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3. MEIO AMBIENTE DO TRABALHO RURAL E LEGISLAÇÃO APLICÁVEL

3.4 Violações normativas mais comuns na atividade rural

3.4.3 Escravidão contemporânea

3.4.3.2 Os mecanismos de combate à escravidão contemporânea no Brasil

3.4.3.2.4 A expropriação da propriedade rural

Como medida adotada pelo Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo, há que se registrar também a expropriação, o chamado confisco, da propriedade em face da ocorrência de exploração do trabalho escravo contemporâneo, ao passo que referida atitude tem o objetivo de gerar reflexos econômicos que possam impedir ou, pelo menos, minimizar a prática do delito, mesmo porque segundo Jairo Lins de Albuquerque Sento-Sé, o confisco se trata de

medida extrema, de ato potencialmente forte, que chega ao ponto de provocar a perda do bem imóvel sem direito a qualquer indenização.299

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BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. II Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho

Escravo. Disponível em:

<http://portal.mte.gov.br/data/files/8A7C816A39E4F614013AD5A314335F16/novoplanonacional.pdf>. Acesso em: 03.03.2015.

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Vale registrar que só é possível hoje o Estado intervir na propriedade privada, ante a inegável necessidade de se conferir maior proteção aos interesses sociais e suprir as carências materiais dos indivíduos, no sentido de alcançar a realização do princípio da dignidade da pessoa humana, matriz de todos os direitos fundamentais garantidos pela Constituição Federal de 1988 e fundamento da República Federativa do Brasil (artigo 1º, inciso III).

Nesse sentido, Cristiano Chaves Farias e Nelson Rosenvald, destacam:

É mister compreender a estrutura interna da norma civil (o seu conteúdo) a partir da legalidade constitucional, modificando, se preciso, seus contornos e conseqüências para que estejam antenados com a perspectiva constitucional. Tome-se como exemplo a propriedade privada. Compreendê-la a partir da legalidade constitucional, especialmente da regra dos artigos 5º a 170, significa afirmar a existência de novo conteúdo, afirmado pela função social como motor de impulsão. Ou seja, só há propriedade privada se atendida a função social. Difere, pois, de afirmar que a Lex Mater apenas teria imposto limites externos (a função social) à propriedade privada, que se manteria com o mesmo conteúdo. Ao impor uma função social à propriedade privada (arts. 5º, XXII, e 170, III), o constituinte não está apenas limitando o exercício da (histórica) propriedade privada, talhada no liberalismo oitocentista, porém transcendendo as velhas idéias postas, exigindo uma nova compreensão da propriedade privada, a partir dos valores sociais e humanitários apresentados pela Constituição. Enfim, está afirmando, concluindo o exemplo, que o conteúdo da propriedade privada é a função social, não merecendo proteção a propriedade que não a atender.300

Em defesa da expropriação em consequência do trabalho escravo, Flávio Dino de Castro e Costa revela ser uma proposição plenamente justificada, inclusive

sob a ótica da proporcionalidade das sanções, uma vez que o trabalho forçado atinge, com enorme intensidade, princípios e direitos fundamentais.301

Apesar de indicado no Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo, a expropriação da propriedade em face da escravidão contemporânea, só se tornou realidade com a aprovação pelo Congresso Nacional da Emenda Constitucional n. 81/2014302, a qual conferiu novo texto ao artigo 243 da Constituição

300

FARIAS, Cristiano Chaves, ROSENVALD, Nelson. Direito Civil: teoria geral. 9ª. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 38-41.

301

COSTA, Flávio Dino de Castro e. Trabalho escravo. In: Revista do Ministério Público do Trabalho. Brasília: LTr, ano XIII, n. 26, Setembro 2003.

302

BRASIL. Emenda Constitucional n. 81, de 5 de junho de 2014. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc/emc81.htm>. Acesso em: 03.03.2015.

de 1988. Agora, além de prever a expropriação de propriedades rurais e urbanas em que se localizem culturas ilegais de plantas psicotrópicas, foi acrescentada a possibilidade de expropriação nos casos de exploração de trabalho escravo, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei, com a destinação da propriedade à reforma agrária e a programas de habitação popular, tudo conforme futura regulamentação em lei. É o novo texto do artigo 243 da Constituição:

Art. 243. As propriedades rurais e urbanas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas ou a exploração de trabalho escravo na forma da lei serão expropriadas e destinadas à reforma agrária e a programas de habitação popular, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei, observado, no que couber, o disposto no art. 5º. Parágrafo único. Todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e da exploração de trabalho escravo será confiscado e reverterá a fundo especial com destinação específica, na forma da lei.

O texto aprovado veio reafirmar o reconhecimento, por parte das autoridades brasileiras, de que o problema da exploração do trabalho escravo existe, é grave e resiste às medidas legais até então adotadas, desde o incremento da fiscalização, com retirada dos trabalhadores da escravidão, até a responsabilização judicial trabalhista e penal dos infratores. Todavia, com a aprovação da emenda constitucional e posterior regulamentação, ressurge a esperança de melhores dias, em que efetivamente haja o respeito à pessoa do trabalhador, e mesmo aos seus direitos, aqui incluído principalmente o direito de liberdade.

Outro ponto que deverá ser regulamentado em lei, de interesse da bancada ruralista, são os projetos de lei apresentados pelos senadores Blairo Maggi (PR-MT) e Luiz Henrique da Silveira (PMDB-SC), que sugerem alteração do conteúdo do artigo 149 do Código Penal, excluindo como elementos definidores de trabalho análogo ao de escravo as situações de trabalho degradante e jornada exaustiva, como crime de escravidão contemporânea.

Todavia, na opinião da autora deste trabalho, é um retrocesso a discussão a respeito da exclusão do rol do artigo 149 do CP, dos modos de execução condicionados ao trabalho degradante e jornada exaustiva, até porque a escravidão moderna difere das dos tempos coloniais em alguns aspectos e permanece a

mesma em outros. É claro que ainda existem casos em que o obreiro de fato tem sua locomoção impedida por conta de dívidas contraídas com o patrão, caracterizando-se a servidão por dívidas, mas, os mais recorrentes são aqueles em que as condições de trabalho a que as pessoas encontram-se inseridas, são indignas, condições degradantes – desrespeitando diversos dos itens presentes na já estudada NR 31 do MTE, como condições sanitárias, de alojamento e moradia – ou jornadas exaustivas, algo bastante comum entre os trabalhadores rurais.

Além do mais, se os projetos mencionados forem aprovados, o Congresso Nacional descumprirá acordos e compromissos internacionais, violando o Principio Internacional da Proibição do Retrocesso Social, motivo suficiente para ser acionada a Corte Interamericana de Direitos Humanos e a Organização dos Estados Americanos.

Muito embora essa prática abominável se faça presente em ambientes urbanos, como se constatou na cadeia produtiva de algumas redes de lojas de renome nacional e mundial, tais como Pernambucanas303 e Zara304, ela é mais frequente no meio rural, onde principalmente se encontram pessoas humildes, analfabetas, sem nenhuma perspectiva de futuro, necessitadas de uma ocupação, fatos que contribuem para que as mesmas sejam aliciadas, enganadas e submetidas à escravidão contemporânea, como já ressaltado anteriormente.

Por tais fatos, não havendo qualquer dúvida sobre a prática do trabalho escravo no cenário brasileiro e, em especial no meio ambiente laboral rural, a grande esperança de mudança efetiva está na aplicação da Emenda Constitucional 81/2014, com o devido confisco das propriedades rurais, e assim uma pesada retaliação contra os verdadeiros responsáveis pelo crime. Portanto, a Emenda Constitucional veio como um grande avanço, fato que deverá ser confirmado pela sua regulamentação que ainda virá, o que se espera ser em prol do trabalhador, hipossuficiente da relação.

303

Site do Senado Federal. Disponível em:

<http://www.senado.gov.br/noticias/Jornal/emdiscussao/trabalho-escravo/casos-atuais-de-escravidao/lojas-pernambucanas.aspx > Acesso em: 16/10/2014.

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Site do Repórter Brasil. Disponível em: <http://reporterbrasil.org.br/2014/05/zara-admite-que-houve-escravidao-na-producao-de-suas-roupas-em-2011/ > Acesso em: 16/10/2014.