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3. MEIO AMBIENTE DO TRABALHO RURAL E LEGISLAÇÃO APLICÁVEL

3.3. Legislação Rural

3.3.4 As Convenções da OIT

3.3.4.3 Convenção 155 da OIT – Sobre segurança e saúde dos trabalhadores e

Em vigor no Brasil desde 18.5.1993, tendo sido promulgada pelo Decreto 1.254/1994187, a convenção em comento foi fruto de estudos realizados pelo Programa Internacional para Melhoras das Condições de Trabalho e Meio Ambiente de Trabalho (PIACT), parceria com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), conforme destaca em sua obra, Joelson de Campos Maciel188.

Destaca Arnaldo Sussekind sobre o tema:

185

DINIZ, Ana Paola Santos Machado. Saúde no trabalho prevenção, dano e reparação. São Paulo: LTr, 2003, p. 56.

186

ROSSIT, op. cit., p. 121.

187

BRASIL. Decreto-Lei n. 1.254, de 29 de setembro de 1994. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/D1254.htm>. Acesso em: 20.02.2015.

188

Dos estudos realizados pelo PIACT resultou a Convenção n. 155, completada pela Recomendação n. 164, ambas de 1981, que ampliaram o conceito de ambiente de trabalho para fins de segurança e saúde dos trabalhadores. Hoje é necessário considerar tanto a agressão que o local de trabalho pode sofrer, oriunda do meio ambiente circunvizinho, quanto a poluição, por vezes imensurável, que pode ser gerada no estabelecimento industrial.189

No geral, a Convenção 155 da OIT estabelece normas e princípios para a segurança e saúde dos trabalhadores no meio ambiente de trabalho. Segundo Sebastião Geraldo de Oliveira,

O objetivo dessa política nacional é prevenir os acidentes e os danos à saúde e à segurança do trabalhador. Para tanto, deverá reduzir ao mínimo, na medida do que for razoável e possível, as causas dos riscos inerentes ao meio ambiente de trabalho.190

A importância dessa convenção está em ser a primeira da OIT a fazer menção ao meio ambiente de trabalho, relacionando-o à saúde e à segurança dos trabalhadores. Nela, ficou definido que a saúde, com relação ao trabalho, abrange não só a ausência de afecções ou doenças, mas também os elementos físicos e mentais que afetam a saúde e estão diretamente ligados com a segurança e a higiene do trabalho (artigo 3º, alínea e), estando em consonância com o entendimento da Organização Mundial de Saúde (OMS) que desde a década de 1940 atribui à saúde um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não somente a ausência de afecções e enfermidades, fato que embasou mais tarde a elaboração da Lei 8.080/90 (Lei Orgânica da Saúde – LOS), que, no § 3º do artigo 2º, estabelece como determinantes e condicionantes da saúde, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, o transporte, o lazer e o acesso a bens e serviços essenciais.

Nesse sentido esclarece Thais Barbosa Reis:

Dessa forma, o direito à saúde significa o direito à integridade física e funcional (inclusive mental), a uma alimentação balanceada, ao vestuário, à moradia, ao saneamento básico, à proteção do meio ambiente, entre outros. A saúde do trabalhador é uma espécie da saúde geral e sua proteção envolve adoção de medidas de segurança e higiene no trabalho, bem como proteção do meio ambiente de trabalho laboral.191

189

SUSSEKIND, Arnaldo. Direito internacional do trabalho. 3ª ed. atual. São Paulo: LTr, 2000, p. 389.

190

OLIVEIRA, op. cit. p. 92.

191

A Convenção 155 também aborda temas da atualidade que afetam inquestionavelmente os trabalhadores no seu local de trabalho, como é o caso dos problemas relacionados a distúrbios da mente humana, que só passou a ter importância a partir do último terço do século XX, quando então apercebeu-se que a atividade produtiva repercute na autoestima e mesmo na sobrevivência do trabalhador, ocupando papel central na estrutura de sua personalidade, desencadeando os mais diversos sintomas.

No Brasil, com a regulamentação do artigo 20 da Lei 8.213/1991, pelo Decreto n. 3.048/1999192, foi reconhecido amplo rol de doenças ocupacionais, inclusive aquelas anteriormente renegadas como a hipertensão, a depressão, o stress ocupacional ou este em seu estado mais agudo, conhecido como Síndrome de Burnout*. Nota-se que a legislação brasileira reconheceu que os esforços no trabalho podem propiciar desequilíbrios de ordem mental, fato que embora já se sabia existir, não eram considerado como doenças ocupacionais e, portanto, não estavam abarcadas pela Previdência Social como enfermidades do trabalho.

Especificamente no caso do stress ocupacional e mesmo a Síndrome de Burnout, Ricardo Tadeu Marques da Fonseca apresenta os seguintes dados:

O Brasil vem ocupando posição destacada entre os países onde o stress ocupacional tem-se manifestado. Numa pesquisa (DOMENICH, 2002) recente patrocinada pela ISMA (International Stress Management Association), que verificou a questão nos Estados Unidos, Alemanha, França, Brasil, Israel, Japão, China, Hong Kong e em Fiji, demonstrou-se que ocupamos o segundo lugar em número de trabalhadores acometidos pela Síndrome de Burnout. Entre os trabalhadores brasileiros, apurou-se que 70% são afetados pelo stress ocupacional e 30% do total estão vitimados pela Síndrome de Burnout. No Japão estes números se elevam. Na terra do sol nascente 85% dos trabalhadores são estressados crônicos e 70% deles manifestam a Síndrome de Burnout.193

A maioria das doenças ocupacionais está na pressão organizacional que subestima o trabalhador levando-o ao sofrimento psíquico, afetando diretamente a

192

BRASIL. Decreto-Lei n. 3.048, de 06 de maio de 1999. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D3048.htm>. Acesso em: 20.02.2015.

*O stress ocupacional revela-se por desgaste físico e mental para e pelo trabalho diariamente, podendo induzir a manifestações psicossomáticas ou a profundos estados de depressão, drogadicção e mesmo suicídio. Já a Síndrome de Burnout é o processo de agudização do stress ocupacional crônico, revelando-se pelo esgotamento emocional, despersonalização e baixa realização pessoal no trabalho, ou seja, há uma decepção e perda de interesse pelo trabalho.

193

FONSECA, Ricardo Tadeu Marques da. Saúde mental para e pelo trabalho. Revista do Ministério Público do Trabalho no Paraná n. 2. Procuradoria Regional do Trabalho – PRT da 9ª Região. Curitiba, 2011, p. 37.

qualidade de vida no trabalho, o que gera fatalmente um stress, que prolongado revela uma das causas do esgotamento. A informatização é um exemplo clássico de stress, já que impõe ao empregado intensa concentração e rapidez excessiva de raciocínio o que pode desencadear uma possível depressão, atualmente a doença mental mais agressiva entre os trabalhadores, como aponta Sueli Teixeira:

A OIT - Organização Internacional do Trabalho - estima anualmente 270 milhões de acidentes do trabalho e 160 milhões de casos de doenças ocupacionais, ressaltando que dos trabalhadores mortos aproximadamente 22.000 são crianças, vítimas de trabalho infantil. No Brasil, calcula-se o registro de 390.000 casos de acidentes e doenças no trabalho, conforme dados coletados a partir das CATs (Comunicação de Acidentes de Trabalho) e SUB (Sistema Único de Benefícios), no site do Ministério da Previdência Social.

À guisa de síntese, tem-se que a Organização Mundial de Saúde aponta a depressão como a quinta maior questão de saúde pública do mundo, liderando as doenças mentais dos trabalhadores, alertando que até 2020 será a doença mais incapacitante para o trabalho, perdendo apenas para as doenças cardíacas.194

Como já falado, até pouco tempo não havia preocupação com a saúde mental dos trabalhadores, todavia, o reconhecimento nessa área por parte da Convenção é de suma importância. Saúde mental é um aspecto que recentemente vem sendo levada em consideração na seara trabalhista, todavia, seu destaque recai sempre nos trabalhos urbanos. Porém, é algo que deve ser observado também nas atividades rurais. Cita-se empregados cujos salários são pagos por produção, em determinadas épocas do ano, se encontram sob pressão para colherem mais. Para isso, muitos deles deixam de lado os direitos que lhe são assegurados, tais como intervalo intrajornada e jornada diária de oito horas, submetendo-se a jornadas exaustivas com o intuito de garantirem um salário mais elevado.

Também a problemática se faz presente de forma ainda mais contundente nos trabalhadores que se encontram em condições análogas à de escravos, pois ao se encontrarem sob ameaças constantes de seus empregadores, acabam desenvolvendo transtornos mentais como síndrome do pânico e depressão.

Corroborando esse entendimento, Maria da Graça Jacques, afirma:

Os vínculos entre o trabalho e o adoecimento psíquico vêm ganhando visibilidade crescente. Corroboram para essa visibilidade o

194

TEIXEIRA, Sueli. A depressão no meio ambiente do trabalho e sua caracterização como doença do

trabalho. Disponível em: <http://www.trt3.jus.br/escola/download/revista/rev_76/Sueli_Teixeira.pdf > Acesso em: 17/10/2014.

número elevado de casos de depressão e suicídio entre a população rural associado ao uso indiscriminado de agrotóxicos (Ministério da Saúde, 2001; Silva, Novato-Silva, Faria & Pinheiro, 2005) e o número crescente de transtornos mentais entre trabalhadores que vivenciaram processos de reestruturação produtiva nos seus locais de trabalho (Chanlat, 1996; Fonseca, 2002; Lima, 1995; Ministério da Saúde, 2001).

Também é crescente o número de trabalhadores acometidos por agravos mentais. Segundo estimativas da World Health Organization ([WHO], 1985), os chamados transtornos mentais menores acometem cerca de 30% dos trabalhadores ocupados e os transtornos mentais graves, cerca de 5 a 10%. No Brasil, segundo estatísticas do INSS, os transtornos mentais ocupam a 3ª posição entre as causas de concessão de benefícios previdenciários (Ministério da Saúde, 2001).195

Assim, em prol de promover melhorias no meio ambiente do trabalho, com foco na dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos da República (artigo 1º da CF/88), considerando-se ainda o princípio constitucional da norma mais favorável exposta no caput do artigo 7º da CF/88, que garante providências que visem a melhoria da condição social dos trabalhadores no seu meio laboral, a Convenção 155 passou, com a sua ratificação, como estabelece o artigo 4º, a impor ao Brasil a criação de uma política nacional, coerente e possível de ser colocada em prática, para todas as áreas de atividade econômica, onde há trabalhadores empregados, incluída a administração pública (artigo 3º, alínea a).

O objetivo específico dessa convenção é implementar junto aos Estados-Membros, conforme prescreve o artigo 4º, item 2, a idéia central da prevenção dos acidentes e dos danos para a saúde que sejam consequência do trabalho, guardem relação com a atividade de trabalho ou sobrevenham durante o trabalho, com redução ao mínimo, do que seja razoável e factível, das causas dos riscos inerentes ao meio ambiente de trabalho, para que ao fim haja positivamente a promoção da segurança, proteção e saúde física e mental dos trabalhadores.

Dentre as imposições da Convenção 155, que ao ser ratificada pelo Brasil, tornou-se de observância obrigatória, como já mencionado, merece destaque a referência ao reexame periódico das políticas públicas. Isso influi na efetividade dos programas, já que a legislação deve se adaptar às necessidades do momento, principalmente com o avanço da ciência e tecnologia que de forma rápida traz

195

JACQUES, Maria da Graça. O nexo causal em saúde/doença mental no trabalho: uma demanda

para a psicologia. Psicol. Soc. 2007, vol.19. Porto Alegre. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-71822007000400015>. Acesso em: 20.02.2015.

mudanças consideráveis a respeito de qualquer assunto, mesmo no meio ambiente de trabalho.

Outro aspecto relevante dessa Convenção é a prescrição da adaptação do trabalho ao homem (artigo 5º, alínea b), ao passo que a organização das operações e processos produtivos deve ser adaptada às capacidades físicas e mentais dos empregados, diferentemente da antiga postura, em que competia ao homem amoldar-se às condições de trabalho.

Neste ponto, conforme relata Ana Paola Santos Machado Diniz, a Convenção

155 avança, na medida em que reconhece que as falhas na organização do trabalho podem comprometer a saúde mental dos trabalhadores.196

Também a Convenção proíbe a regulamentação autônoma e voluntária dos empregadores nas questões de segurança e saúde dos trabalhadores, sem falar que estipula que o trabalhador tem o direito de participar da criação dessas normas que regulamentam o ambiente de trabalho e de ser informado dos riscos de sua atividade, podendo inclusive ser protegido de punições quando, por razões de risco iminente e nocivo à sua saúde, houver paralisações do trabalho (artigo 13).

Por vez, anota que na ocorrência de um acidente de trabalho, ou um empregado adquirir uma doença ocupacional ou, ainda, qualquer dano à saúde dentro da empresa, será feita uma sindicância, para apurar a razão dos acontecimentos e, assim, prevenir de forma eficaz que outro acidente ocorra posteriormente (artigo 11, alínea d).

Na prática, exige a criação ou desdobramento de um sistema de pesquisas que analise os agentes físicos, químicos e biológicos, em especial os efeitos negativos que eles produzem na saúde dos trabalhadores (artigo 11, alínea e).

No mais, a Convenção 155 obriga o empregador a zelar pela segurança do obreiro que labora com maquinários, equipamentos ou substâncias de uso profissional, repassando informações acerca de seu implemento, além de adoção de práticas visando a prevenção aos riscos conhecidos, medidas preventivas posteriormente adotadas pela NR 31.

Observa-se da Convenção em análise a preocupação no gerenciamento dos riscos de acidentes e doenças do trabalho que são tão graves que mesmo adquiridas no meio laboral, afetam de forma geral toda a vida dos trabalhadores. Nestes termos, Sylvia Volpi, relata a preocupação com a qualidade de vida laboral

196

na confecção da Carta de Buenos Aires, no I Congresso Internacional para a Gestão de Riscos do Trabalho, ocorrido na Argentina:

Também foi salientada a importância de se passar da abordagem tradicional da segurança, higiene e saúde ocupacional para o conceito de vida laboral, entendendo que o mesmo não se limita ao local e horário de trabalho, e, sim, que se integra ao modo de vida do trabalhador e se insere em sua realidade social. Este conceito se refere às condições e meio ambiente de trabalho a partir de uma perspectiva mais generalizada e profunda, com papel mais ativo, integrado e transcendente dos profissionais de segurança, higiene e saúde ocupacional.197

Pelo exposto na Convenção 155, aliado às normativas já tratadas neste estudo, pode-se concluir que não há dúvidas de que o Brasil conta com um ótimo arsenal legislativo em matéria de proteção à saúde e segurança do trabalhador, e mesmo o trabalhador rural. O que acontece é que infelizmente a grande maioria das empresas, principalmente as de pequeno porte, não adotam medidas de proteção à saúde e segurança do trabalhador, desrespeito que vem acarretando altos índices de acidentes de trabalho típicos e doenças ocupacionais.

Assim, diante dessa cultura atrasada que não prioriza os métodos de prevenção dos acidentes laborais, somando-se aí a ausência de fiscalização do cumprimento das medidas legais, é preciso com urgência dar concretude às formas de proteção ao trabalhador como condição da dignidade humana.