice-presidente norte-americano, Henry Wallace, ao presidente da Fundação Rockefeller, Raymond Fosdick, ainda no ano de 1941. Consubstancia-se num amplo programa idealizado para aumentar a produção agrícola no mundo por meio de melhorias genéticas em sementes, uso intensivo de insumos industriais, mecanização e redução do custo de manejo.

do solo, com dados coletados via satélite. A tecnologia permite maior produtividade e redução dos custos de produção.90

Neste contexto surgiram vários movimentos populares rurais resistentes ao processo econômico e político que deflagrou a rápida modernização da agricultura, indicando o aprofundamento das desigualdades no campo por meio das formas de exploração e marginalização.

Nas palavras de Picolotto:

As políticas de modernização da agricultura (que visavam, entre outras coisas, a especialização das atividades agrícolas e a transferência de trabalhadores para o meio urbano) não foram recebidas com passividade por todos os segmentos sociais do campo; muitos promoveram lutas de resistência. Em vários locais do Brasil, ainda nos anos de 1970, os pequenos agricultores, os „sem-terra‟, os „atingidos por barragens‟, os indígenas, os seringueiros, as mulheres trabalhadoras rurais, entre outras categorias, organizaram-se para lutar contra a expropriação de organizaram-seus meios de produção e encontrar alternativas para a continuação de sua reprodução social. Algumas das ações destes grupos formaram o que se concebe na sociologia como movimentos sociais.91

Tais movimentos acreditavam na insustentabilidade das práticas desenvolvidas para a produção em massa, mesmo porque estas excluíam os menos favorecidos do processo de produção, fomentando cada vez mais o êxodo rural, além de serem incapazes de distribuir renda, já que ostentavam a concentração de terras, sem falar que o modelo de agricultura moderna explorava a força de trabalho dos agricultores, com consequente degradação das condições de vida daqueles no seu ambiente de trabalho.

Nesse sentido Carlos Guilherme Adalberto Mielitz Neto, afirma:

A agricultura de base familiar acaba sendo engolida pela agricultura tecnificada, focadas na indústria de alimentos ou exportação. Nesse processo de subordinação aos mercados, o setor agrícola nacional perde processos e práticas tradicionais de produção que em grande parte está em sintonia com o meio ambiente.92

90

RABELLO, Tânia. Na ponta do lápis. Globo Rural: agricultura inteligente, São Paulo, v. 27, n. 319, 2012, p.30-31.

91

PICOLOTTO, Everton Lazzaretti. Processos de diferenciação dos movimentos sociais do campo no

Sul do Brasil: identidade, articulação política e projeto. Raízes, Campina Grande, vol. 26, n. 1 e 2, p.

46-58, jan./dez. 2007.

92

MIELITZ NETO, Carlos Guilherme Adalberto. Políticas públicas e desenvolvimento rural no Brasil. Porto Alegre: Editora da Ufrgs, 2012. (Série Educação A Distância). Disponível em: <http://www6.ufrgs.br/cursopgdr/downloadsSerie/derad012.pdf>. Acesso em: 13.02.2015.

E, apesar dos esforços em espalhar tecnologias agrícolas que permitissem um aumento considerável na produção, sobretudo em países menos desenvolvidos, a Revolução Verde trouxe inúmeros impactos sociais e ambientais negativos, tanto que demoraram alguns anos para que essas práticas, então consideradas “miraculosas” por trazer à população mundial grande facilidade na obtenção de produtos agrícolas, se revelassem como prejudiciais à saúde do trabalhador rural e dos consumidores, de forma geral.

Vide, por exemplo, o caso conhecido dos pesticidas. Tratados doravante também como praguicidas são empregados desde a antiguidade e surgiram com a

necessidade de se protegerem as colheitas dos ataques dos insetos, que a cada ano comprometiam uma parcela maior da produção93. Com a Revolução Verde, apareceram os primeiros praguicidas sintéticos: o famoso DDT (Dicloro Difenil Tricloroetano), com outros adubos químicos, fizeram um enorme sucesso a partir da década de 1940. Mas, já a partir de 1950, surgiram os primeiros sinais de advertência, vindos da natureza: o uso indiscriminado dos produtos agrotóxicos selecionava os animais mais resistentes, reduzindo a eficácia das substâncias então conhecidas.

Segundo uma definição legal, estabelecida pelo Decreto n.º 4.074, de 4 de janeiro de 200294, agrotóxicos são:

produtos e agentes de processos físicos, químicos ou biológicos, destinados ao uso nos setores de produção, no armazenamento e beneficiamento de produtos agrícolas, nas pastagens, na proteção de florestas, nativas ou plantadas, e de outros ecossistemas e de ambientes urbanos, hídricos e industriais, cuja finalidade seja alterar a composição da flora ou da fauna, a fim de preservá-las da ação danosa de seres vivos considerados nocivos, bem como as substâncias e produtos empregados como desfolhantes, dessecantes, estimuladores e inibidores de crescimento.

Então, a finalidade de tais produtos e agentes é preservá-las [a fauna e a

flora] da ação danosa de seres vivos (...) nocivos. Sem dúvida, um objetivo justo. No

entanto, após a Revolução Verde, também descobriu-se que estes praguicidas não

eram metabolizados pelos animais, ficando acumulados por anos nos tecidos de

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SUCEN. Segurança em controle químico de vetores, 2000-2001, p. 3. Disponível em: <http://www.bvsde.paho.org/bvsapud/p/fulltext/plagui/plagui.pdf>. Acesso em: 18.03.2014.

94

BRASIL. Decreto n. 4.074, de 4 de janeiro de 2002. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/D4074.htm>. Acesso em 20.03.2014.

organismos vivos95. Tal fato não só fez que se tomasse cuidado no uso desses produtos, como mudou o nome pelo qual eles passaram a ser chamados:

O termo “agrotóxico” ao invés de “defensivo agrícola” passou a ser utilizado no Brasil, após grande mobilização da sociedade civil. Mais do que uma simples mudança da terminologia, esse termo coloca em evidência a toxicidade desses produtos ao ambiente e à saúde.96

Se a expressão “defensivo agrícola” poderia ser mais adequada à definição legal do Decreto n.º 4074/02, “esconderia”, por outro lado, os fatos recentes descobertos com relação aos efeitos dessas substâncias nos seres vivos – humanos ou não. Presencia-se aqui uma luta no campo da linguagem, que foi – e ainda é – significativa para o convencimento das pessoas. É claro que mudar o nome dos praguicidas de “defensivos” para “agrotóxicos” não modificou a sua essência, ou seja, um agrotóxico não deixou de ser, efetivamente, um defensivo agrícola. No entanto, a estratégia de uma nova linguagem ajudou a minar, por assim dizer, a resistência que a sociedade civil poderia ter à propaganda contra os agrotóxicos. Afinal, é muito mais fácil denunciar os males de algo tóxico que de algo defensivo.

Hoje, se por um lado, é importante manter o crescimento da produção agrícola, considerando principalmente o grande número de pessoas a alimentar, pondera-se a importância de não esgotar nem poluir os recursos naturais, o que, no entendimento de Penna, torna inviável a manutenção das práticas da Revolução Verde:

Torna-se cada vez mais evidente que a Revolução Verde é insustentável. Ela polui o ambiente natural, com consequências graves à saúde humana e ambiental, degrada ecossistemas nativos, tende a esgotar os recursos hídricos e, do ponto de vista energético, apresenta um saldo negativo. Devido ao uso intenso de combustíveis fósseis em todas as etapas do seu processo, a agricultura em escala industrial utiliza, atualmente, de sete a dez calorias dessas fontes de energia para fornecer uma caloria de alimento.97

E foi justamente para equilibrar as práticas de esgotamento dos recursos naturais e ao mesmo tempo dar continuidade à produção que pudesse garantir o sustento da população que abordou-se o desenvolvimento sustentável, sendo certo

95

SUCEN, op. cit., p. 4.

96

Ibidem, p. 2.

97

que as empresas precisam se ajustar de forma a buscar harmonia entre a economia mundial e o meio ambiente.

O fato é que o equilíbrio resultará em efetivo benefício aos homens já que dirigidos de modo a buscar a justiça e a satisfação daquelas pessoas que, não tendo o suficiente, precisam recorrer à solidariedade humana para manter o mínimo de dignidade para suas famílias. Não se crê, definitivamente, na moralidade ou justiça de uma pressuposta invisible hand do mercado, mas na ação individual ou conjunta de indivíduos reais e concretos que, dispostos a mudar o atual estado das coisas, impregnam o tecido social com o odor da equidade e das boas ações.